sábado, 14 de julho de 2012

Rolling Stone Brazuca Setentista - Por Luiz Domingues

Quando foi criada na América em 1967, a revista Rolling Stone teve ao seu dispor, o cenário mais sensacional possível para justificar a sua existência. E o seu editor, Jann Wenner, foi taxativo: "Não tratava-se de uma publicação exclusiva sobre a música em si, mas principalmente focada nas coisas e atitudes que a envolviam". Perfeito!

Conferir os meandros daquela riqueza explosiva dos anos sessenta foi o foco ideal a ser perseguido, ao fugir da pauta tradicional de revistas técnicas e preocupadas com teoria musical ou tecnologia de equipamentos e instrumentos.
E foi sob tal predisposição que essa publicação construiu a sua credibilidade e rapidamente tornou-se uma referência, a culminar em ser imitada, certamente.


"Apesar de você", como dizia o Chico Buarque, a Rolling Stone ecoava na terra tupiniquim, a despeito do regime autoritário em voga e influenciou muitas almas libertárias, freaks e simpatizantes da vibração aquariana em geral, que explodia ao longo do planeta.

Publicações menores estavam a aparecer no Brasil, mas ainda nada tão centrado na contracultura, ainda por cima em época tão crítica, mediante o endurecimento do poder. Periódicos como "O Sol"; "Presença", "Flor do Mal" e "Bondinho" existiram, mas nenhum deles teve o Rock como mote, embora ele em si, como fenômeno contracultural, obtivesse um espaço editorial generoso em suas páginas. 

De resto, havia a revista "Realidade", muito mais focada na política e quanto ao jornalismo tradicional dos grandes jornais, com espaços mais tímidos, nesse sentido. Com o fim do jornal, "O Sol", muitos de seus colaboradores foram engrossar a redação d'O Pasquim", jornal que nasceu no final dos anos sessenta e de pronto tornou-se uma referência sarcástica contra o totalitarismo.

No entanto, "O Pasquim" não era exatamente uma publicação contracultural, embora houvessem pequenos pontos de convergência nesses valores. Contudo, havia a controvérsia em aberto, tanto que Millôr Fernandes, o genial jornalista, por exemplo, era avesso à contracultura, hippies, bandas de Rock e cabeludos em geral, ao considerar tudo isso como uma subcultura, algo menor. 

Claro, tal opinião deveras equivocada na minha opinião, não o desabona para diminuir a sua importância na história do jornalismo brasileiro, mas fornece a ideia do quanto "O Pasquim" não foi exatamente uma publicação sintonizada nessa vibração.  

Com algum sacrifício em meio à resistência interna citada, criou-se uma coluna denominada: "Underground", conduzida pelo jornalista, dramaturgo e filósofo, Luiz Carlos Maciel, que passou a falar sobre os hippies, Contracultura, Flower Power, protestos contra a guerra do Vietnam, bandas de Rock, Tim Leary, drogas alucinógenas, e afins.

Em meados de 1971, Luiz Carlos Maciel mostrou-se desanimando, quando a sua coluna foi encerrada. Partiu então para uma solução independente, quando fundou o jornal alternativo: "Flor do Mal". Tal publicação forma produzida de maneira artesanal e sem apoio logístico, durou apenas cinco números.  

Em novembro do mesmo ano, ele foi contatado por um empreendedor inglês chamado, Mick Killingbeck, que em sociedade com alguns amigos, havia comprado os direitos da revista Rolling Stone norte-americana ser publicada sob uma possível franquia brasileira e ao procurar Luiz Carlos Maciel, foi dado o pontapé inicial para um oásis se abrir em meio ao deserto cultural tupiniquim.

Ainda em 1971, esteve nas bancas a edição número zero, com Gal Costa na capa e todo o desbunde setentista devidamente alimentado para o deleite dos freaks de Pindorama. Dali em diante, se colocou a seguir o seu destino contracultural, com enorme galhardia. 

Tornou-se um luxo termos a edição brasileira da revista Rolling Stone, perfeitamente adaptada aos nossos costumes e a manter o mesmo espírito da edição norte-americana. Foi inacreditável ter matérias sobre o que acontecia de melhor no mundo contracultural, quase simultaneamente e não como notícias requentadas e já ultrapassadas, como era de costume no Brasil da época.

E ao seguir a linha editorial norte-americana, as matérias sobre o Rock transpassavam a música em si e caíam fundo na introspecção, através das entrelinhas.  

Matérias históricas sobre a MPB, também, onde de certa forma, Maciel resgatou o respeito que artistas como Gil e Caetano haviam perdido nas páginas d'O Pasquim, quando Millôr insistia em chamar os tropicalistas como: "Baihunos", definitivamente ao adotar uma postura conservadora, e certamente por não compreender o alcance avant-garde de ambos como artistas que enxergavam o mundo além do tempo. E o mesmo em relação à literatura, cinema, teatro, filosofia, comportamento etc.

Em princípio, dividiu-se o conteúdo nacional com matérias enviadas da matriz norte-americana, todavia, em um determinado momento, o pessoal da matriz começou a cobrar royalties em separado pelas suas matérias. Coadunados com a mentalidade hippie em torno da ideia do compartilhamento fraternal, os brasileiros da filial não gostaram da cobrança e o impasse surgiu.

Dessa forma, passou-se a publicar as matérias norte-americanas da mesma maneira a ignorar a cobrança, ao copiá-las da edição em inglês e no cabeçalho, escreveram em forma de tarja, a palavra "pirata", ao assumir a transgressão como algo eticamente coerente aos valores fraternais da contracultura. 

Um manifesto assinado pelo produtor da gravadora Phonogram, André Midani, chegou a ser publicado, para prestar a sua solidariedade à Rolling Stone brasileira. Segundo o comunicado, a indústria fonográfica apoiava e precisava muito da existência da revista, como veículo único de divulgação do Rock e MPB de qualidade no país.

Contudo, em 1973, após trinta e seis edições, infelizmente a versão brasileira fechou as suas portas, ao deixar uma lacuna jornalística.
Para a nossa sorte, algum tempo depois, surgiria a revista: "Rock, a História e a Glória", a meu ver, a melhor revista especializada da década de setenta, formada por uma equipe de redação, espetacular a a se reverenciar, Luiz Carlos Maciel, incluso. E também a Revista POP, da editora Abril Cultural, esta a se apresentar menos profunda nos textos, mas com um melhor acabamento gráfico, sem dúvida.

Luiz Carlos Maciel, Ana Maria Bahiana, Joel Macedo, Okky de Souza, Armando Amorim e Lapi, entre outros, formavam essa redação antenada e a observar uma escrita fina. Conteúdo foi o que não faltou à histórica publicação da Rolling Stone brasileira.

Muitos anos depois, a Rolling Stone entraria novamente no mercado editorial brasileiro. Em 2006, surgiu nas bancas a nova edição da Rolling Stone brasileira, com estrutura empresarial e gráfica, sob produção forte, contudo sem o conteúdo e o glamour dos anos setenta, ao não sinalizar nem esboço da essência contracultural de outrora. Entretanto, se serve-nos como consolo, a edição norte-americana também deixou de lado esse espectro há décadas e convenhamos, sinal do tempo diluído que seguiu-se.
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2012.

2 comentários:

  1. muito bem explanado sobre essa belissima revista Jornal Roling Stone , trazer a foto do grande Mestre Luiz Carlos Maciel (capa do livro dele que nunca li por nao se encontrar nas livrarias e somente em Sebos ).Uma Otima materia que nos induz a lembrar e rever aquela epoca onde o Sonho era desbundado pelo Rockrolllll....nao tinhaacabado e sim transformado.Onde seguia o que os Mestres da Epoca desses grandes Jornalistas que se empenhavam em desbravar esse Mundo que era nao democratico e perseguia quem falava e pensava e escrevia sua arte .Como disse acima o Staf era de Pessoas que antes de tudo amava os Beatles e os Roling Stones.....rssss

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    1. Meu caro Oscar :

      Muito grato por ter lido e comentado esta matéria.

      Você falou a palavra "chave" : "desbundado".

      Esse era o espírito da velha "Rolling Stone", coisa que a nova versão não chega nem perto, infelizmente.

      Valeu !!

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