terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Ken Russell, o Mais Rocker dos Cineastas Britânicos - Por Luiz Domingues

Considerado como um dos mais criativos diretores do cinema inglês de todos os tempos, Ken Russell, sempre foi um apaixonado por música, sob uma primeira instância. E apesar de ter construído a sua fama no cinema, ele demorou na verdade, para mergulhar de fato, nessa atividade. 
 
Nascido em 1927, em Southampton, Inglaterra, Ken Russell tornou-se militar na juventude, ao ter servido na Marinha e também na Aeronáutica de Sua Majestade.
Ao final dos anos 1950, após abandonar a carreira militar e casar-se, Ken começou finalmente a envolver-se diretamente com a arte, inicialmente através de pequenas produções com a música e ballet, para passar para a fotografia, logo a seguir. 
 
Contratado pela BBC em 1959, ele iniciou a sua carreira como documentarista, ao ter feito significativos trabalhos para a TV, ao enfocar nas biografias de artistas plásticos, divas do teatro e compositores da música erudita.
Profundamente interessado pela música Folk britânica (e europeia em geral), embrenhou-se enfim pelo meio musical, quando conheceu a cena da explosiva "Swingin' London", da segunda metade dos anos 1960, e isso foi fundamental em termos de influência para que a sua carreira como cineasta, deslanchasse, a partir do final daquela década.

O seu primeiro filme com forte conteúdo musical, foi a extraordinária cinebiografia do compositor erudito, russo, Piotr Llitch Tchaikovsky, denominada: "The Music Lovers" ("Delírio de Amor"), lançado em 1970. 

Nessa película, Ken Russell já teve a oportunidade para expressar com veemência a sua verve delirante (e Rocker por uma livre associação de ideias), pela visão alucinógena & psicodélica, mediante uma enorme profusão de imagens oníricas, as quais ele retratou os tormentos internos do compositor cinebiografado, mas sobretudo a realçar a sua genialidade musical implícita.

Os delírios do compositor russo, transformaram-se em um puro exercício lisérgico, ao som de sua esplêndida música. Como por exemplo, os canhões de 1812, neste caso soltaram mais do que balas a defender a mãe russa da invasão do exército comandado por Napoleão Bonaparte, mas na verdade, representaram a explosão de uma loucura explícita da parte do artista.  

O ator norte-americano, Richard Chamberlain, interpretou o compositor russo. A crítica achou tudo exagerado e o público cativo aguardado por Russell, certamente com tendência conservadora, a cultuar a música erudita, não gostou das cenas alucinógenas, mas o fato é que Ken Russell passou a ser notado em maior escala entre os cinéfilos, depois desse lançamento. 

Uma nova incursão musical dar-se-ia em: "The Boy Friend" (" O Namoradinho"), lançado em 1971. Protagonizado pela cultuada modelo sessentista, Twiggy e pela famosa atriz, Glenda Jackson, tal película tratou-se de um musical ao estilo vintista, mas evidentemente que os elementos mais ousados e anacrônicos, foram ali usados, a fugir-se do padrão usual de um musical comum, pois Russell sempre forjou o seu estilo para não se limitar a quaisquer clichês cinematográficos.

Depois disso, em 1974, Ken Russell aventurou-se novamente pela cinebiografia romanceada de um compositor da música erudita, e assim foi fundo na sua composição histriônica a retratar a sua visão sobre a vida e obra do austro-húngaro, Gustav Mahler. 

Ao usar como mote primordial da história o dilema anti-semita que atormentou o compositor durante a sua vida inteira, o diretor foi fundo nessa impressão ao focar na questão da conversão do compositor, do judaísmo ao catolicismo. 

Ken Russell exagerou mesmo nas metáforas e alegorias ao retratar o nazismo mais perverso, com cenas fortes a explicitar o sadismo inerente da parte de seus agentes mais cruéis e por conseguinte, a externar o profundo desprezo da parte das pessoas comprometidas com tal ideologia a respeito da cultura judaica. 

Fãs da música hermética ( e bela) de Mahler, despontaram-se profundamente e em sua maioria, repudiram a obra cinematográfica, ao alegarem que o foco foi totalmente errado da parte do diretor. Houveram casos de protestos veementes da parte de fãs do compositor, indignados com o resultado da obra. 

Uma curiosidade interessante: muitos dos atores com os quais Ken Russell trabalhou nesta película sobre a vida e obra de Mahler, foram escalados para a sua próxima produção, o filme: "Tommy",  baseado na´"Ópera-Rock" do grupo britânico, The Who.  

E a consagração em maior escala para o trabalho de Russell, veio mesmo com o lançamento de: "Tommy", lançado em 1975. 
 
Foi o delírio máximo que ele poderia conceber para retratar a saga do menino cego, surdo & mudo, personagem emblemático da monumental Ópera-Rock, do The Who. 
 
Com carta branca de Pete Townsend, guitarrista e principal compositor da obra do The Who e certamente o mentor do projeto dessa obra em específico, Ken Russell deu asas à imaginação e fez um dos filmes mais loucos da história do Rock, e talvez até dos anais do cinema em geral, ao usar e abusar do recurso das alegorias, lisergia, nonsense e sobretudo, pela enorme profusão de elementos oníricos.
Recheado com atores importantes do cinema inglês e norte-americano, além de diversas estrelas convidadas do mundo do Rock a atuarem como atores improváveis, o filme foi um sucesso absoluto de bilheteria e convenhamos, a obra musical do The Who, dispensa comentários, aliás, nem só pela música em si, mas pelo libreto de "Tommy", que contém uma profundidade surpreendente. 
 
Empolgado com o sucesso estrondoso de "Tommy", Russell partiu a seguir para mais um projeto ambicioso: retratar a biografia do pianista e compositor erudito, Franz Liszt.
Assim como já houvera ousado ao retratar, Tchaikowsky e Mahler, poucos anos antes, desta feita ele carregou ainda mais na loucura e lançou: "Lisztomania" em 1976, ao ambientar a vida de Franz Liszt à sua época original, o século XIX, no entanto, a concebê-lo como se ele fosse um astro do Rock, da década de 1970. 
 
Por fazê-lo tocar ao vivo em teatros lotados, sob a ação de fãs histéricas e mediante a forte presença de "groupies", mas em pleno século XIX, mais uma vez ele fez uso da loucura Rocker, explícita, além do recurso do anacronismo forjado. 
 
Roger Daltrey, o vocalista do The Who, que interpretara o personagem do filme homônimo, "Tommy", atuou como ator mais uma vez, desta feita a viver o famoso compositor e pianista, húngaro.

Ao emendar uma loucura na outra, Ken Russell colocou neste filme, o personagem do compositor, Richard Wagner (interpretado por Paul Nicholas), como um nazista tresloucado, a se confundir com o próprio, Adolfo Hitler, o super tecladista Progger-Rocker, Rick Wakeman (que gravou os temas de Liszt ao piano, na trilha sonora do filme), como o Deus Thor, da mitologia nórdica, criado como uma espécie de mostro de Frankenstein a reforçar a alegoria gótica clássica do terror e Ringo Starr, o lendário baterista dos Beatles, a interpretar um profano Papa Pop (na sua estola Papal usada em cena, são nítidas as ilustrações sensuais da falecida atriz e sex-symbol, Marylin Monroe). 
 
Após "Lisztomania", Ken Russell deixou de lado um pouco o cinema com sabor Rock e o seu próximo trabalho foi a ficção científica: "Altered States" ("Viagens Alucinantes").
O filme não tem nada musical, nem é Rocker explicitamente a se falar, mas é fortemente influenciado pela contracultura, pois para quem tomou contato nas décadas de 1960 & 1970, com a literatura antropológica/shamânica de Carlos Castañeda, há de gostar desse filme, pela sua abordagem clara neste filme. 
 
E além disso, "Altered States", também se tornou um ícone entre os cinéfilos apreciadores do gênero, Sci-Fi.
As cenas perpetradas pelo personagem do ator, William Hurt, a vivenciar delírios alucinógenos provocados pela ação do peyote e/ou mescalina, imerso em uma caverna remota de um deserto mexicano e acompanhado por "shamans" locais, é um dos maiores delírios lisérgicos da carreira de Ken Russell. 
 
Atualmente (*), Ken Russell está aposentado. O seu último trabalho foi em 2002, chamado: "The Fall of the Louse Usher". 
 
Esta matéria não trata de toda a filmografia da carreira de Ken Russell, mas apenas de alguns de seus filmes mais centrados no universo musical e que apresentam uma amálgama comum, expressa na loucura e nos tormentos internos de alguns personagens, dois aspectos que muito interessavam-lhe particularmente, como forma de explicar a genialidade de compositores que ele admirava, tanto na música erudita, pela qual ele foi apaixonado, quanto pelas raízes folclóricas da música Folk britânica e também no Rock, que ele abraço a posteriori.
*Nota do Editor: Ken Russell faleceu em 27 de novembro de 2011, alguns meses após este matéria ter sido publicada pela primeira vez, no Blog do Juma.
Matéria publicada inicialmente no Blog do Juma, em 2011. Posteriormente foi republicada na Revista Cinema Paradiso n° 291 e no Site/Blog Orra Meu.

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