sábado, 30 de junho de 2012

Filme: Easy Rider (Sem Destino) - Por Luiz Domingues




Peter Fonda é filho de um tremendo ator hollywoodiano, chamado: Henry Fonda, e este seu progenitor, por sua vez, contava com uma vasta e destacada filmografia. Peter também é irmão de Jane Fonda, simplesmente a chamada resposta yankee à beleza estonteante da atriz francesa, Brigitte Bardot, na década de sessenta e não apenas por ser muito bonita, Jane sempre foi uma ótima atriz, igualmente.

Peter estava também empenhado em ser ator e teve talento para tal, mas em seu íntimo, fugia do padrão tradicional da indústria, onde o pai era consagrado e a irmã, a ser tratada como a nova aposta pós-Marilyn Monroe, como sensação sexy (ressalva importante, além de ser uma ótima atriz, Jane é uma pessoa extremamente engajada em sua vida pessoal, portanto, a despeito da sua beleza ter sido usada pela indústria cinematográfica, a sua consciência como militante em prol de causas nobres, a exime de qualquer predisposição em contrário). 

Ao enveredar por caminhos alternativos, Peter conheceu pessoas interessadas em cinema de arte, música e literatura e mais do que isso, embrenhou-se fortemente pelos meandros da contracultura. Foi assim que também conheceu jovens atores que pensavam igual e queriam fugir dos paradigmas da indústria do cinema tradicional de Hollywood. Por conseguinte, ao lado de figuras como: Bruce Dern, Jack Nicholson Bob Rafelson e Dennis Hopper entre outros atores/freaks, ele encontrou a sua turma de atores alternativos e simpáticos à contracultura.
Em 1967, Peter filmou: "The Trip", uma obra ousada, cujo tema central foi o LSD, em questão, sob a direção de Roger Corman, e com o seu amigo e igualmente "Freak actor", Bruce Dern no elenco. Aliás, cabe acrescentar que o filme, "The Trip", tem a sua resenha disponível neste livro, igualmente. E assim, em dada ocasião durante as filmagens, do filme, "The Wild Angels", em que atuaram juntos (em 1966), ele tirou uma foto descompromissada ao lado de Dern, durante as filmagens, do filme "The Trip", tirou uma foto descompromissada ao lado de Dern, perto de algumas motocicletas. Quando a viu revelada, ficou impressionado com a imagem, pois a luminosidade obscurecera-lhes as feições faciais e dessa forma, ambos pareciam dois vultos em meio às motocicletas, distorcidos, sem identidade.
Essa foto provocou-lhe uma epifania imediata a motivá-lo a produzir um filme baseado nessa ideia, onde dois motociclistas sairiam a viajar juntos, mas sem que a sua identidade ou histórias pessoais tivessem muita importância no contexto do roteiro. Essa foi a motivação primordial para criar: "Easy Rider" ("Sem Destino", em português), que seria filmado no início de 1968, e lançado em 1969, com um impacto gerado, que ele jamais imaginaria anteriormente, ser possível alcançar. 
Cabe uma ressalva, no entanto, visto que filmes a envolver o ambiente sobre o motociclismo, já havia em profusão, a gerar uma vertente cinematográfica inclusive, os ditos "motorcycle movies". Dentro desse contexto, nem todos os filmes feitos a envolver motociclistas reunidos em grupos ou gangues, até então produzidos, continham necessariamente uma conexão explícita com a contracultura e nem mesmo com a Beat Generation. E mais um dado, conforme eu já ventilei, em 1966. Peter já havia protagonizado um filme com tal teor, chamado, "The Wild Angels", onde teoricamente obtivera a visão para criar "Easy Rider". Em suma, a tal epifania que alegou sobre as motos e os rostos distorcidos provavelmente foi uma  afirmação verdadeira de sua parte, mas isso não significa que "Easy Rider" tenha sido o ponto de partida para o gênero, "Motorcycle Movies", pois ele já existia há tempos, em realidade. 

Entre os outros amigos dentro daquele círculo formado por atores fortemente impactados pela contracultura, eis que Dennis Hopper entrou no projeto para atuar como coprotagonista e também a assumir a direção. Segundo consta na história da produção deste filme, Hopper detinha fama no meio, de improvisar falas a desobedecer ao script dos seus personagens, propositalmente, para depois reivindicar coparceria no crédito como roteirista. Neste caso, no entanto, ele de fato exerceu essa pressão, mas o roteirista, Terry Southern cedeu por uma questão de camaradagem, inclusive a incluir Peter Fonda, também neste crédito.
Sobre o mote, a ideia parecia bem simples. Dois motociclistas a viajar sem maiores preocupações, ao estilo "Beatnick", mas devidamente reciclado com a aura hippie amalgamada, ou seja, com uma visão diferente do conceito da liberdade, nas entrelinhas. Na pureza do pensamento, de uma forma bem simplificada, o beatnick buscava a liberdade para uma vida individualizada, em que a sociedade não empreendesse sobre ele, uma carga excessiva, e que sobretudo, o indivíduo pudesse usufruir de suas vicissitudes, à vontade.

O hippie em relação ao Beatnick, veio ao mundo como uma espécie de seu filho, a buscar a mesma liberdade e rejeitar o sistema igualmente, no entanto, ao esboçar criar uma realidade alternativa somente sua e ter em mente a ideia mais coletiva dentro dessa aspiração. Deixo claro mais uma vez, é óbvio que tanto o movimento Beat, quanto o Hippie, tem inúmeras outras implicações, nuances e matizes, pela complexidade que ambos possuem. Eu apenas tracei uma linha básica de pensamento para auxiliar na compreensão desta resenha, pois "Easy Rider" apresenta características misturadas dessas duas linhas de ideários, nesse sentido.
Sobre os nomes dos personagens protagonistas, esses foram escolhidos realmente a partir de duas personalidades míticas do imaginário norte-americano, a evocar a sua história, em termos do decantado "velho oeste". Portanto, Peter Fonda defendeu o personagem, Wyatt inspirado em "Wyatt Earp" e Dennis Hopper viveu o personagem de Billy, como "Billy, The Kid".

No entanto, correu a informação extra-oficial de que na verdade, além da referência aos pistoleiros do velho oeste, os personagens seriam representações das personas de David Crosby e Roger McGuinn, que foram companheiros na banda de Rock, "The Byrds", nos anos sessenta. 

Uma outra curiosidade interessante, o personagem do advogado alcoólatra que entra na vida dos dois hippies foi imaginado para ser defendida pelo ator, Rip Torn. Às vésperas da filmagem iniciar-se, houve uma rusga entre esse ator e Dennis Hopper e a solução foi entregar o papel para um ator que fazia parte da confraria, no caso, Jack Nicholson, que assumiu então o personagem de George Hanson.

A ideia inicial seria filmar em externas a maior parte do tempo e nas cenas a envolver uma comunidade hippie, que fossem capturadas em uma comunidade verdadeira. Entretanto,  como não conseguiram permissão para filmar uma comunidade real, montou-se então a sua simulação nesse sentido. Sobre o caráter aparentemente anárquico como essa história foi contada e sobretudo filmada, a conter mudanças temporais bruscas e cenas filmadas com câmera móvel (e a levar-se em conta que naquela época, sem muito recurso tecnológico), tal filme teve tudo para ser considerado uma insanidade sem nenhum fundamento, todavia, muito pelo contrário (deliberadamente pensado ou não), o filme ganhou uma dimensão completamente diferente ao ter sido enaltecido como uma peça alternativa avant-garde.

Celebrados pelos críticos, tornou-se multi-premiado e rapidamente eleito como um ícone contracultural, muito além do que os seus realizadores poderiam imaginar. Diz-se por exemplo, que Jack Nicholson estourou definitivamente como um ator de primeira linha, após o lançamento de Easy Rider, e que Peter Fonda igualmente, só passou a ser respeitado como ator a partir desse êxito, para definitivamente afastar comentários maliciosos que davam conta dele ser apenas o filho hippie do velho ator, Henry Fonda.

Explico: por ter sido tão fortemente identificado com a contracultura hippie, e sobretudo por ter usado uma trilha sonora tão espetacular para emoldurar a obra, Easy Rider tornou-se ainda mais forte no imaginário Rocker e daí, mesmo que não haja bandas de Rock a tocar, é um Rock Movie, sem dúvida.
Sobre a história narrada, o filme mostra dois motociclistas que contrabandeiam drogas do México e ao vendê-las pelos Estados Unidos, saem a rodar sem compromisso com nada, a não ser gastar o dinheiro, e aproveitar a liberdade através da estrada e certamente pelas oportunidades geradas para que divirtam-se pelos lugares que visitam.  

Caracterizou-se aí, o elemento Beatnick em sair a esmo, sem vínculos com o sistema, mesclado à liberdade total, proposta como um ideário do movimento Hippie. Portanto, formatou-se um "motorcycle/road movie", como costumou-se rotular, doravante.

Peter Fonda vive Wyatt, codinome "Captain America", e Dennis Hopper, faz Billy. Logo no início, fazem negócio com um traficante (identificado apenas como "Connection"), interpretado pelo produtor musical e ator improvisado, Phil Spector (é inacreditável essa aparição, por sinal!), na cabeceira do aeroporto de Los Angeles (LAX). 

Dali em diante, os dois motociclistas caem na estrada, ao passar por vários lugares, a atravessar estados, para divertir-se e envolver-se em diversas confusões.

Os dois motociclistas culminam em chegar ao Mardi Gras de New Orleans. Conhecem mulheres (Karen, interpretada por Karen Black, e Mary, vivida por Toni Basil), e passam a dar carona para um advogado ébrio (George Hanson), interpretado por Jack Nicholson (também da confraria dos atores comprometidos com a contracultura). As viagens motivadas pelo uso de ácido lisérgico, maconha e outras drogas, embalam a aventura de ambos, com cenas antológicas e alimentadas por uma trilha sonora esplêndida.
Ao final, uma cena de tirar o fôlego, quando ambos são assassinados fria e gratuitamente por uma dupla de caipiras chucros, que resolveu eliminá-los a esmo, somente motivado pelo seu sentimento compartilhado de não gostar de hippies. Metafórico, mas praticamente recôndito, ao simbolizar o establishment e o seu desejo implícito em varrer do mapa o movimento hippie. A interjeição: -"Hey, Hippie"... e o estampido da espingarda, resumem o sentimento da reação.
Quando iniciou-se o processo pela captação de recursos para realizar o filme, Dennis Hopper pediu ao amigo, Jack Nicholson, que intermediasse junto ao seu conhecido, Bert Schneider, sócio-proprietário da produtora independente, "BBS Productions" (que estava acostumada a trabalhar em produções em parceria com a Columbia Pictures), para que ele obtivesse uma facilitação no processo para tal produção prosperasse. 

Schneider gostou do projeto e colocou quatrocentos mil dólares na produção. Jack Nicholson tornou-se o produtor do filme e às vésperas das filmagens, o ator, Rip Torn, desistiu de atuar e Nicholson foi convencido pelos amigos a assumir o personagem, George Hanson, fato que já mencionei antes.

O que ele nunca poderia imaginar, é que através de um filme munido por um orçamento modesto (aos padrões norte-americanos), e destinado a manter-se obscuro no circuito comercial, este seria o responsável para alçá-lo à condição de astro, em âmbito mundial, com direito a várias indicações para prêmios, inclusive o Oscar, fora a consagração no Festival de Cannes, onde o filme foi aplaudido de pé.
O estrondo foi tão grande que aqueles quatrocentos mil dólares investidos na produção, retornou em torno de dezessete milhões de dólares, somente a contar com os recursos provenientes da bilheteria. 

Peter Fonda e os demais, nunca esconderam de ninguém que filmaram sob o efeito de drogas e isso é nítido na tela, evidentemente, vide as cenas ocorridas em meio ao Mardi Gras em New Orleans e principalmente no cemitério. A despeito de serem ótimos atores, eles (e outros) estavam mesmo alterados em sua constituição pessoal em termos de estado alterado de consciência e dessa forma, o caráter realista da interpretação, ficou impregnado no celuloide.

Hora para abordar a sua trilha sonora, que é fantástica. Nunca é demais afirmar que a música: "Born to Be Wild", do poderoso grupo de Rock, Steppenwolf, tornou-se um verdadeiro hino entre os motociclistas, doravante, graças ao filme. E com nomes como: The Byrds, Roger McGuinn, Bob Dylan, Jimi Hendrix, The Electric Prunes, e Fraternity of Man, entre outras feras do Rock, Blues & Folk-Rock sessentista, a parte musical é um luxo.  

Aliás, cabe acrescentar que a magnífica canção: "The Weight", da The Band, entrou na trilha, mas na hora de sair o LP com o soundtrack oficial do filme, houve um sério problema com a editora/gravadora e sendo assim, outro artista foi chamado ao estúdio para regravá-la, o obscuro grupo, Smith. Uma pena, portanto, pois tal canção é uma pérola (entre inúmeras outras), do repertório da incrível, The Band, e a sua gravação é que deveria predominar no disco, com a trilha sonora deste filme.
"Easy Rider"/"Sem Destino", tornou-se icônico, referência contracultural e também como cinema de arte, ao dar margem a múltiplas interpretações sobre os seus aspectos metafóricos. 

Teses abundam por aí, desde 1969, ao analisá-lo minuciosamente e sob diversas visões. Trata-se certamente de um filme feito de uma forma despretensiosa, que ganhou uma importância seminal, e por quê não dizer, ao escapar de qualquer expectativa, por mais otimista que fosse por parte dos envolvidos nessa produção (notadamente os atores freaks: Hopper; Fonda; Nicholson e mais à distância, Dern), todos simpáticos à contracultura e sempre dispostos a subverter os códigos estéticos conservadores , observados pela máquina que gere a tradicional indústria hollywoodiana.
A citar outros atores não mencionados anteriormente: Antonio Mendoza (como Jesus), Warren Finerty (como um rancheiro), Tita Colorada (como a esposa do rancheiro), Luana Anders (como Lisa), Sabrina Scharf (como Sarah), Robert Walker Junior (como Jack), Sandy Wyeth (como Joanne), George Fowler Junior (guarda da prisão na delegacia), Keith Green (como o sheriff), Lea Marmer (como a madame do bordel), Cathé Cozzi (como dançarina do bordel), Anne McClain (como prostituta), Marcia Bowman (prostituta).

David C. Bilodeau e johnny David, não receberam nomes para os seus personagens, mas simplesmente são considerados como os "caipiras", ou hillbilly, como são conhecidos popularmente nos Estados Unidos os tipos interioranos mais simplórios e que protagonizam a triste cena final do filme, quando a bordo de uma caminhonete, abatem os hippies de uma forma gratuita.
Outra curiosidade muito interessante sobre o elenco, a atriz, Bridget Fonda, filha de Peter, ainda na condição de ser uma criança pequena, aparece como figurante nas cenas entre os hippies. No futuro, final dos amos oitenta, e no decorrer dos anos noventa, Bridget ganhou destaque como uma boa atriz em diversos filmes, que inclusive protagonizou como atriz principal, a levar adiante o bom DNA dramatúrgico da sua família.

Sobre o roteiro, já falei anteriormente acerca das circunstâncias pelas quais os créditos foram divididos. Então, ficou a cargo de Terry Southern, Dennis Hopper e Peter Fonda. Produção artística por Peter Fonda e Bob Rafelson. Produção executiva por Jack Nicholson e Bert Schneider. Direção de Dennis Hopper. Lançado em julho de 1969.

Tal filme foi considerado o propiciador da onda posteriormente rotulada como "New Hollywood", a designar filmes antes considerados alternativos que teriam adquirido uma importância maior ao ser cooptados pelo sistema do cinema tradicional. Uma maneira despótica, portanto, de apoderar-se de algo que fora concebido fora do sistema, mas ao tornar-se rentável, contabilizado como um produto diferenciado pensado pela própria indústria quando na verdade, tal movimentação somente eclodiu por outras motivações bem menos predatórias. Bem, o Rock também passou pelo mesmo fenômeno, da parte da indústria fonográfica e mídia mainstream em conluio. O sistema tende absorver até os seus detratores, a provar que é uma grande draga oportunista.
A reação da crítica foi muito acima do esperado. Elogios efusivos ao filme, tornou-o uma obra de arte em um patamar superior. Foi o vencedor do Festival de Cannes em 1969, e foi indicado para dois Oscars (Jack Nicholson para melhor ator coadjuvante), e melhor roteiro original. Nas bilheterias, rendeu uma fortuna, a tornar os seus investidores, milionários, incluso, Jack Nicholson.

Esse filme suscitou livros e documentários para explicar os seus meandros, já a partir do início dos anos setenta. Em 2012, houve a produção de um filme, a revelar-se uma espécie de "spin-off" (na prática, um derivado, na tradução livre), pois narrou a história particular do personagem de Wyatt, vulgo "Captain America". Ao que consta (eu ainda não o assisti, confesso), trata-se de uma abordagem a relembrar a origem do personagem, com recuo aos anos quarenta do século passado, quando do seu nascimento e não contém nenhum ator ou membro da equipe técnica do filme original, "Easy Rider", de 1969. 
Por conta de seu conteúdo, "Easy Rider" sempre foi programado para ser exibido em horários bem avançados da noite, quando não, em plena madrugada, em canais de TV, quando chegou à tal veículo. E não foram muitas as reprises, é bom frisar, por motivos óbvios. assim que surgiu a opção das cópias caseiras em padrão VHS, ao mercado, naturalmente que os cinéfilos, Rockers, Freaks & Hippies, simpatizantes da contracultura e os apreciadores do cinema underground em geral, compareceram às lojas para comprar prontamente as suas cópias.  

Rapidamente uma rede de vendedores de cópias piratas também lucrou bastante com a comercialização informal e ilegalidade a parte, isso significou, denotou o alcance da obra, quase vinte anos depois de seu lançamento. anos depois, o lançamento em DVD também mostrou um sucesso muito grande. assim como a trilha sonora imediatamente lançada em LP e posteriormente comemorativa aos quarenta anos do lançamento da película, seguida de relançamento em DVD, a conter imagem melhor e áudio remasterizado.

Em meu caso, em particular, conheci a fama do filme, bem antes de assisti-lo, enfim. Já conhecia e apreciava muito o LP de sua trilha sonora e já havia lido a respeito da obra em vários artigos de jornais e revistas, quando finalmente pude vê-lo na tela do Cine Bijou de São Paulo, ali na metade dos anos setenta, com a sala do cinema a exalar o forte perfume de patchouli, com tantos freaks a usar o mesmo e característico perfume. Lembro-me bem, nas cenas mais lisérgicas, gritos ecoavam dentro da sala e quero crer, tal reação deve ter sido a mesma em várias salas de cinema espalhadas ao redor do mundo, pois independente das diferenças observadas por diferentes línguas e culturas entre a s mais variadas nações do planeta, o sentimento contracultural unia-nos em torno de uma única nação formada pelos ideais e ainda une-nos, certamente.

Caso o leitor não o tenha visto ainda, e é normal que as novas gerações não tenham tido essa oportunidade, o meu conselho é: vá imediatamente procurá-lo na internet, ou locadora mais perto de sua casa. Por falar em internet, na atualidade de 2012, tal película está disponível em versão paga através de portais tais como: Google Play e Netflix. Existem versões em portais menores, desses onde é exigida a adesão e no próprio YouTube, além de dezenas de fragmentos, existe versão integral gratuita anunciada, todavia postada por pessoas comuns, mas que são constantemente derrubadas pelo portal, portanto, é questão de procurar e ao encontrar, que o leitor aproveite rapidamente a oportunidade.
Resenha publicada inicialmente no Blog do Juma em 2012. Posteriormente, foi revista e aumentada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", e é encontrada no volume I, a partir da página 298

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Os Múltiplos Talentos de Ignácio de Loyola Brandão - Por Luiz Domingues

Quando o talento é nato, basta que não haja empecilhos na vida, para que deslanche-se. Parece uma frase solta, extraída de um livro de autoajuda qualquer e embora tenha um fundo de verdade, não é só isso que conta no cômputo geral. Esse é o caso do escritor; cronista; jornalista; roteirista de cinema & teatro e editor, Ignácio de Loyola Brandão.
Nascido na bela cidade de Araraquara, no interior de São Paulo e tal localidade é conhecida como a "Morada do Sol", desde pequeno, Ignácio mostrou que tinha o dom da escrita, ao redigir em um caderno escolar, o seu primeiro romance, "Dias de Glória" (1946), um conto policial ambientado em Veneza. Não demorou muito e o cinema arrebatou-lhe. Passou a frequentar com assiduidade o cine-clube de sua cidade, e assim tornou-se um crítico informal, ao publicar resenhas sobre os filmes que assistira, em um pequeno jornal, onde despertou a atenção do maior jornal local, apesar da sua pouca idade na ocasião.

Interessado em entender todo o processo de produção de um periódico, aprendeu também técnicas gráficas. E para expandir os seus horizontes jornalísticos, acumulou, além da crítica de cinema, a coluna social e reportagens gerais, com direito a entrevistas. Daí em diante, foi uma questão de (pouco) tempo para mudar-se para a capital paulista, onde foi contratado para trabalhar no jornal : "Última Hora".
Aí entra o elemento a mais, que eu citei logo nos primeiros parágrafos, ou seja, não basta ter talento e sorte, mas o ímpeto, a iniciativa e a capacidade para antever a oportunidade, que também contam. E foi em um dia comum que o editor berrou na redação do jornal : "-Alguém aí fala inglês com fluência" ?
O repórter Ignácio não pestanejou e apresentou-se. E lá foi com o seu inglês muito incipiente, aprendido parcamente no curso ginasial e reforçado por expressões decoradas em filmes norteamericanos que tanto assistiu, para entrevistar o irmão do presidente norteamericano, Einsenhower, que encontrava-se em São Paulo. No dia seguinte, a entrevista foi destaque com manchete na capa...
E o mesmo deu-se com o idioma francês, onde passou a entrevistar, mesmo tendo só o francês básico da escola pública e o apoio dos filmes e das leituras do Cahiers du Cinema, a super famosa revista francesa de cinema. Ignácio tanto infiltrou-se no meio, que foi figurante no clássico : "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte e assim, nunca mais deixaria de ter essa estreita ligação com o universo do cinema, ao colaborar inclusive com a roteirização de duas histórias suas que foram adaptadas para a grande tela :
"Bebel, a Garota Propaganda" (de Maurice Capovilla / 1966), baseado em seu conto, "Bebel que a Cidade Comeu" e "Anuska, Manequim e Mulher" ( de Francisco Ramalho / 1969), baseado no seu conto : "Ascensão ao Mundo de Annuska".


O seu primeiro livro foi lançado em 1965, denominado : "Depois do Sol".

Assume posteriormente, o posto de redator da revista "Claudia", onde rapidamente vem a tornar-se o editor-chefe. E sob uma época marcada por fortes transformações sócioculturais, foi o sujeito certo no lugar certo, ao fornecer um novo impulso à linha editorial de uma revista feminina anteriormente bastante engessada em paradigmas antigos sobre o universo feminino.

No início dos anos setenta, surgiu-lhe um novo desafio : a tradicional revista francesa, "Planète", anuncia o lançamento da sua versão brasileira, e ele foi o seu primeiro editor. Nasceu então a revista "Planeta", em 1972, um sucesso no segmento do esoterismo / ocultismo e que existe até hoje, solidificada no mercado. Trabalha também nas revistas "Realidade" e "Setenta".
Da sua ligação de amizade com o dramaturgo, Plínio Marcos, nasceu a ideia de um conto, que após modificações por conta do momento político brasileiro, leia-se "censura", finalmente foi publicado. Em 1975, surgiu então : "Zero", a sua obra mais impressionante. A história fictícia (fictícia ?) de um cidadão comum a viver em uma sociedade violenta e sob uma ditadura ferrenha. Claro, mesmo com a censura, o recado estava dado e o romance estourou, ao tornar-se uma referência para artistas; intelectuais e universitários insatisfeitos com o regime autoritário vigente.
Ao perceber a repercussão, o Ministério da Justiça do governo Geisel, o proibiu, ao tratar de retirá-lo das livrarias. Mas o estrago libertário já estava feito e a emenda ficou pior que o soneto para o governo, pois o romance já estava na ponta da língua de todos que ansiavam pelo seu fim. Em 1979, a aproveitar os ventos da "anistia ampla; geral & irrestrita", o livro foi liberado novamente.
Nos anos oitenta, Ignácio lançaria outro romance com teor político, chamado : "Não Verás País Algum", muito elogiado e premiado, tal como "Zero". Viveu posteriormente, por um bom período em Berlim, onde enviara crônicas muito interessantes e publicadas em diversos jornais brasileiros e continuou a escrever os seus contos e romances. Lançou : "O Verde que Violentou o Muro", em 1984, ao narrar as suas impressões sobre o cotidiano berlinense.
Lançou outros livros a seguir, e no início dos anos noventa, retornou enfim ao jornalismo, como editor da revista : "Vogue". Em 1993, passou a escrever as suas crônicas no "Jornal da Tarde" e logo a seguir, no Caderno 2, d'O Estado de São Paulo.
Em 1996, teve um tremendo susto. Acometido de um mal-estar súbito, descobre no hospital que tem um aneurisma cerebral. Após uma longa (onze horas !) cirurgia, restabelece a saúde, mas muda muito a sua visão da vida, ao pensar em aspectos que não levara em consideração antes de passar pela iminência da morte, e isso reflete-se em suas crônicas, onde passou a falar abertamente sobre tais mudanças. Enfim, são muitos livros; participações em cinema e teatro; crônicas; trabalho jornalístico de muita qualidade e sobretudo marcado pelo ecletismo do autor.
Particularmente, tornei-me fã de sua escrita, por ler as suas crônicas publicadas em um prosaico jornal de bairro, onde foi colaborador por muitos anos. Só depois de algum tempo, fui tomar conhecimento de sua carreira como escritor. E também pela sua atuação como editor da revista, "Planeta", onde imprimiu ao meu ver, a melhor fase dessa publicação, com uma linha editorial instigante para os interessados em tais assuntos ligados ao ocultismo em geral. Hoje, a revista parece adotar mais uma linha em defesa do ambientalismo, tão somente, da qual não aprecio com a mesma veemência.
Entre tantas crônicas suas, geniais que eu li, por tantos anos no jornal de bairro, gratuito : "Shopping / City News" e posteriormente no "Jornal da Tarde" e no "Estadão", recordo-me de uma em especial, onde relatou a sua rotina cotidiana e de onde extraía ideias para as suas crônicas; contos e romances.
É simples, exatamente como deve ser : ao invés de tomar o café da manhã em sua casa, Ignácio vai até a padaria da esquina. Enquanto alimenta-se, apenas ouve as conversas ao seu redor... e
que manancial maior pode existir para um cronista atento ?
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, e republicada no Blog Pedro da Veiga, ambos em 2012

terça-feira, 26 de junho de 2012

MUG, Febre de 1966 - Por Luiz Domingues


A publicidade brasileira nos anos sessenta ainda mantinha uma boa dose de ingenuidade, ao não projetar oportunidades mercadológicas provenientes de seus golpes (no bom sentido do termo), sem dúvida. Não fosse por isso, os senhores, Horácio Berlinck Neto e João Evangelista Leão, criadores do boneco "MUG", no ano de 1966, teriam enriquecido da noite para o dia, tamanha a febre que isso gerou.
Criado para ser um mero apoio publicitário à uma grife de roupas da época, o boneco ganhou ares de um talismã, quando diversos artistas da MPB começaram a espalhar o boato de que o boneco MUG seria um protetor de ambientes e trazia boa sorte ao seu dono.

Imediatamente, artistas como Chico Buarque de Hollanda e Wilson Simonal forjaram declarações em apoio, publicadas em diversas reportagens de jornais e revistas, para exprimir sobre isso e... "boom", tornou-se uma febre epidêmica, com todo mundo a desejar ter o MUG em casa ou pendurado no retrovisor do automóvel. Outros artistas e personalidades puseram-se a engajar-se nessa ação, que ganhou ares de uma autêntica mania nacional.
O boneco em si era feio em demasia. Tratava-se de uma espécia de estilização de um troglodita a apresentar um corpo desproporcional e a usar um figurino de tecido xadrez que remetia à Escócia, de certa forma. Lembro-me que chegou a ser publicado em reportagens em jornais e revistas, dicas para fazer o boneco artesanalmente, e assim, talvez aí tenha residido a falha dos criadores em não ter sabido explorar convenientemente a sua venda exclusiva, mas convenhamos, nos anos sessenta, pouca gente pensaria nessa hipótese.
No LP "Vou Deixar Cair", de Wilson Simonal, há uma menção curiosa ao boneco, para reforçar a febre e segundo dizem, na letra da música "A Banda", de Chico Buarque, também existem menções subliminares (onde ? quem souber, que poste um comentário abaixo com a explicação, por favor).

E teve também o caso do assalto de um carro do Chico, onde ele lamentou o fato do boneco ter ido junto, a causar repercussão essa declaração. E talvez, tenha sido uma ação precursora das famigeradas : "Fake News". No meu caso pessoal, sim, o meu pai teve um MUG pendurado no retrovisor do carro da família, mas o boneco partiu, assim que carro foi vendido a um estranho.
Adoraria ter de volta essa curiosa relíquia que gerou essa febre toda, mas do mesmo jeito que surgiu, o MUG sumiu, sem deixar vestígios. Logo que entrou o ano de 1967, ninguém mais falou sobre o MUG, que entrou dessa forma, para um melancólico ostracismo eterno.
É raro ver hoje em dia, conhecer alguém que lembre-se dele, mesmo que tenha recordações pessoais marcantes do ano de 1966. No meu caso, ficou na memória, pois o associo imediatamente àquele ano, e apesar de eu ter tido apenas seis anos de idade nessa época, asminhas sinapses cerebrais associam-no a vários fatos desse ano. Eu lembro do MUG e logo vem à cabeça os Beatles Cartoons; o Festival de MPB da TV Record; o LP Rubber Soul dos Beatles; Thunderbirds; Jonny Quest; e Lost in Space...
Ou seja, que saudade de 1966...