quarta-feira, 18 de abril de 2012

Filme: Two of Us (Tudo Entre Nós) - Por Luiz Domingues



Tudo o que envolve a carreira dos Beatles, seja por fatos ocorridos antes da sua formação, durante a sua trajetória ou mesmo depois da sua dissolução, sucinta todo o tipo de especulação entre os seus fãs, certamente. Fatos sobre a banda ou seus componentes, individualmente, motivam em caráter permanente, a criação de livros, filmes, documentários, reportagens, discussões de todo o tipo no campo midiático, em diversas plataformas. No caso específico dos filmes, há uma boa quantidade de obras a abordar muitos aspectos específicos da carreira da banda, e muitos a mostrar o ponto d vista individual de seus componentes e até da carreira solo dos quatro ex-componentes.

Eis aqui, portanto, mais um exemplo de abordagem cinematográfica, e a exibir um fato concreto, ocorrido em 1976, a envolver dois ex-companheiros de banda e neste caso, tratou-se de um encontro revestido por simbolismos e que suscitou muitas especulações. É preciso primeiramente situar o leitor no contexto desse apontamento, para que fique bem claro como ocorreu tal fato e sobretudo, o que foi especulado pela imprensa, nessa ocasião.
Paul McCartney e Sid Bernstein, em algum evento social, sem data definida. 

E antes mesmo de ir direto ao ponto, é preciso esclarecer um dado histórico ainda mais antigo. Se houve a "British Invasion", a espetacular invasão das bandas britânicas sobre a América do Norte, a partir de 1964, houve um empresário que foi diretamente responsável para que essa porta, ou portal, a melhor dimensionar, pudesse abrir-se e esse produtor cultural foi o norte-americano, Sid Bernstein. Esse empreendedor musical, percebeu no decorrer de 1963, que algo diferente ocorria na Europa, na Inglaterra em específico e por conta dessa percepção, ligou para Brian Epstein, o empresário dos Beatles e propôs trazer o grupo britânico para apresentações nos Estados Unidos.

Brian Epstein, o hábil empresário do grupo de Rock, The Beatles

Brian relutou em princípio, pois a despeito da explosão da banda estar em pleno andamento na Inglaterra e a espalhar-se por outros países europeus, ele considerou que a América do Norte ainda seria inatingível, por deter o maior mercado fonográfico do mundo e não haver tradicionalmente uma grande penetração para artistas europeus, ali.

Ocorre que Sid percebera o potencial e assim, insistiu na ideia e quando finalmente a banda atingiu o número um da parada norte-americana, Brian sentiu-se seguro e aceitou a oferta de Sid. Portanto, foi Sid Bernstein quem sedimentou o caminho para os Beatles alcançar a fama nos Estados Unidos e por conseguinte, abrir o caminho para uma invasão de outras bandas britânicas, o que caracterizou então o movimento conhecido como: "British Invasion", que mudou completamente o rumo do Rock, no mundo. Em termos de proporção, portanto, se o radialista, Alan Freed, fora considerado uma peça fundamental para a solidificação do Rock'n' Roll no mercado, ao longo dos anos cinquenta, Sid Bernstein, ganhou fama por ter alavancado o sucesso dos Beatles na América e por conseguinte a explodir em escala mundial, para colocar a Inglaterra na linha de frente do Rock, ao propiciar a British Invasion, que modificou inteiramente o panorama do Rock Mundial, na década de 1960. Desde então, Sid tornara-se um amigo pessoal de Brian Epstein e dos quatro componentes dos Beatles, certamente.
Sid Bernstein, o produtor musical que sonhou em reagrupar os Beatles em 1976


Em 1976, seis anos após a dissolução desse super grupo, Sid Bernstein, fez uma oferta pública e milionária para que a banda se reunisse a visar um único concerto a ser realizado em Londres, com a renda toda revertida à caridade. É óbvio que essa proposta jogada ao vento causou um rebuliço, com a onda de boatos a correr o mundo afora. Separadamente, cada componente da banda, rejeitou a proposta, através de notas oficiais, porém a euforia gerada por essa expectativa foi enorme. 
O humorista, Lorne Michaels em sketch do programa humorístico de 
TV, Saturday Night Live, em edição de 1976, quando brincou com a oferta de Sid Bernstein aos Beatles

Na mesma época, o programa de TV, Saturday Night Live, muito popular nos Estados Unidos, e baseado no humor, fez uma brincadeira sobre essa boato, com o apresentador, Lorne Michaels, ao visar ridicularizar a proposta em torno de milhões de dólares oferecida por Sid Bersntein, fez uma outra proposta, ao oferecer U$ 3000, se os componentes dos Beatles fossem naquela noite aos estúdios da NBC, em Nova York, e tocassem ao vivo, no programa.

Vinte e dois milhões de pessoas assistiam aquele programa humorístico naquela noite, segundo a medição de audiência e o que Lorne Michaels não poderia imaginar, foi que John Lennon e Paul McCartney estavam entre elas, e a assistir tudo, juntos em frente a um aparelho de TV caseiro. Como assim ?

Por coincidência, naquela noite, a aproveitar a estada na cidade de New York, Paul e Linda McCartney foram visitar o casal, John Lennon e Yoko Ono, no apartamento em que viviam, no famoso Edifício Dakota. Ao assistir a proposta feita pelos humoristas na TV, ambos cogitaram ir ao estúdio da Rede NBC, para entrar no espírito da brincadeira, mas desistiram logo a seguir, pois certamente a sua aparição espontânea haveria por causar ainda mais especulações sobre o assunto da "volta" dos Beatles.

Foi baseado nesse encontro real entre Lennon e McCartney, nesse dia 24 de abril de 1976, que foi produzido o filme: "Two of Us", mais uma produção da VH1, em sua série, "Movies That Rock" (já comentei sobre o filme, "Sweetwater, a True Rock History", que caracterizou a primeira produção dessa linha de filmes, anteriormente em matéria escrita para o Blog do Juma e republicada aqui no meu Blog 1, e que foi a primeira produção cinebiográfica da parte dessa emissora).
 
Este é o mote portanto, do filme: "Two of Us", que no Brasil recebeu o título: "Tudo Entre Nós" (quem conhece a discografia dos Beatles, sabe que esse título representa o nome de uma música da banda, contida no LP "Let it Be" e que tornou-se um bom trocadilho para dar nome a esta película).

O filme dirigido por Michael Lindsay-Hogg, (o diretor do próprio filme, "Let it Be", dos Beatles, filmado em 1969, e lançado em 1970), usou a licença poética mais que a realidade, a explorar outros aspectos desse encontro. Para início de conversa, suprimiu-se a presença das respectivas esposas, para focar na ideia dos dois amigos a sós, a encontrar-se após anos de separação e ressentimentos ainda presentes para ambos. 

No filme, Paul resolve visitar John, fortuitamente, em um dia livre dos seus compromissos com o Wings (a sua banda na ocasião), que excursionava e estava em temporada no Madison Square Garden, famosa arena na cidade, habituada a abrigar shows de Rock. Recebido friamente por seu velho amigo de Liverpool, esboça estar arrependido rapidamente por ter forçado a visita, tamanha a aspereza com a qual fora recebido.
Na vida real, em 1976, Lennon estava absorto em outros interesses, de fato em sua vida real, pois desde a virada de 1975, ele entrara em uma fase de desconstrução de si mesmo, ao fugir da inerência de sua fama e negar dessa forma, a sua condição como um "Rock Star". Nessa fase, ele desejava a todo custo manter uma vida normal, como um homem comum, longe de sua condição como estrela do Rock, mundialmente famoso, ao isolar-se em seu apartamento, e dessa forma, mostrava-se encantado em ser apenas um "dono-de-casa", e cuidar de seu filho, Sean, recém nascido. 

Quanto ao McCartney, ele estava no auge da fama de uma segunda banda bem sucedida no pós-Beatles (Wings), e a aproveitar o fato dessa banda estar a obter sucesso por seus méritos, sem usar o repertório dos Beatles para obter o seu êxito comercial. No filme, o gelo entre os dois passa a quebrar, quando o Lennon percebe que estava a ser turrão demais e assim, ao esquecer as suas mágoas enraizadas, relembra em McCartney, o amigo adolescente com quem dividiu sonhos e expectativas por anos a fio, no passado, muito antes da fama construída em conjunto, na cidade de Liverpool, Inglaterra, sob os bons ares cinquentistas.

Ao apreciar falar sobre reminiscências em comum dos seus tempos pueris, vividos na adolescência em Liverpool, entram em climas muito lúdicos, como ao sair para caminhar pelo Central Park e aproveitar para andar como pessoas comuns, sem nenhuma preocupação com o inevitável assédio da parte de fãs, assim como entrar em um café e não ser incomodados por fãs inconvenientes etc. (mesmo assim, ao mostrar-se "disfarçados", não conseguem concretizar isso, em sua totalidade, é claro...). Entretanto, o clima entre ambos azeda mesmo, quando não percebem o limite desse resgate na amizade estremecida, e isso ocorre quando Paul empolga-se e vai buscar um violão na limousine que o aguardava porta do edifício, para que ambos pudessem tocar juntos, novamente. 

Esse é o momento do filme, onde qualquer Beatlemaníaco que se preze, passa por uma taquicardia, pois a pergunta é óbvia: será que a dupla mais bem sucedida da história do Rock, vai voltar a trabalhar junta? Será, será ? 

Entretanto, ao voltar para o apartamento, Paul flagra Lennon a conversar com Yoko Ono ao telefone e percebe claramente pelo tom que John fala com a esposa, que não havia mais clima algum pata tocarem. Na vida real, é sabido que após o jantar muito amistoso ocorrido nesse sábado, McCartney voltou a visitá-lo no dia posterior, domingo, e desta feita chegara ao Edifício Dakota com um violão em mãos e disposto a tocar com o seu velho amigo, mas este não o recebeu, ao dispensá-lo pelo interfone do prédio, ao dizer-lhe: -"não estamos mais em 1956, Paul. Se quiser visitar-me, tenha a bondade de telefonar antes, para avisar-me"...
O filme foi produzido com a intenção deliberada em discutir o tema, "amizade", sobretudo. Com isso, os produtores e o diretor não preocuparam-se em retratar a história real, mas sim, criar uma narrativa com licenças poéticas em torno desse tema. E dessa forma, os atores não foram escolhidos por serem muito parecidos fisicamente com os astros britânicos, porém mais pela sua capacidade em interpretar essa gama de sentimentos envolvidos no espectro da amizade.

Aidan Quinn interpretou, Paul McCartney, e Jared Harris, fez John Lennon. A fotografia é muito boa, em tons pastéis, propositalmente a evocar uma implícita melancolia, que eu diria, revelou-se adequada para retratar a situação. Os diálogos são muito bons, com o show de sarcasmo da parte de Lennon, que detinha de fato essa característica tipicamente britânica em sua personalidade, em contraponto ao cartesianismo conformado da parte de McCartney, o que corresponde também à sua postura na vida real. 

O filme agradou em cheio aos Beatlemaníacos, mesmo com muitas modificações a alterar a real situação ali vivida por ambos e deixa no ar aquela deliciosa pergunta, nunca respondida: eles realmente poderiam ter acertado-se e promovido um retorno dos Beatles, ainda que sob uma única noite, em 1976? Bem, isso ficou por conta das especulações advindas e mais um dado, a despeito de Lennon & McCartney sempre serem lembrados como a exercer a liderança natural dos Beatles, nessa equação havia igualmente dois outros elementos: George Harrison e Ringo Starr, portanto, a despeito destes dois últimos ter geralmente uma imagem subestimada, para que os Beatles pudessem ter aceito a proposta de Sid Bernstein, isso somente teria sido possível com as quatro assinaturas no contrato. Um nome a menos, inviabilizaria o projeto.
O diretor, Michael Lindsay-Hogg, que também dirigiu o filme: "Let it Be", dos Beatles, em 1970

Sobre o diretor, Lindsay Michael-Hogg, ao longo das resenhas sobre os filmes "Rock and Roll Circus", dos Rolling Stones e "Let it Be", dos Beatles, eu teci alguns comentários sobre a sua biografia, que é bastante interessante e relevante, tanto sobre o ponto de vista pessoal, quanto da sua contribuição salutar ao Rock. Não repetirei aqui para não se tornar enfadonha uma insistência na mesma informação, portanto, convido o leitor a reler tais resenhas citadas, para relembrar os fatos que tornam tal diretor, alguém importante para a história do Rock.

Como o filme centra a história em duas personagens, a relembrar: Aidan Quinn (como Paul McCartney) e Jared Harris (como John Lennon), eis que a presença de outros atores foi observada com muita parcimônia, apenas para compor poucas cenas. Portanto, cito alguns deles: Martin Martinuzzi ( o motorista da limousine), Neil Foster (concierge do hotel), Lois Di Bianco (este um ator famoso, como Luigi), Heather Hodgson (a mulher com o cachorro, na rua), Scott Wickware(policial), Robert Seeliger (outro policial), Ian Eugene Ryan (freak a andar pelo parque), Joy Bostick (o ascensorista), Rick Reid (apresentador da TV) e outros figurantes ainda menos cotados.
 
O público comprou a ideia do filme com simpatia, notadamente os fãs dos Beatles e de Lennon & McCartney em específico. A crítica, também enalteceu a abordagem ao ressaltar a qualidade dos diálogos. Um certo crítico chegou a afirmar que esperava mais um filme amadorístico feito para agradar o fã-clube dos Beatles, mediante atores a usar perucas ridículas e a forçar sotaque de Liverpool, sendo ainda mais grotesco se tratassem-se de atores norte-americanos, no entanto, ele surpreendera-se com a leveza observada nos diálogos, interpretação e mão leve do diretor para conduzir tal história com um toque ameno, a explorar sutilezas. Martin Lewis, um historiador e que é reconhecido como um dos maiores pesquisadores sobre a carreira dos Beatles, foi consultor deste filme, ao suprir a produção com muitas informações valiosas.

Sobre a trilha sonora, como quase sempre acontece em filmes a retratar os Beatles, não se ouve um único acorde das músicas da banda. É claro, a tratar-se de uma barreira intransponível, como sempre sempre, a editora detentora dos direitos, não autorizou o uso desse repertório. Portanto, ouve-se uma canção tema de abertura, composta por David Schwartz e daí em diante, música incidental, praticamente, apenas para fornecer o background. Produção simples, porém, muito funcional, foi enxuta na questão de cenários e externas, a parecer praticamente um tipo de produção a lembrar um episódio de um seriado de TV, em sua resolução técnica. Escrito por Mark Stanfield e dirigido por Lindsay Michael-Hogg, foi lançado em fevereiro de 2000
Por ser um telemovie, certamente que após a primazia de ter sido exibido com exclusividade inicialmente no canal musical VH1, o seu produto foi exibido a posteriori em canais, sobretudo na TV a cabo, ao redor do mundo. Rapidamente esteve nas telas de canais dessa natureza, mesmo caso no Brasil, certamente. Imediatamente, foi lançado com rapidez em formato DVD. Na internet, na atualidade de 2012, tal filme é encontrado com facilidade no YouTube.
Resenha publicada inicialmente no Blog do Juma, e republicada no Site / Blog Orra Meu, ambas em 2011. Tal resenha foi revista e aumentada a posteriori e publicada no livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", em seu volume I, a partir da página, 175.


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