quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Teatro e Cinema : Godspell (Godspell, a Esperança !) - Por Luiz Domingues

         

"Godspell", ou "Godspell, a Esperança", como foi batizado no Brasil, foi mais um filme oriundo de uma peça teatral musical e neste caso, a tratar-se de uma outra adaptação do texto bíblico, como sustentáculo para narrar-se uma história. Se em "Jesus Christ Superstar", a ideia foi romancear e musicar a "paixão de Jesus Cristo", desta feita a ideia foi mais ou menos parecida, mas a retroagir um pouco antes dos acontecimentos que culminaram com o martírio do profeta ou messias, a depender da visão de cada pessoa e conforme os seus ditames religiosos. E por ser um filme derivado de uma montagem teatral, logicamente que a motivação para chegar às telas fora baseada no sucesso obtido nos palcos, assim como houvera ocorrido com outras peças que foram adaptadas para o cinema, casos de "Jesus Christ Superstar", já citado e também nos casos de "Rocky Horror Picture Show" e "Hair" (este por sinal, somente ganharia as telas, algum tempo depois, em 1979). Para falar sobre o filme, é preciso retroagir à concepção da peça teatral, portanto.

Stephen Schwartz fora um jovem universitário ao final da década de sessenta, quando resolveu elaborar a sua tese de doutorado na universidade, na forma de um libreto, típico texto de sustentação para uma Ópera, inspirado nas parábolas de Jesus Cristo, segundo o evangelho de São Mateus. Ao associar-se com o compositor, John Michael Tebelak, ambos criaram as canções do musical : "Godspell".

A concepção do musical mirou diretamente nas parábolas de Jesus (algumas também extraídas do Evangelho, segundo São Lucas, para completar-se), e dá pequena ênfase à paixão de Cristo, ao contrário de "Jesus Christ Superstar", e assim com tal tipo de visão, agradar mais ao público protestante, daí o sucesso maior nos Estados Unidos. A ideia original seria fazer um musical sob uma roupagem Pop e a seguir ligeiramente a estética Hippie, mas nem tanto quanto Jesus Christ Superstar, no entanto. 

A concepção em mesclar tal determinação às tradições do Teatro Clown, também provou ser algo providencial para imprimir uma marca personalizada ao musical. As canções dividem-se entre o Pop urbano; Folk, Vaudeville; Burlesco e o Gospel, em via de regra. A primeira apresentação dessa encenação, foi amadorística, no entanto, ao ter sido realizada por alunos da Carnegie Mellon University, em 1970, mas logo em seguida foi montada no circuito of-Broadway (La Mama Experimental Theatre Club), ao estrear em fevereiro de 1971.

Dali para chegar à Broadway, foi bem rápido e logo seus direitos foram vendidos para o cinema. Paul Shaffer, o exímio tecladista, famoso por atuar no programa de entrevistas (talk show), de David Letterman, foi o tecladista da banda original, nessa montagem inicial na Broadway. 

Pela estrutura do libreto original, a história girou em torno de uma trupe de teatro que seguiu um chamado divino para encenar essas passagens de Jesus através de suas parábolas. Jesus foi retratado como um Clown / Hippie com referências Pop bem acentuadas, tais como a camiseta com a estampa a ostentar o logotipo do Superman que usa em seu figurino básico e com seus apóstolos a acompanhar essa estética, semelhante. Sobre a referência ao Superman, é clara a intenção em sugerir a aura de um Super-Herói para Jesus e entenda-se tal sugestão sob múltiplas conotações. A mais famosa canção do espetáculo, "Day by Day", tornou-se um enorme sucesso Pop, e assim chegou ao n° 13 do Hit Parade da Billboard, que tratava-se de um índice a medir a repercussão de vendagem de discos com bastante precisão e portanto, um termômetro da indústria fonográfica norteamericana.

E tal canção obteve regravações, como por exemplo a famosa e espetacular versão lançada do quinteto soul / R'n'B, The Fifth Dimension (que gravara canções do musical "Hair", também, anos antes), a cantora britânica, Cilla Black e outros.
No cinema, o filme foi lançado em março de 1973, sob a direção de David Greene ("Inherit the Wind", "Bella Mafia" etc), e com a produção de Edgar Lansbury (irmão da atriz, Angela Lansbury, veterana egressa dos anos 1930 / 1940). 

Quanto ao roteiro, logo na primeira cena, pessoas comuns ouvem o chamado de um João Baptista em versão Hippie, e largam os seus afazeres para submeter-se a um batizado dentro de um 
chafariz em praça pública. Eis que surge a figura de Jesus e após o batismo, inicia a sua pregação, em forma de cantorias e mediante coreografias bem elaboradas, para reforçar com ênfase a dramaticidade contida em tais músicas, aliás, muito bem compostas e arranjadas para essa peça.

Dali em diante, ao ter como locação real a cidade de New York, completamente vazia, sem pessoas como se fosse um cenário pós-apocalíptico, tornou-se portanto o cenário para a atuação dessa trupe com artistas mambembes. Para quem conhece bem a "Big Apple", é muito estimulante verificar diversos pontos tradicionais da cidade, como locação natural do filme.

Chama muito a atenção a cena filmada a partir de uma tomada colhida mediante o uso de um helicóptero, onde uma coreografia foi realizada sob o teto do World Trade Center, pouco antes de sua inauguração oficial. É uma cena de tirar o fôlego pela visão panorâmica e a mostrar-se altíssima da cidade, e infelizmente ganhou uma dramaticidade não imaginada em 1973, quando nem no pior pesadelo, alguém pudesse imaginar que as duas torres que compunham tal complexo, ruiriam em 2001, por conta de atos de terrorismo, que são públicos e notórios.


O ator canadense, Victor Garber, interpretou Jesus, no filme, e ele fora um egresso do elenco canadense que encenara tal montagem no teatro. O ator, David Haskel, cumpriu um  papel duplo, ao interpretar as personagens de João Baptista e Judas Iscariotes. Garber tornou-se um ator mais famoso pelos trabalhos que desenvolveu na TV, posteriormente, no entanto, sem grande destaque dramatúrgico. É um rosto conhecido certamente, porém a atuar em papéis secundários nos seriados, e como por exemplo, o seu último trabalho mais significativo foi como, "Jack Bristow", pai da protagonista, "Sidney Bristow" (interpretada por Jennifer Garner), no seriado "Alias" de 2001, e seriado este a tratar-se do primeiro grande sucesso do produtor, JJ Abrams, o criador das séries : Lost e Fringe. 

Ainda a citar o elenco de "Godspell", em sua versão cinematográfica, destacam-se : Katie Hanley (como Katie, a garçonete da lanchonete); Merrell Kackson (como Merrell, o vendedor de roupas); Joanne Jonas (como Joanne, a bailarina); Robin Lamont (como Gilmer, a modelo); Jeffrey Mylett (como Jeffrey, o taxista); Jerry Sroka (como Jerry, o manobrista do estacionamento), e Lynne Thigpen (como Lynne, a estudante).

Sobre a trilha sonora, há o registro de que a versão do teatro foi mais arranjada de uma forma tradicional, a observar o elemento lírico nas partes vocais e assim, a seguir o padrão convencional de um musical encenado em teatro. Portanto, é atribuída à trilha do filme, um tipo de sonoridade mais Pop Rock em perfeita harmonia com a Black Music. O que vale dizer que essa sonoridade produzida em 1973, não poderia soar mais agradavelmente para quem,meu caso, tem predileção sonora por estéticas existentes entre as décadas de cinquenta a setenta. Portanto, o que predomina em termos de estilos desenvolvidos em tal repertório, é uma boa amálgama de canções versadas pelo Rock'n' Roll; R'n'B; Soul Music; Country-Rock; Vaudeville; Blues e Folk Music, em linhas gerais, portanto, a tratar-se de uma gama de influências múltiplas a apontar para uma riqueza musical muito grande.
A crítica falou bem da película à época de seu lançamento. é óbvio que muitos jornalistas observaram a semelhança com o outro musical concorrente e com raiz bíblica, caso de "Jesus Christ Superstar", e certamente que a base em termos de texto, é a mesma, no entanto, as duas propostas dramatúrgicas mostraram diferenciações entre si. Menos exuberante, musicalmente, do que "Jesus Christ Superstar", "Godspell" não pode ser menosprezado no entanto, pois contém algumas músicas notáveis em sua constituição. Bem, a versão para o cinema foi escrita por David Greene em parceria com John Michael Tebelak, o autor da peça teatral. Produzido por Edgar Lansbury, teve a direção de David Greene.
Ainda nos anos setenta, esse filme entrou com força na grade da TV aberta, incluso no Brasil, ocasião que eu tive para ver e rever muitas vezes, em madrugadas memoráveis em torno da famosa : "Sessão Coruja". Passou também com boa constância nos canais temáticos da TV a cabo, e geralmente relacionado para ser exibido em mostras sobre filmes com motivação Rocker / contracultural / libertária. Saiu nos anos 1980, a sua versão em VHS e posteriormente nos formatos, DVD e Blu-Ray. Já figurou em grades de portais de filmes na Internet e atualmente (2012), consta em alguns portais de filmes.

Cabe acrescentar algumas informações sobre a montagem teatral feita no Brasil. Pois então,  o ator / produtor, Altair Lima, que produziu e encenou "Hair", comprou também os direitos dessa outra peça, e montou "Godspell", igualmente em São Paulo, no ano de 1973, a contar com o ator, Antonio Fagundes, a interpretar Jesus, e sua então esposa, Clarice Abujamra, a assinar a coreografia. A montagem no Rio de Janeiro foi em 1974, no Circo Botafogo, com Zezé Motta; Wolf Maia; Lucélia Santos e Kadu Moliterno, entre outros profissionais.

A minha lembrança pessoal com a encenação teatral de Godspell, foi tímida na época, pois limitou-se ao assistir um resumo da encenação na TV, em um programa extremamente cafona, exibido na extinta, TV Tupi, chamado : "Clube dos Artistas". Após a exibição, a preocupação dos apresentadores, Ayrton e Lolita Rodrigues fora questionar Fagundes e os demais atores, sobre imbecilidades a respeito de seu figurino, que chamou-lhes a atenção pelo exotismo, muito mais que a estabelecer algum comentário mais pertinente ao texto ou sobre a música usada como veículo para expressar tal história...
E assisti tal filme pela primeira vez na TV, em uma madrugada, ainda nos anos setenta, no bom tempo em que a TV brasileira mantinha uma grade de cinema com muita qualidade. Mas sobre essa questão da TV exibir cinema de qualidade nessa época, é assunto para outra matéria, certamente, pois é cabível esmiuçar tal assunto.

Godspell não tem o soco no estômago que "Hair" proporcionava, nem a mesma contundência de "Jesus Christ Superstar", mas trata-se de um bom musical, com canções notáveis como, "Day by Day", "Prepare Ye the Way of the Lord", "God Save the People", "All for the Best", e para não dizer que não provocou nenhuma controvérsia, a música, "Turn bacK, O Man" gerou protestos da parte de religiosos mais fundamentalistas, que não conformaram-se com a ideia de Jesus estar nessa cena da peça / filme, dentro de um Cabaré, e ser assediado por uma prostituta. Curiosamente, é uma de minhas canções prediletas de Godspell, com a sua estética Vaudeville, a conter um ótimo piano swingado e lânguido, ao melhor estilo do Blues de New Orleans, bem naquele clima de um saloon do velho oeste norteamericano.

Recomendo assisti-lo, certamente e creio que o filme, mesmo envelhecido para os dias atuais, ainda consiga manter uma relevância pela força da mensagem; criatividade observada em seu roteiro e o uso da estética escolhida, a valorizar o sabor dos anos setenta. Além é claro, da qualidade das canções, que revela-se, inquestionável.
Matéria publicada inicialmente no Blog do Juma em 2011, e republicada no Blog Pedro da Veiga, no mesmo ano. 
Posteriormente, essa resenha foi revista e aumentada, para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock1n1 Roll", a partir da página 53.

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