quinta-feira, 24 de maio de 2012

Drogas: Questão Dúbia - Por Luiz Domingues

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tomou uma corajosa posição ao engajar-se em favor de uma ideia polêmica e expressa através de um documentário que abertamente levantou a questão da liberalização das drogas ("Quebrando o Tabu", de Fernando Grostein Andrade).   

Particularmente, fiquei surpreendido, pois não esperaria uma atitude dessas do ex-presidente, que nas últimas décadas vinha a posicionar-se moderadamente em questões dessa natureza, ao seguir a tendência de seu partido em aliar-se ao valores mais tradicionais, ao torná-lo conservador assumido, que certamente destoa um pouco de sua biografia pregressa, quando para muitos, a sua posição era mais progressista em tese.   

Contudo, está explicado porque o seu partido praticamente o marginalizou nas últimas eleições presidenciais (nota do editor: ao referir-me ao ano de 2010), quase a explicitar uma sensação de vergonha interna, quando na verdade, a sua figura como presidente vitorioso com dois mandatos, deveria ser o principal trunfo do partido. 

Ao sair da política e falar do tema do documentário, só os realmente retrógrados, não entenderam a intenção de FHC.

Não há nenhuma intenção de se fazer apologia às drogas. A questão na realidade é o completo fracasso da política de repressão montada para coibir o consumo, que só fez fomentar a indústria do tráfico, com um aparato bélico digno de exércitos, para que esses bandidos aterrorizem a sociedade.  

Que as drogas geram um estrago na saúde física, mental, espiritual e no cotidiano social das pessoas, eu não tenho nenhuma dúvida. O que questiono, assim como o ex-presidente muito bem coloca no documentário, é a política repressora e incriminatória, que revelou-se um completo fracasso nas últimas décadas e foi praticamente imposta pela visão religiosa e policialesca a envolver tal questão.  

Há os que argumentam que o controle do Estado deva ser absoluto e se afrouxasse a força na sua sanha policialesca, seria ainda pior a tragédia para a sociedade. Discordo desse ponto de vista por vários fatores:

1) Reprimir e assim criminalizar os consumidores, diminuiu o consumo? É claro que não! E pelo contrário, só fortaleceu os traficantes que montaram verdadeiros exércitos para defender o seu negócio.

2) A sobrecarga de trabalho às forças policiais é brutal, por travar-se uma luta insana. Enquanto preocupam-se em enfrentar traficantes e reprimir usuários, ficam longe de suas verdadeiras atribuições, ao evitar crimes e golpes em geral contra o patrimônio e pessoas físicas, mediante furtos, roubos, chantagem, coação etc.

3) O Estado não pode comandar o livre arbítrio das pessoas em relação aos seus próprios corpos. Uma pessoa adulta tem o direito de cuida de sua vida, ao fazer as suas escolhas pessoais sobre o que ingerem. Se não prejudicam outras pessoas ou o patrimônio alheio, deve ser livre para estabelecer as suas escolhas pessoais.

4) A questão gritante da hipocrisia e preconceito, é um fator execrável a ser abolido. Por quê os mesmos reacionários que defendem a manutenção do atual Status Quo da política repressora em relação às drogas ditas ilícitas, não defendem a proibição sumária das bebidas alcoólicas e do tabaco?

Pois é amigos... é sabido desde sempre, que estas drogas "lícitas" e vendidas em todas as esquinas, legalmente, produzem os piores viciados, matam, criam embaraços múltiplos (a sociedade não aguenta mais esses famigerados bêbados a matar pessoas inocentes todos os dias no trânsito, não é verdade?).

Contudo, as mesmas vozes que execram outras drogas, não acham que essas, que são supostamente aceitáveis por serem "lícitas" sejam tão prejudiciais à saúde e aos 'bons costumes"...

5) Os danos causados ao organismo físico e à psiquê humana, são sistemáticos para todas as drogas, mas é muito discutível a questão do efeito estimulador das drogas no comportamento, a grosso modo.

A droga potencializa o que é o estrato interno de cada pessoa, ou seja, a droga não desperta-lhe nenhuma intenção extra em em praticar algum crime ou maldade pura e simplesmente, pelo seu efeito em si. Uma pessoa dócil poder ter alucinações, sensação de euforia e ter outras sensações, mas não será induzida a praticar atos criminosos, como se propaga por aí. Se pratica, é por que é da sua índole.

6) A contrapartida de uma eventual liberalização, seria o investimento maciço no aparato de saúde pública e na educação.

Campanhas bem estruturadas, a esclarecer com correção os malefícios do uso dessas substâncias, incluso álcool e tabaco e sob pronta assistência médica, com instalações, equipamentos e profissionais bem capacitados e remunerados para atender o viciado que deseje se libertar desse jugo.

E ainda assim, o governo usaria muito menos recursos, do que gasta atualmente ao manter a repressão, além da sobrecarga ao sistema jurídico e penitenciário.

7) Outra contrapartida, seria um equilíbrio de forças na balança da justiça. Da mesma forma que as pessoas seriam livres, conforme a sua consciência, para consumir livremente o que desejassem, assumiriam integralmente os seus atos, mediante um código penal mais duro nesse sentido. 

Nesses termos, se o cidadão cometer um crime sob comprovado estado alcoolizado ou drogado, arcaria com uma pena muito pesada e sem abrandamentos ou seja, a obrigar cada um a pensar bem se beber e dirigir a seguir, vale a pena.

8) Evidentemente que isso quebraria as organizações criminosas. Os pessimistas de plantão vão argumentar que o bandido apenas mudaria de modalidade criminosa.

Mas até que isso acontecesse, será que o governo não teria tempo, capacidade e dinheiro economizado para investir em tecnologia e inteligência policial?   

Não estou a fazer apologia às drogas, reitero e que fique bem claro! Particularmente, não acho positivo o consumo e portanto, não o glamorizo. Questiono, entretanto, assim como o ex-presidente FHC, a manutenção da atual política repressora, que revelou-se completamente ineficaz e com este texto, abro uma discussão, a colher opiniões, apenas isso.

Matéria publicada inicialmente, no Blog Planet Polêmica em 2012.
Charge: Latuff.

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