sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Teatro Lira Paulistana, As Paredes que Suavam... - Por Luiz Domingues


Para a atual geração, parece um conceito exótico sair de casa para comparecer a um teatro e prestigiar um artista desconhecido que executará músicas de sua própria autoria, por noventa minutos, ou mais. Como fruto do descaso generalizado, ao longo de anos a fio em torno da produção cultural, infelizmente formou-se uma geração desinteressada por artistas genuínos e passiva diante das manipulações maquiavélicas da parte dos "marketeiros" que trabalham nos bastidores da música mainstream. Por isso, é muito oportuno relembrarmos de um Teatro que manteve-se em plena atividade por quase sete anos, com as portas abertas para artistas desconhecidos; sem parentes importantes; sem dinheiro no bolso e muitos, vindos do interior, como dizia o velho Belchior.
Foi o Teatro Lira Paulistana, localizado no coração do bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Fundado em outubro de 1979, tornou-se rapidamente um espaço importantíssimo para a produção musical de novos talentos paulistas / paulistanos e também para diversos artistas de outras partes do Brasil, que ali enxergaram a chance para apresentar-se em São Paulo e tentar a sorte na carreira.
Tratava-se de um porão minúsculo, que foi adaptado criativamente como um micro pocket-Teatro, com três arquibancadas praticamente em cima do pequeno palco, além de espaços úteis otimizados para o funcionamento de uma pequena bomboniére e venda de discos e merchandising referentes aos artistas que ali apresentaram-se. Apesar das suas dimensões minúsculas, tudo foi ajeitado de uma forma harmônica, com bilheteria colocada ao final da escada de acesso; o camarim atrás da arquibancada da lateral esquerda, e a entrada em cena para os artistas, por aquele mesmo  lado.
Com P.A.(sistema de som), e iluminação compatíveis e muito dignos, os artistas tiveram ao seu dispor, uma excelente infraestrutura adequada às dimensões, logicamente.
Wilson Souto Jr.; Riba de Castro; Fernando Alexandre, e Chico Pardal cuidavam do simpático espaço e desde o início, as suas portas abriram-se democraticamente a uma safra formada por novos artistas que culminou em formar um movimento, uma autêntica cena que ficou conhecida na imprensa especializada como : "Vanguarda Paulista".
O Teatro Lira Paulistana teve então, um papel preponderante como agente aglutinador, sem dúvida, mas houve também a explosão natural de artistas talentosos, tais como : Arrigo Barnabé; Itamar Assumpção; Premeditando o Breque; Grupo Rumo; Língua de Trapo; Grupo Um etc. Mais tarde, de 1982 em diante, o Rock brasileiro oitentista achou no Lira Paulistana, também um espaço maravilhoso para expandir-se.
Ira; Titãs; Ultraje a Rigor; Capital Inicial; Legião Urbana; Os Inocentes; Cólera, e Laura Finocchiaro, entre inúmeros outros artistas egressos da cena do Punk e Pós-Punk, começaram ali a sua trajetória de sucesso.
Um pouco adiante, o pessoal do Hard-Rock e do Heavy-Metal, também descobriu no Lira Paulistana, o seu palco ideal e permanente. A Chave do Sol; Harppia; Dorsal Atlântica; Platina, e outras tantas, apresentaram-se ali com grande sucesso de público. Tornou-se muito comum as filas dobrarem a esquina da Rua Teodoro Sampaio com a Avenida Henrique Schaumann, ao observar-se a bilheteria esgotada, tamanho o sucesso dos artistas emergentes que ali apresentavam-se.
Memorável portanto, esse momento cultural da cidade onde houve um público muito interessado em acompanhar artistas que, salvo as honrosas exceções, não foram exatamente famosos no mainstream (pelo menos nessa etapa da carreira, ao considerar-se que alguns emergiram a seguir). 


Eu, Luiz Domingues, tenho também uma relação afetiva com essa memória. No palco do Lira Paulistana, toquei muitas vezes com duas bandas onde fui membro : Língua de Trapo e A Chave do Sol. Com o Língua de Trapo, apresentei-me por trinta e oito vezes, entre 1983 e 1984, durante a turnê : "Sem Indiretas". Foram alguns shows avulsos e duas temporadas de quarta a domingo, com sessão dupla aos domingos e até algumas sessões "malditas" de sábado.


Como tratou-se da minha segunda passagem pela banda (anteriormente eu havia sido membro da fundação da banda, de 1979 até 1981), logo que fui fazer o meu primeiro show ali, os membros mais antigos que já conheciam o Teatro, advertiram-me : -"você vai ver as paredes suar"... e de fato, quando o teatro lotava, as paredes pingavam, literalmente, por conta do vapor produzido pela ação da respiração coletiva. E com A Chave do Sol, apresentei-me por doze vezes, entre 1984 e 1985.
        A Chave do Sol no Lira Paulistana em um show de 1985

Em meio a essas apresentações d'A Chave do Sol, trago na lembrança os shows de lançamento de dois discos dessa banda, respectivamente em 1984 e 1985. Com direito a intervenções teatralizadas com o apoio de atores convidados e texto hermético de autoria do poeta, Julio Revoredo, em ambas as ocasiões, fizemos apresentações performáticas que surpreendeu público e críticos.
Infelizmente, esse ciclo do Teatro Lira Paulistana encerrou-se quando o Sr. Janio Quadros assumiu a prefeitura da cidade de São Paulo, em 1986, quando através de um de seus tresloucados atos, eis que o exótico alcaide mandou fechar o espaço, ao alegando falta de segurança para o público.
Não tratou-se de nada que não pudesse ser equacionado com bom senso, mas a intransigência foi grande do prefeito temperamental e com ideias bem ultrapassadas sobre gestão pública. Surgiu nas ruas da cidade, os ônibus vermelhos com dois andares, a imitar Londres sob um ato prosaico digno de um Jeca Tatu, e fechou-se o Lira Paulistana, baluarte do artista autoral e sem recursos. Em suma, a cidade de São Paulo perdeu duas vezes. Recentemente (2012), lançou-se um bom documentário para narrar a história e as lembranças pitorescas do velho Teatro Lira Paulistana.
Sem dúvida é uma oportunidade boa para conhecer a sua trajetória importantíssima para a cultura de São Paulo e do Brasil, e acima de tudo, reivindicar : precisamos de um novo (ou mais de um !), Lira Paulistana e dessa forma, poder abrir-se espaço para os artistas autorais sem recursos conseguir divulgar o seu trabalho, e principalmente, refazer o hábito do paulistano sair de casa, não para frequentar as famigeradas baladas hedonistas, onde a música é um mero pano de fundo para embalar as bebedeiras, mas para absorver arte protagonista, como nos velhos tempos.
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, republicada posteriormente no Blog Pedro da Veiga, e no Blog Combate Rock, do Portal do Jornal da Tarde de São Paulo, as três publicações, em 2012.

2 comentários:

  1. Sempre fui ao Lira em vários shows, inclusive do Língua antes do teatro fechar em 86, mas também era frequentadora da Livraria Neon onde fiz um curso de vídeo com Walter Silveira!!!!Mas adorei saber que o Lira foi fundado no dia do meu aniversário!!!Em 25 de outubro de 1979!!!! É nós na fita!!!!!

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    1. O Lira era um espaço sensacional. A despeito de ser minúsculo, era uma porta aberta para todo artista independente. Fez estórias e entrou para a história.

      Que legal a coincidência das datas !

      Valeu, Sil !!

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