quinta-feira, 7 de junho de 2012

Filme: La Bamba - Por Luiz Domingues

No dia 3 de fevereiro de 1959, um duro golpe criou o divisor de águas que praticamente encerrou os anos dourados do Rock'n' Roll primordial dos anos cinquenta. Em excursão conjunta, que realizavam de forma conjunta, três astros cinquentistas, a saber: Buddy Holly, Ritchie Valens & Big Bopper apresentaram-se na noite anterior, do dia 2 de fevereiro, na cidade de Clear Lake, Iowa. 

Como a sequência da excursão previa a imediata viagem de ônibus em meio a uma forte nevasca, para que chegassem em tempo para um outro show na cidade subsequente, os três artistas principais foram poupados pelo produtor que os colocou em um avião fretado, enquanto os músicos de apoio e equipe técnica seguiram mediante o uso de um ônibus.
Por volta de 1:05 h da manhã do dia 3, a aeronave voava às cegas em meio a neve, completamente desorientada pela falta de equipamentos de radar & bússola, quando chocou-se contra um milharal, para decretar o falecimento dos três artistas de forma instantânea e daí, após o advento desse terrível acidente, tal data  (como passou a afirmar-se popularmente), foi nomeada como: "o dia em que o Rock morreu".
Buddy Holly, entre os três que perderam a vida, de fato era o mais proeminente entre eles, como artista celebrado ao deixar um legado incomensurável ao Rock e para milhões de admiradores confessos de sua arte, casos de Paul McCartney e Elvis Costello, entre muitos outros.
"Big Bopper" era admirado mais pela sua veia humorística do que pela musicalidade, é bem verdade (sem demérito algum, é claro, pois teve o seu valor e sem dúvida que era uma figura muito divertida pelo seu Rock a ver com o humor, aliás, uma corrente que teria prolongamento, anos depois), e no caso do astro hispânico, Ritchie Valens, este entre os três, era o artista emergente que ainda não estava com a carreira solidificada inteiramente, no entanto, foi nítido nesse ponto de 1959, que ele estava em vias de chegar nesse patamar, e com méritos, sem dúvida alguma.
Valens já havia emplacado pelo menos dois êxitos seus nas paradas de sucesso e chamava a atenção por outro aspecto, pois dentro do universo do Rock'n' Roll, dominado por artistas brancos e negros, predominantemente, fora o primeiro hispânico a sobressair-se, portanto, tornara-se uma voz para dialogar com uma fatia de mercado ainda não devidamente explorada, composta pelos imigrantes oriundos de países latino-americanos e seus descendentes. 
Infelizmente esse acidente não deu-lhe essa oportunidade e mesmo que outros latino-americanos e sobretudo, hispânicos surgissem com força no mercado nos anos vindouros para exercer tal função e muito bem em alguns casos (Carlos Santana , dentro do Rock é um exemplo magnífico sobre o que estou a dizer), mesmo assim, a perda de Valens foi muito sentida, de uma forma perfeitamente compreensível.
Pois em 1987, foi lançado o filme : "La Bamba", cinebiografia do astro anglo-hispânico, Ritchie Valens, a contar a sua curta trajetória na música, interrompida brutalmente por esse acidente aéreo.
No filme, o astro, Ritchie Valens é interpretado pelo ator, Lou Diamond Phillips, um ator versátil que se acostumou desde o início de sua carreira a compor personagens a representar diferentes etnias, ao encaixar-se bem como um tipo indígena em muitos filmes e neste caso, com o traço da origem hispânica/latino-americana. Vale dizer que o ator, Lou, tem origem filipina, portanto, o seu biotipo encaixou-se bem com os hispânicos latino-americanos, por haver uma conexão natural, visto que em tese, os filipinos são os hispânicos da Ásia, devido ao fato histórico da Espanha haver colonizado tal nação, por séculos.

O filme segue basicamente a trajetória real de vida de Ritchie Valens (na verdade, ele chamava-se: Ricardo Esteban Valenzuela Reyes), a exibir o seu início no mundo da música, envolvido com a música mexicana folclórica em um primeiro instante e com um certo interesse pelo Jazz. O Rock and Roll só entrou na vida de Ritchie bem depois, por volta de 1957. 

No ano seguinte, emplacou o seu primeiro sucesso, uma balada chamada: "Donna", inspirada diretamente em uma colega de escola pela qual apaixonara-se, chamada, Donna Ludwig (interpretada por Danielle Von Zerneck, neste filme).
Essa canção tornou-se imortal no imaginário norte-americano, pois embala corações apaixonados até hoje na América do Norte e mexe com o emocional principalmente para as mocinhas que se chamam "Donna", um nome muito comum dentro daquela cultura.
Todavia, o grande estouro veio com: "La Bamba", uma música do inspirada pelo folclore mexicano, que ele adaptou a um formato próximo do Rock and Roll, principalmente pelo Riff central, que se amalgamou bem ao timbre de sua guitarra, Fender Stratocaster. Regravada por "Los Lobos", uma ótima banda de Rock, reforçou-se o sucesso, para torná-la um grande ícone mundial em 1958.
E o irônico neste caso, foi que ele, apesar de ter sido filho de mexicanos, não falava bem o idioma de seus pais e para cantar alguns versos em castellaño/ espanhol, teve que esforçar-se para aprimorar a pronúncia, visto que era fluente apenas no idioma inglês. 

O filme carrega na ideia do menino pobre que venceu na vida e não pôde usufruir de seu sucesso. Claro que foi uma a verdade da trajetória de Valens, mas para efeito cinematográfico, houve a inevitável licença poética a exagerar-se na dose melodramática. Além disso, há a tensão dramática a revelar a inveja de seu meio-irmão, a tornar tal conflito um grande problema para o protagonista.
Roberto "Bob" Morales era o meio-irmão de Ritchie e no filme, ele foi interpretado pelo ator, Esai Morales. Outro ponto importante a trazer carga dramática ao filme, trata sobre a resistência da família de Donna, para aceitar o namoro de sua filha com um garoto a ostentar origem mexicana, algo também muito difícil dentro daquela cultura e por conseguinte, a alimentar o filme de uma forma boa em termos de conflito. O ator, Sam Anderson, interpretou o pai da moça, mister Ludwig.
Um recurso interessante foi usado para insinuar-se algo premonitório. Visto assim, sem conhecer-se a história, pode tranquilamente ser interpretado como uma espécie de clichê bem surrado, mas desta feita, eu creio que houve uma razão maior para ter sido usado. Explico: consta na biografia de Ritchie Valens que ele sempre teve muito medo de viajar mediante o uso de aviões. Fatalidade máxima e notadamente irônica: ele perdeu a sua vida em um acidente aéreo. Nesses termos, o roteiro previu a inserção de "sonhos" onde o protagonista denotaria estar a prever o pior. Um tremendo clichê, portanto, e se analisado bem racionalmente, a beirar o mau gosto, pode-se afirmar.
No entanto, há uma sutileza nessa ação. O fato histórico, conta que Valens desenvolvera o medo dos aviões, pois tivera um trauma pessoal a dar conta que um amigo seu morrera tragicamente em 1957, vitimado por uma choque entre duas aeronaves em pleno ar. E mais um dado interessante, o sonhos foram concebidos a observar preceitos antiquíssimos da Era pré-colombiana em termos de premonição, a destacar-se de tradições resgatadas das culturas Maya e Azteca, em seus aspectos místicos, segundo consta nos meandros desta produção.  

Ainda a falar sobre aviões, Ritchie esforçou-se em vencer a sua fobia na vida real e isso foi realçado no filme, quando a sua carreira mostrou um ponto de crescimento irrefutável, ao ter sido escalado para participar do programa de TV, "American Bandstand", a tratar-se de uma atração televisiva muito importante na época, e assim, eis que ele não teve outra alternativa a não ser  usar o serviço aéreo para deslocar-se até o outro lado do país, na costa leste. Além de importante para derreter o coração de sua amada, pois ele foi ao programa especialmente para dar vazão ao seu sucesso, "Donna", que atingira destaque nas paradas de sucesso.

No filme, para garantir que ele suportasse entrar na aeronave, é mostrado que o seu produtor, Bob Keane (interpretado por Joe Pantoliano), trata por embebedá-lo. Sinceramente, eu não sei se isso foi um fato real ou mera invenção para edulcorar o filme, mas no mínimo, tratou-se de uma hipótese plausível, vide a fobia que Valens possuía.
Para encerrar a história, é claro que o enfoque nas cenas finais, foi concebido a dar vazão ao acidente fatal. É mostrado que antes de viajar, Ritchie ligou para o seu irmão, Bob, e neste telefonema, eles fizeram as pazes. Ora, isso também não é algo historicamente comprovado, portanto, é boa a chance em ter sido um arranjo dramático no roteiro para gerar mais emoção simplesmente, ou para amenizar a imagem do seu irmão, que ficara arranhada, ao retratá-lo como um homem meramente invejoso e talvez não tenha sido bem assim que os fatos ocorreram na vida real.

A dramatização em torno de como o irmão, Bob, a mãe, irmã e a namorada, Donna, receberam a notícia do acidente aéreo que vitimou, Valens, encerra o filme e há um excesso em sua concepção, certamente, mas que não compromete inteiramente a obra como um todo. Enfim, Valens não era ainda um nome do primeiro escalão no panteão do Rock cinquentista, mas tinha talento, e , portanto, reunia elementos para crescer dali em diante,  se a fatalidade não houvesse ceifado a sua vida tão precocemente. E mesmo que tenha tido pouco tempo para mostrar o seu valor, brilhou sim, com canções como:"La Bamba", "Donna", "Come on Let's Go", "Fast Freight", "Ooh, My Head" e "That's my Little Suzie", entre outras, poucas mas boas.
Um fato curioso ocorreu durante a produção desta obra: a família de Ritchie Valens esteve presente no set de filmagens e mergulhou em um processo sob profunda comoção. Ao alegar que o ator, Lou Diamond Phillips, estava tão incrivelmente parecido com Ritchie, seus familiares contagiaram a todos no set, com o seu choro copioso. O diretor, Luis Valdez, ao perceber essa comoção, ao invés de ficar bravo e interromper tal manifestação sentimental, foi perspicaz a usar dessa artimanha em seu favor e dessa forma, Lou Diamond Phillips, foi incentivado a interpretar sob essa forte emoção gerada espontaneamente minutos antes, a potencializar a sua performance. Outra curiosidade, a mãe verdadeira de Valens foi convidada a participar como figurante em uma cena. Então, a senhora Concepción "Connie" Reyes, aparece em uma cena de festa, sentada ao lado de Ritchie, interpretado por Lou Diamond Phillips. 
Sobre a trilha sonora, o bom grupo, "Los Lobos", regravou o material e mediante o lançamento da trilha sonora no mercado, via CD, houve uma onda de revitalização impressionante da carreira de Valens, ao ponto de novas coletâneas serem produzidas a seguir, para explorar esse interesse renovado por um público inteiramente novo que nem havia nascido quando Ritchie atuara na década de cinquenta. Além das canções de Ritchie Valens, ouve-se também o som de Bo Didley, Eddie Cochram, Big Bopper, La Verne Baker, The Platters, Johnny and Santo Farina (a espetacular canção instrumental, "Sleepwalker"), Little Richar, Chuck Berry e outros. Enfim, muitos biscoitos finos do Rock cinquentista.

A crítica elogiou o filme na época, sobretudo o trabalho de Lou Diamond Phillips, como ator e também pela constatação da trilha sonora ser muito boa. Todavia, também houve sinais de desdém, bastante inoportunos ao meu ver, pois certos jornalistas investiram em uma linha raciocínio a revelar preconceito velado para com a persona de Ritchie Valens. Isso por que alguns levantaram a questão de que o filme teria sido um exemplo de exagero como peça documental, na medida em que Valens não houvera atingido a consolidação artística na sua carreira, portanto, não justificar-se-ia suficientemente a realização de um filme para enaltece-lo

Ora, e se tivesse sido uma história cem por cento fictícia? Qual o problema se Ritchie não teve a oportunidade de ter alcançado um patamar mais alto? Bem, atitudes desdenhosas assim, travestidas como críticas, abundam no jornalismo cultural, desde sempre, infelizmente.

Outros atores que participaram: Rick Dees (como Ted Quilin), Marshall Crenshaw (como Buddy Holly), Howard Huntsberry (como Jackie Wilson), Stephen Lee (como Big Bopper), Brian Seltzer, ele mesmo, o guitarrista do grupo, "Stray Cats" (como Eddie Cochram). No caso de Brian Seltzer, eu posso imaginar o quanto ele, mesmo não sendo um ator de ofício, certamente orgulhou-se de viver o papel de um grande ídolo musical seu.

É claro, o final do filme é triste, pois em 3 de fevereiro de 1959, o Rock morreu não apenas uma, mas três vezes. Apesar disso, trata-se de um bom filme, ao fornecer uma fidedigna visão da vida, obra & morte de Ritchie Valens e claro, com a sua ótima música a ser devidamente reverenciada. 

Este filme foi muito bem na bilheteria, ao alcançar um expressivo resultado devido ao apelo popular, que foi imediato. Rapidamente o seu lançamento em formato VHS foi providenciado e também mostrou resultados muito expressivos. Alguns anos depois, chegou aos formatos DVD e Blu-Ray.

Na TV, conteve muitas exibições, desde os anos oitenta. Na atualidade de 2019, encontra-se em termos de internet, em plataformas como Netflix, Google Play, YouTube e Amazon, disponível em versão paga. É encontrado em outras plataformas menores, no entanto, sem ônus, desde que o usuário inscreva-se em tais portais e aí fica a ressalva de que nem todos que oferecem o serviço, são idôneos, portanto, é preciso manter-se a cautela para não contrair vírus em seu PC ou via captação móvel. 
Resenha publicada inicialmente no Blog do Juma, em 2012. Esta resenha foi revista e ampliada, para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", devidamente alojada em seu volume I, a partir da página 265.

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