domingo, 19 de fevereiro de 2012

Filme : The Rose, Cinebiografia Velada de Janis Joplin - Por Luiz Domingues

Ao final dos anos setenta, o ambiente não mostrava-se nada propício para realçar-se valores sessentistas. A estética esvoaçante e absolutamente vazia em torno da Disco Music comandava as ações do lado de cá do Atlântico, ao convidar a juventude a domesticar-se; cortar o cabelo e dançar, dançar e dançar... e decorrente desse ideário raso como o de uma piscina para formigas, abriu-se por conseguinte, o caminho para a geração yuppie, formada por neocapitalistas obcecados em ganhar dinheiro a todo custo, para gastar a vida a dançar, dançar & dançar, que estava a brotar no âmago da sociedade. Do outro lado do oceano Atlântico, o movimento Punk-Rock a eclodir na Inglaterra, em meio a uma mentalidade supostamente baseada em anarquia, porém, sem nenhuma ação propositiva concreta, propunha simplesmente uma bomba atômica niilista arrasadora, para varrer do mapa os valores contraculturais e nesses termos, e o seu prolongamento seria lógico no decorrer dos primeiros anos da década seguinte, pela via estética do Pós-Punk. Nesse ambiente desfavorável, foi lançado, "Hair" em 1979 (escrevi sobre "Hair", peça teatral & filme, anteriormente, e basta procurar no arquivo deste Blog, para ler), a  diluir o impacto da peça teatral realizada mais de dez anos antes. Dessa forma, no mesmo ano, uma outra produção cinematográfica e anacrônica, foi preparada para chegar às telas ao final de 1979, chamada ; "The Rose".

A ideia original seria uma cinebiografia oficial da cantora, Janis Joplin. Tanto foi verdade, que o título original sugerido, seria : "Pearl", a tratar-se do apelido emblemático da genial cantora texana. Entretanto, a família de Janis Joplin vetou a ideia e por recear o inevitável processo advindo da parte dos pais e irmã da grande cantora texana, os produtores optaram por estabelecer modificações no roteiro, e assim deixar tudo velado de uma maneira para que no máximo, fosse insinuada uma inspiração tão somente.

Dessa forma, o filme "The Rose" foi concebido de uma forma a retratar a vida de uma Rock Star, ao lidar com a sua rotina marcada pelo sucesso; compromissos e excessos extra-musicais, ao valorizar ao máximo, a trilogia/clichê : Sexo; Drogas & Rock'n' Roll. Sobre o elenco, destaco a presença de vários atores interessantes tais como : o bom ator britânico, Alan Bates, a interpretar o empresário explorador, Rudge Campbell, e Harry Dean Scanton, que deu vida ao compositor de Country-Music, Billy Ray, que aliás, protagoniza uma das mais fortes cenas do filme, quando humilha a cantora, "The Rose", o que a derruba emocionalmente, ainda mais do que a sua combalida baixa autoestima já o fizera, anteriormente.  
A rigor, o filme acompanha os últimos momentos da vida de "The Rose". Para falar sobre a história propriamente dita, eis que narra-se o auge da carreira de uma estrela do Rock, chamada Mary Rose Foster, artisticamente conhecida como : "The Rose". A opção, portanto, é por mostrar a cantora em seu auge artístico e assim fugir bastante de uma abordagem tradicional, quando normalmente mostra-se a infância / adolescência e sobretudo os primeiros passos na carreira de um artista musical. Portanto, o filme mostra a persona de "The Rose", em algum momento de 1969, a viver a glória de sua carreira no auge. Dessa forma, os seus shows são lotados por fãs apaixonados, no entanto, sobrecarrega-lhe em demasia e assim prejudica a sua saúde. Todavia, o pior advém de outra fonte. 

Trata-se sobretudo sobre a pressão gananciosa exercida pelo seu empresário (Rudge Campbell, interpretado por Alan Bates), que faz vistas grossas à necessidade que The Rose tinha em desacelerar o ritmo de suas obrigações profissionais, pois estava nitidamente esgotada física e emocionalmente, portanto à beira de um colapso nervoso. Nesse momento em que mostra-se prestes a explodir, ela conhece por acaso um ex-combatente da guerra do Vietnã (Huston Dyer, interpretado por Frederic Forrest), e passa a carregá-lo para dentro da turnê, ao exibi-lo como o seu novo amante, no entanto, tal predisposição é adotada  mais para irritar irritar o seu empresário, que por sua vez, antevê problemas nessa atitude da parte da sua contratada. Contudo, ocorre que o rapaz tem uma boa índole e percebe que a cantora está à beira de uma crise nervosa e muito séria, com risco de vida, inclusive, e assim, ele passa a cuidar dela, com carinho.
E justamente nesse ponto que as semelhanças com a vida de Janis Joplin acentuam-se. Essa carência afetiva absurda tem várias motivações: por não ter obtido o devido respaldo da família; por conta da sua contumaz baixa autoestima por sentir-se feia e ridicularizada no ambiente escolar, quando fora adolescente e também por sentir-se sugada pela fama, a afundar-se nas drogas e na bebida para suportar essa pressão etc. Ao retratar a personagem dessa forma, fica claro ao público que tratava-se veladamente de uma biografia de Janis Joplin, mas não houve como a família real da pérola do Texas queixar-se na justiça, pois tudo ficou muito disfarçado, com a personagem a ostentar um outro nome. Por ter sido feito sob outro nome e através de uma suposta personagem, meramente fictícia. Com essa ação velada, os produtores driblaram a família de Janis Joplin e puderam inspirar-se em sua história, ainda que sob muitas licenças poéticas e modificações em relação à realidade dos fatos.

O ponto onde foi quase indisfarçável a semelhança com a vida real de Janis Joplin, ficou por conta da cena inicial dessa obra, que na verdade revelou-se como um "flashforward" do final, com uma balada melancólica (e linda) ao fundo, enquanto a família de "The Rose" abre a garagem da sua residência para mostrar aos jornalistas, que apesar da mágoa nutrida em relação em relação à filha, por ela não ter seguido o caminho que a família desejava, na contrapartida, orgulhava-se  da sua conquista no mundo artístico. Mesmo que a família não tivesse ofertado o seu apoio explícito, o clã acompanhava e orgulhava-se de sua filha, tamanha a quantidade de recortes com matérias de jornais e revistas que ornam as paredes, ou seja, exatamente como no documentário, "Janis", onde sob o som de "Me and Bob Mcgee", o público mareja os olhos ao ver as fotos de Janis Joplin, provenientes dos recortes de jornais e revistas, pelas paredes da garagem da casa de seus pais.
Uma outra passagem semelhante à vida de Janis Joplin, ocorre no concerto, onde "The Rose" apresentar-se-á em sua pequena cidade natal (no caso do filme, Jacksonville, na Flórida, quando no na vida real de Janis Joplin, tratara-se de Port Arthur, no Texas). Não foi bem assim no caso de Janis Joplin, portanto, aqui no filme, contém apenas uma inspiração mediante licença poética, pois Janis, na sua vida real, fez questão de comparecer a uma convenção de ex-alunos de sua High-School em Port Arthur, a sua cidade natal no Texas, já na condição como uma artista muito famosa, para buscar uma espécie de autoafirmação, em confronto com os traumas adquiridos no seu passado, pois ela sofrera "bullying" por ser considerada uma garota feia. Em sua biografia, consta que os meninos costumavam chamá-la como : "o garoto mais feio da escola", para agredi-la de uma forma dupla, ao negar-lhe até a sua feminilidade. No filme, The Rose faz o concerto no estádio de futebol norte-americano da sua escola, e em péssimas condições de saúde, tudo agrava-se  quando ela resolve tomar barbitúricos; álcool e heroína em doses maciças, portanto, tem um colapso e morre no palco. Há uma culpa moral do seu empresário por essa morte, pois ele usara de uma artimanha para pressioná-la, exatamente nos momentos em que antecederam esse show, mediante a ameaça em romper-se o seu vínculo contratual.

Além disso, acrescento que o filme apresenta cenas muito interessantes ao longo da sua narrativa, tais como as que exibem shows ao vivo da cantora e da sua ótima banda, que são muito bem filmadas, com direção de arte exemplar no tocante à realização de um show de Rock fidedigno e neste caso, o grande mérito do diretor, Mark Rydell, foi ter escalado uma atriz que realmente era cantora de carreira, igualmente, para interpretar com alma essa cantora visceral. Neste caso, Bette Midler não interpreta uma cantora de Rock, mas a encarna com total desenvoltura. Dona de uma excelente presença de palco e uma voz privilegiada, Bette canta e convence como, "The Rose". Se a sua carreira musical (falo sobre Bette), não atingia normalmente o público Rocker anteriormente, após o advento desse filme, despertou-se tal interesse, para um público inteiramente novo para a carreira dela, no entanto, ela nunca esboçou vontade em mudar o seu direcionamento musical, e dessa forma, continuou no seu espectro de público mais conservador e no patamar da meia-idade para frente, a atuar no mercado, em meio a concorrentes como Barbra Streisand, por exemplo. E no cinema, como atriz, ela infelizmente nunca repetiu o mesmo sucesso, e obteve assim algum destaque moderado quando passou a dedicar-se mais a atuar nas comédias, assim como na TV, com participações em sitcoms.

A banda que acompanha, "The Rose" no filme, também foi formada por músicos reais, e o destaque fica para o excelente guitarrista, Steve Hunter. Ele fora guitarrista do "Frost", uma sólida banda que transitou pelas vertentes do Hard-Rock e Blues-Rock, e que costumava abrir os shows do Grand Funk entre 1969 & 1970, Hunter tocou também na banda de apoio de Lou Reed, posteriormente, no início dos anos setenta. 

No avançar do ano de 1975, ao lado do outro guitarrista do Frost, Dick Wagner, ele foi acompanhar, Alice Cooper, que acabara de dissolver a sua banda clássica, para renovado, lançar o LP "Welcome to My Nightmare", produção desse mesmo ano. Destaque também para Danny Weiss, o outro guitarrista presente no filme, que foi membro fundador do Iron Butterfly, importante banda psicodélica norte-americana na década de sessenta, embora não tenha ficado muito identificado com tal banda, visto que gravou apenas o primeiro álbum dessa banda, chamado : "Heavy" (ele não gravou o famoso álbum seguinte, "In-a-Gadda-da-Vida"). Com Hunter no comando, o diretor Mark Rydell teve a assessoria necessária para retratar uma banda de Rock de uma forma muito autêntica.
Responsável pelos arranjos e direção musical, Hunter brilha no filme, com os seus solos cheios de influência do Hard-Rock típico de Detroit. Músicas como : "Whose side are you on"; Midnight in Memphis"; "Sold my soul to Rock'n Roll" ; "Stay with me"; "Let me call you Sweetheart", e "The Rose", entre outras, valem cada segundo do filme. Ressalto igualmente a interpretação visceral de The Rose / Bette Midler, para a sensacional canção : "When a man Loves a Woman", que é tão conhecida  na voz de Percy Sledge, em disco. Neste caso, é um momento emocionante do filme. E destaco também o tema instrumental, "Camellia", que é um riff composto por Steve Hunter, a exibir uma beleza incrível, ao ponto em ser hipnótico. Mediante a execução desse tema, The Rose chega ao palco a bordo de um helicóptero, e até então, ela (e ninguém), poderia imaginar que este seria o seu último Concerto. Impossível não emocionar-se, portanto, mediante tais elementos expostos em conjunto.

O filme teve várias indicações ao Oscar, mas culminou em não faturar nenhuma estatueta. Venceu no entanto, outros prêmios como o Globo de Ouro, Bafta e Cesar, e convenhamos, todos esses citados são prêmios muito importantes dentro do universo do cinema. Bette Midler como atriz; Frederic Forrest como ator coadjuvante (ao interpretar o amante fortuito, Houston Dyer); melhor trilha; melhor montagem etc. 

A obra foi bem recebida pela crítica, que insistiu na tese de que o mote fora montado como a biografia velada de Janis Joplin , mas ressaltou a produção boa, o bom elenco com menção ao realçado trabalho de Bette Midler; Frederick Forrest e Alan Bates, sobretudo; a boa direção e a trilha sonora que é excelente, eu concordo. No cinema, o filme teve boa bilheteria, inclusive no Brasil, apesar de ser uma época desfavorável para esse tipo de enfoque a retratar (e enaltecer) as estéticas dos anos sessenta e setenta, com a década de 1980, em início e que revelar-se-ia tão niilista e revanchista, a bater na porta. Tirante tais registros históricos, sobre as adversidades estéticas encontradas à época do seu lançamento, vale rever, e para quem ainda não o viu, deixo a minha recomendação para que o assista o quanto antes !
Lembro-me muito bem, quando eu fui assistir tal obra, ainda em sala de cinema, por volta de maio de 1980, em minha cidade de São Paulo, e o quanto fiquei encantado em constatar uma obra a retratar o Rock sessentista com uma visão enaltecedora, algo raro desde que as ondas destruidoras do Rock começaram a agir por volta de 1977. Pois a visão proporcionada por esse filme, teve o poder em verter-me como um alento e tanto, para que eu pudesse enfrentar tempos tenebrosos que já estavam instaurados no campo do Rock em que inseria-me como músico profissional.

Ainda a mencionar outros atores que participam desta obra ; Barry Primus (como Dennis); David Keith (como Spal); Sandra McCabe (como Sarah Willingham); Will Hare (como Mr. Leonard); James Keane (como Sam); Doris Foster (como Mrs. Foster, a mãe de The Rose); Sylvester (como uma Drag Queen em um show de boite); Michael Greer (como Emcee "Baby" Jane); Sandy Ward (como Mr, Foster, o pai de The Rose); Don Calfa (como Don Frank); Rudy Bond (como Monty), e outros. 

Ainda sobre o elenco, cabe mencionar também que a primeira escolha para interpretar, "The Rose", foi com a atriz & cantora, Suzy Williams. Boa cantora, sem dúvida, ela mantinha um currículo positivo dentro da música a contabilizar discos; shows e participações em eventos importantes etc e tal. No entanto, sem nenhuma intenção em polemizar, eu creio que a despeito de que essa artista pudesse desempenhar bem o papel, e até melhor que Bette Midler, eventualmente, o fato é que Midler foi muito bem e isso é incontestável. O mesmo ocorreu, curiosamente em relação à escolha do diretor para comandar "The Rose". A primeira opção da produção, foi pelo britânico, Ken Russell. O grande mestre declinou do convite e alguns anos depois, declarou o seu arrependimento por tal escolha malfeita, em sua opinião, em entrevista concedida à imprensa. Um ponto é certo : se Russell fosse o diretor de "The Rose", esse filme teria uma característica visual completamente diferente, com o uso e abuso das alegorias e também por conta do efeito onírico / lisérgico, bem acentuado, uma marca registrada sua, observada praticamente em todos os seus filmes, vide os casos de "Tommy"; "Lisztomania"; "Mahler" e outros. E Mark Rydell não foi tampouco o "plano B" da produção, isso por que após a recusa de Russell, o segundo diretor convidado a assumir, foi Michael Cimino, mas este já estava comprometido com outro filme ("Heaven's Gate", aliás a tratar-se de um bom Western, que fez sucesso na ocasião), e assim, finalmente, Mark Rydell assumiu a clássica cadeira do diretor.
Dessa forma, o filme foi bastante exibido nos anos oitenta em emissoras da TV aberta; teve a sua trilha sonora lançada e foi bem em termos de vendagem de discos. Rapidamente foi anunciada a sua versão em fita VHS para as vendas ao público consumidor e logicamente que ao avançar dos tempos, o filme foi relançado em plataformas mais modernas (DVD; Blu-Ray), além de entrar inevitavelmente para a grade das emissoras de TV a cabo e também em portais especializados em filmes, na Internet. É bastante exibido igualmente em mostras temáticas sobre o Rock, organizadas tanto por emissoras de TV (no cabo, predominantemente), quanto em sazonais festivais realizados em cineclubes. Atualmente (2012), no You Tube, existe apenas fragmentos do filme. Uma versão na íntegra, pode ser encontrada no portal de filmes, "Directv". 

Matéria publicada inicialmente no Blog do Juma, em 2011.

Posteriormente, esta resenha foi revista e aumentada para ser publicada no livro: "Luz; Câmera & Rock'n'Roll", em seu volume I, a partir da página 96.

3 comentários:

  1. Download do Documentário - Janis - http://bit.ly/ND975b

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    1. Maravilha o seu adendo, Bruna. Embora o assunto do texto tenha sido específicamente "The Rose", tem pertinência o convite para que se assista o documentário "Janis", sobre Janis Joplin.

      Obrigado, por ler, postar adendo e participar !

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  2. Que mulher atriz encantadora que voz.performance..assisti 12 vezes e sequer pensei ou lembrei de Joplin.mesmo eu sendo muito Fã..
    Bette Midle..Vc é maior..chorei muito mesmo eu que curto Rush.Iron.imaginem...Eterna Bette..

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