segunda-feira, 4 de junho de 2012

Filme: Great Balls of Fire! (A Fera do Rock) - Por Luiz Domingues

Em 1989, um lançamento cinematográfico fez grande sucesso, ao resgatar a biografia de um dos maiores nomes da história do Rock cinquentista, o pianista/cantor e compositor, Jerry Lee Lewis, também conhecido como: "The Killer". Personalidade controversa, Jerry Lee Lewis construiu a sua carreira sob dois pilares básicos: seu o talento musical inegável e os escândalos proporcionados pelo seu temperamento irascível.

Baseado na biografia escrita por Myra Lewis (em coautoria com Murray Silver, tal livro chama-se: "Great Balls of Fire: The Uncensored Story of Jerry Lee Lewis"), ou seja, a visão da esposa do próprio artista cinebiografado, o filme traça um panorama rápido sobre a infância e adolescência do astro, para focar a sua atenção mais na ascensão e decadência de sua carreira, e encerrar-se na retomada do prestígio artístico de Lewis, já perante uma nova geração de fãs, na década de sessenta.  

Interpretado pelo ator, Dennis Quaid, Jerry Lee Lewis é mostrado na infância e no início da adolescência, ao encantar-se pelos blues  praticados com exclusividades pelos artistas negros, ainda mal saído da infância e a perseguir esse jeito de tocar piano e cantar, cheio de swing do blues sulista, em sua interpretação.
Quando surgiu-lhe as primeiras oportunidades para gravar e consolidar-se como um artista autoral, o Rock'n' Roll começava a explodir na América, justamente ao estabelecer essa fusão entre o Blues praticados pelos artistas negros e o country & western da parte dos brancos interioranos, exatamente a especialidade de Jerry Lee Lewis. 

A sua completa irreverência para os padrões da década de cinquenta, enlouqueceu o público e rapidamente o catapultou à condição de um astro nacional (e também no âmbito internacional de uma forma imediata, logo a seguir), no mesmo patamar de artistas contemporâneos, tais como: Elvis Presley, Chuck Berry, Little Richard, Carl Perkins, Fats Domino, Gene Vincent, Bo Diddley, Roy Orbison, Bill Halley, Eddie Cochran e Buddy Holly, entre tantos outros.
Extremamente arrogante e excêntrico como pessoa, Jerry Lee Lewis chamou a atenção do público cinquentista, ainda não acostumado com um estilo de atuação tão histriônica em cena, pela sua performance tresloucada, ao costumar em cima do piano, tocar as teclas com os pés e até a atear fogo ao instrumento, um escândalo para a época.
Todavia, toda essa excentricidade escondia um conflito interno seu, muito enraizado. Por ser primo de um famoso pastor evangélico, Jimmy Swaggart (no filme, interpretado por Alec Baldwin), Lewis ficava a remoer-se internamente pelas advertências religiosas do estabelecidas pelo seu primo, que constantemente acusava-o em portar-se como um agente demoníaco, por ser um astro a trabalhar em favor de uma suposta música proscrita, ou seja, o Rock'n' Roll, etc. e tal. 

Tal fator pesava-lhe na consciência, tipicamente atormentado por valores puritanos, porém, o grande escândalo não foi esse, mas algo que ocorreu a posteriori, quando Lewis apaixonou-se pela filha de um outra primo (J.W. Brown, interpretado por John Doe, aliás, um parêntese para comentar, esse ator realmente tem esse nome? Pois no imaginário norte-americano, "John Doe" equivale ao "Zé Ninguém", em português), que aliás, era componente de sua banda de apoio, na condição de seu baixista.

Por conta da pouquíssima idade dessa menina, foi óbvio que tal determinação causou um constrangimento e tanto, quando ele anunciou o seu desejo de casar-se então com uma menina  a deter apenas treze anos de idade na ocasião, Myra Lewis (no filme, interpretada por Winona Ryder).

Após muita briga, finalmente o primo concordou em deixar a sua filha adolescente (na verdade, uma criança, ainda mais pelos padrões daquela época), casar-se com ele, mas sob a condição expressa de tentar manter sigilo sobre tal situação, pois isso certamente causaria uma comoção nacional, com impacto sobre a trajetória artística do próprio, Jerry Lee Lewis.  

Entretanto, com a carreira a explodir, a agenda mantinha-se bem cheia e sob franca expansão, eis que Lewis foi cumprir turnê pela Europa e assim que pisou no solo britânico, os jornalistas descobriram que aquela menina na comitiva, era na verdade a sua esposa. Com o escândalo publicado devidamente nos tabloides ingleses, ácidos por natureza, Jerry Lee Lewis foi execrado pelo público inglês e quando voltou à América do Norte, o escândalo estava consolidado, e como consequência inevitável, ele deparou-se com milhões de dedos puritanos a apontar para o seu nariz "pecador".


Lewis entrou posteriormente em um declínio acentuado em sua carreira, por conta desse escândalo, passou maus bocados, até reerguer-se e levar a carreira adiante por muitos anos. O filme termina aí nesse início de retomada da carreira, na década de sessenta.
A história, portanto, seguiu o script proposto no livro biográfico escrito por Myra Lewis e Murray Silver, a traçar um rápido panorama sobre a carreira de Lewis, no entanto a dar ênfase apenas ao início de sua ascensão e o declínio provocado pelo escândalo em torno do casamento não usual, digamos assim. Portanto, a realçar o ponto de vista da esposa, então uma menina com apenas treze anos de idade. 

Nesses termos, respeita-se a visão de Myra Lewis, logicamente e sem nenhuma intenção de minimizar o impacto que esse caso teve na época e decretar por conseguinte um enorme prejuízo à carreira de Jerry Lee Lewis, o fato é que sob o ponto de vista artístico, ele, Lewis, fez muito mais em sua carreira, antes e depois desse caso. Portanto, falta neste filme, um enfoque mais pormenorizado sobre a carreira dele, propriamente dita. Faltou, por exemplo, contextualizar mais a sua própria música dentro do panorama cinquentista.
Sim, pois é evidente que Jerry Lee Lewis foi um artista com uma relevância enorme naquele contexto, muito além do que o filme sugeriu de uma forma um tanto quanto superficial. Outra ausência, é a sua interação com outros astros da década de cinquenta (Elvis Presley aparece muito rapidamente), um fato que foi bastante notório ao interagir com muitos de seus pares, inclusive a participar de filmes que foram produzidos nessa década (alguns destes filmes constam com resenhas neste livro, inclusive).

Pouco se falou sobre os seus álbuns e singles, o que seria mais do que necessário em uma cinebiografia de um artista dessa importância histórica. Portanto, a ênfase deste filme foi declaradamente colocada na questão desse imbróglio gerado pelo casamento com Myra, sob circunstâncias não usuais. E nessa prerrogativa, mostrou-se um pouco da sua ascensão, o conflito  pessoal em torno da religião na relação conturbada com o seu primo que era pastor evangélico e um pouco além, sobre sua recuperação artística, após um hiato forçado.
Sobre a produção, é claro que foi bastante esmerada, disso não podemos reclamar. Com fotografia e direção de arte boa, figurinos bem condizentes com a recriação da época e a boa trilha sonora, naturalmente amparada nas ótimas canções de Jerry Lee Lewis.

O elenco escolhido tem qualidade, logicamente e no caso, Winona Ryder, mesmo sendo bem mais velha que Myra na ocasião, interpretou bem uma menina ingênua de treze anos. Verdade ou não, na vida real, a passagem em que ela já casada leva uma casa de bonecas consigo para brincar, é bastante significativa em simbolismo e mostra-se dúbia no sentido em que pode ser uma boa piada para alguns e para outros, talvez uma afronta, portanto, dá a dimensão do quanto essa relação foi controversa na época.

Já no caso do ator, Dennis Quaid, creio que ele já se mostrava como um bom profissional ao longo dos anos oitenta, portanto, não precisava provar nada para ninguém, consagrado que já estava. Sendo assim, este poderia ser um papel para ele reforçar ainda mais a sua boa imagem construída como ator e ele não foi inteiramente mal em minha opinião, entretanto, exagerou na composição do personagem, certamente. Mostra-se um tanto quanto caricata a sua interpretação ao defender o personagem de Jerry Lee Lewis.
A sua leitura sobre o histrionismo cênico do artista, talvez não tenha sido a mais correta, pois há um nítido excesso em seu gestual e também nas expressões faciais. Tudo bem, Lewis sempre se portou loucamente no palco, prestes a explodir em qualquer momento, no entanto, Quaid o retratou quase como um palhaço, no bom sentido do termo, mas a configurar exagero e mediante um certo vazio sob o ponto de vista da intensidade musical forçada. Em cenas mais amenas, ele compensou ao diminuir a sua carga dramática, todavia, nas cenas mais intensas a envolver brigas caseiras e principalmente em sua atuação como artista no palco, Quaid passou do ponto.

Outros atores que participaram do filme e não foram citados anteriormente: Stephen Tobolowski (como Jud Phillps), Lisa Blount (como Lois Brown), Joshua Sheffield (como Rusty Brown), Mojo Nixon (como James Van Eaton), Jimmie Vaughan (como Roland Janes), David R. Ferguson (como Jack Clement), robert Lesser (como o radialista, Alan Freed), Michael St. Gerard (como Elvis Presley), Lisa Jane Persky (como Babe), Peter Cook (como um repórter britânico). O verdadeiro Jerry Lee Lewis aparece ao final para tocar e cantar junto a Dennis Quaid, em uma cena divertida, certamente.
Nas salas de cinema, o filme fez uma boa figura. Bem divulgado, lotou as salas de cinema e certamente que angariou fãs jovens para Jerry Lee Lewis, que saíram do cinema entusiasmados pela música produzida de uma forma selvagem por ele, a conter Rock'n' Roll visceral e incandescente, se o leitor me permite uma metáfora em tom de galhofa.

A crítica recebeu bem o filme , apesar de maldizer os excessos da parte de Dennis Quaid. Reconheceram em sua maioria, que foi um retrato interessante sobre um artista cinquentista polêmico.
 
Para ilustrar esta resenha, eu creio que valha a pena acrescentar  uma passagem pessoal que eu tive, quando surgiu a oportunidade de conviver (no sentido amplo do termo, pois não o conheci pessoalmente), com o Jerry Lee Lewis verdadeiro e que ilustra bem a sua personalidade enquanto artista.

Bem, eu assisti um show real de Jerry Lee Lewis no ano de 1993, i em minha cidade, São Paulo. Foi em uma casa de espetáculos lotada por admiradores do "The Killer" (eu, incluso), todos sob a expectativa enorme em vê-lo, ainda que já a beirar os setenta anos de idade na ocasião.
Acima, foto de Jerry Lee Lewis a se apresentar no Palace, casa de shows em São Paulo, no ano de 1993

Ele entrou em cena sob grande estilo, com aquele visual típico de caipira do sul dos Estados Unidos, tocou demais, cantou, subiu no piano para arrancar gritos de fãs que o acompanhavam desde os anos cinquenta (sim, havia muitos fãs veteranos ali presentes) etc. e tal. 

Contudo, ele estava visivelmente bêbado e em um dado instante, eis que chutou o banquinho do piano e retirou-se do palco, sem esboçar proferir nenhuma satisfação ao público. A luz ambiente  da casa acendeu-se e um princípio de tumulto instaurou-se, pois afinal de contas havia transcorrido apenas quarenta e dois minutos de show... mas ele não voltou ao palco, ficou por isso mesmo, com várias pessoas a reclamar o dinheiro de volta na bilheteria, mas eu estava absolutamente feliz por ter visto, "The Killer", em ação e do jeito temperamental e imprevisível que ele sempre portou-se em sua carreira inteira.
O filme mostra isso, é claro. Os arroubos de arrogância, os chiliques e uma certa bipolaridade constante etc. 

O filme vale a pena por conter a sua música que é magnífica, certamente e a produção caprichada, principalmente em sua direção de arte, quesito esse que convenhamos, os norte-americanos raramente decepcionam os espectadores de seus filmes. É, portanto, diversão garantida para quem nunca viu e passa no mínimo, uma boa ideia sobre quem é Jerry Lee Lewis na história do Rock, ou seja, um grande ícone cinquentista! 

Falta comentar sobre o título em português, onde mais uma vez optou-se por inventar um título diferente para o filme, fora da sua tradução literal: "Grandes Bolas de Fogo", mas ao escolher "A Fera do Rock", a opção por um título empobrecido dessa monta foi muito ruim, pois certamente o inventor dessa proeza não levou em consideração que uma nova geração que uma nova geração que nunca ouvira falar sobre Jerry Lee Lewis, poderia deduzir com esse título, ser o artista em questão, alguém muito abaixo da grandeza real de Lewis e quiçá, pior ainda, cogitar a hipótese de tal filme retratar uma história fictícia. Escolha lastimável, portanto.
Sobre a sua trilha sonora, o material foi todo regravado especialmente para compor o áudio do filme. Produção boa, respeitou-se na medida do possível os padrões de áudio cinquentistas a preservar-se a fidedignidade temporal necessária.

Grandes clássicos de Jerry Lee Lewis são tocados e claro que é agradabilíssimo ouvir tais canções. Além da música homônima, "Great Balls of Fire", ouve-se também: "Whole Lotta Shake Goin On", "High School Confidential", "I'm on Fire", "Breathless", "Wild One", "That Luck Old Son" e outras.

Baseado no livro "Great Balls of Fire": The Uncensored Story of Jerry Lee Lewis", de Myra Lewis e Murray Silver. Roteiro escrito por Jack Baran e Jim McBride. Produção por conta de Adam Fields. Direção de Jim McBride. Foi lançado em junho de 1989.

Além do sucesso que obteve nas salas de cinema, este filme foi lançado rapidamente em versão VHS e tornou-se um imediato sucesso de vendas  e também de locação. Na TV, foi campeão de reprises e apesar do escândalo sobre o casamento, não houve restrição de horário para inclusive ser exibido em muitas sessões vespertinas. Lançado como DVD em 2003. Na internet, é encontrado com facilidade no YouTube, em versão na íntegra e gratuita, sem problemas 
Resenha publicada inicialmente no Blog do Juma, em 2012. Esta resenha foi revista e ampliada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll". Encontra-se disponível em seu volume I, a partir da página 251.

4 comentários:

  1. Adoroooo esse filme! Tá entre os meus preferidos filmes de música! Abraço amigo!

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    1. É bem legal, mesmo !

      Obrigado por ler e comentar !

      Abraço, Fernanda !

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  2. Acho que o Quaid ficou bem parecido com The Killer assim como o Foxx ficou com Ray, Kilmer com Morrison e Oldman com Vicious!!!! Mas deve ter sido uma barra pra ele enfrentar os puritanos da época e ainda os parentes devotos ou pastores evangélicos...E me conta aonde foi o show??? Eu só fui num show em que o artista saiu inesperandamente foi no lançamento do disco "Sanguinho Novo" que o RXDP começou a cantar Jardim Elétrico de repente o João Gordo viu que não era o público dele parou de cantar na mesma hora e foi embora. Valeu sua matéria sobre o THE KILLER!!!

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  3. O show do Jerry Lee Lewis verdadeiro foi no antigo Palace. Foram só 37 minutos, mas foi muito legal, apesar dele estar completamente bêbado...

    Obrigado por ler e comentar !!

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