sábado, 25 de agosto de 2012

Filme : The Picture of Dorian Gray (O Retrato de Dorian Gray) - Por Luiz Domingues


Personalidade controversa que viveu na Inglaterra Vitoriana, Oscar Wilde, lançou em 1890, um romance que chocou a sociedade em sua época.

"The Picture of Dorian Gray" ("O Retrato de Dorian Gray", em português), contava uma história macabra, mas com nuances muitíssimo interessantes sobre transferências; subpersonalidades e outros aspectos usuais sob o âmbito dos estudos psicanalíticos. E certamente que a dose de hedonismo explícito, sob uma roupagem plena em sarcasmo e presunção, foi o fator que mais incomodou o público, naquele instante. Os diálogos criados por Wilde, são brilhantes, não há como negar-se, porém, apresentam-se carregados por uma carga de desprezo absoluto pela humanidade, que se por um lado torna-o intelectualmente atraente pela verborragia expressa sob prosódia e sobretudo pela acidez de raciocínio, entretanto, é também, paradoxalmente abominável em seus propósitos.
Muitos anos depois de lançado no mercado literário, o livro foi adaptado ao cinema. Em 1945, chegou às telas, então, "The Picture of Dorian Gray", dirigido por Albert Lewin. Eis a história :
Dorian Gray (interpretado por Hurd Hatfield), é um jovem rico e bastante afetado. Vive uma vida despreocupada em termos de responsabilidades pueris, e ao contrário, só a observar os prazeres. É um narcisista por excelência, e dessa forma, posa para um artista, ao visar imortalizar-se em um retrato.
O seu amigo, Lord Henry Wotton (vivido por George Sanders), é um aristocrata cínico e igualmente afetado pela soberba. É amigo em comum do pintor, Basil Hallward (interpretado por Lowell Gilmore).  Dorian diz sob estupefação ao ver a arte final da pintura : -"eu ficarei velho; feio; horrível. Mas este retrato conservar-se-á eternamente jovem. Nele, nunca serei mais idoso do que nesta tarde de junho"...  mas, se fosse o contrário ? Se eu pudesse ser sempre moço enquanto o quadro envelhece ? Por isso, por esse milagre eu daria tudo. Sim, não há no mundo o que eu não estivesse pronto a dar em troca. Daria até a alma" !
Fora um mero devaneio narcisista, mas o elemento macabro da história trataria em tornar essa afirmativa "mephistofeleana", uma verdade...

Através de uma andança por um bairro proletário de Londres, Dorian conhece a cantora de um cabaret de terceira categoria (Sybil Vane, interpretada por Angela Lansbury). Apaixona-se por ela, mas persuadido por Lord Wotton, a abandona covardemente, por temer "estragar" a sua vida fútil, ao trocá-la por uma paixão pueril.
A moça morre tragicamente por conta disso, e a vida segue, a não ser por um detalhe : um pequeno traço alterado no retrato, que Dorian, em princípio, não atribui ao seu ato marcado pelo egoísmo perverso. Contudo, esse traço na pintura também reflete-se em sua personalidade e ao mergulhar no hedonismo desenfreado, passa a cometer outros delitos e aí sim, nota que existe uma correlação de seus atos com o fato de permanecer sempre jovem, ao contrário do retrato, que degenera-se visivelmente.
Chega-se em um ponto, onde não é mais possível deixá-lo exposto em sua sala de estar, e assim, Dorian tranca o retrato no sótão de sua mansão, onde ninguém tem acesso, a não ser ele mesmo. Os anos vão passar. Lord Wotton envelheceu, mas Dorian permanece com a aparência de um jovem na faixa de vinte e dois anos, e a suspeita começa a provocar perturbação em seu círculo social.

Mediante o seu casamento marcado com Gladys Hallward (interpretada por : Donna Reed), que era apenas uma criança quando Dorian posou para seu tio, o artista plástico, Basil Hallward, a suspeita sobre a aparência imutável de Dorian torna-se ainda maior.
E como agravante, o fato dele recusar-se a exibir o retrato por anos, soma-se ao fato de infortunadamente ser avistado nas ruas de Londres pelo irmão da jovem cantora, Sybil Vane (interpretado por Richard Fraser), que o procura há anos, sedento por um sentimento de vingança.
Ao final, a farsa de Dorian é revelada, com o choque de um close assustador na pintura. A pintura, outrora galante, mostra agora um homem horrendo, transfigurado e a exibir a carga de seus atos perversos marcados sob um semblante hediondo a retratar a sua desumanidade.
Naturalmente, Oscar Wilde ao escrever essa obra, teve a influência de Goethe. A ideia de um pacto em torno da eterna juventude, veio da obra : "Fausto", evidentemente.  No filme, só os momentos em que mostra-se o retrato, o diretor usou a fotografia colorida. No restante, predominou a fotografia em preto e branco.
Um recurso discutível por muitos críticos, que acharam-no piegas por supostamente usar o intuito apelativo para chocar as plateias de 1945.
Devemos notar que no cômputo geral, o filme sempre foi classificado dentro do gênero, "terror".
Particularmente, eu discordo desse conceito, ao considerar ser tal filme, um thriller com apuro metafórico, muito além do terror macabro, puro e simples.
A começar pela sofisticação dos diálogos. Mesmo ao achar a motivação arrogante, não posso deixar de reconhecer o valor dessa construção desse texto, pelo ponto de vista literário.
Também pelas sutilezas, é claro. Aspectos sutis e inerentes à subpersonalidade, desenvolve-se na pintura viva, em constante mutação. O retrato é um mosaico a representar o Ego de Dorian Gray, na verdade.  Se pelo ponto de vista psicanalítico é muito interessante, na área das possibilidades propostas pela física quântica, mais ainda.
Em um campo de manipulação de energias eletromagnéticas, é muito confortável usar o artifício dessa transferência, de forma egoísta. Dessa forma, um dia a conta chega, via "boleto", mas enquanto não vem, um estrago é realizado, tal como Dorian o fez, ao usufruir egoisticamente desse artifício.
Hurd Hatfield, que interpretou Dorian Gray, nunca mais teve um papel significativo no cinema. Apesar de ter participado de produções grandes, como : "King of Kings"; "Boston Strangler"; e "El Cid", por exemplo, suas aparições foram secundárias.
Trabalhou bastante na TV, nos anos sessenta, como ator convidado de séries famosas ("Voyage to the Bottom of the Sea"; "The Wild Wild West"; "Murder : She Wrote" etc), mas a sua carreira nunca decolou de fato, após protagonizar : "The Picture of Dorian Gray".


A lenda urbana imputada-lhe, foi fatal, ao estigmatizá-lo como fadado ao fracasso, por ter vivido alguém que fez pacto com o "Diabo" na vida real. Entre amigos, ele ironizava, ao afirmar que mantinha o retrato guardado em sua casa, daí o azar na carreira...
Uma nova versão foi produzida em 2010. Já ouvi várias pessoas a comentar em fóruns de cinema pelas redes sociais, que acham a versão moderna melhor, por aproximar-se mais da obra de Oscar Wilde, no tocante ao aspecto macabro.
Lógico que tem muita tecnologia e atmosfera lúgubre que agrada a garotada "blockbuster", e acostumada aos vídeogames desde a mamadeira.
Respeito essa visão, mas fico mesmo com a versão de 1945, mais calcada em sutilezas; boa interpretação e texto impecável, em detrimento das pirotecnias da tecnologia moderna em prol dos sustos.
Para quem não assistiu ainda, recomendo, e recomendo que preste atenção nos diálogos, que são muito bem escritos.

4 comentários:

  1. Ótimo texto Luiz,muito esclarecedor e interessante, vou pesquisar o filme no youtube...abraços!

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    1. Excelente que tenha gostado, Kim.

      Recomendo que o assista, pois trata-se de uma obra muito rica em detalhes metafóricos.

      Obrigado por ler e comentar !

      Abraço !

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  2. Luiz, eu assisti o filme de 2011, mas com todos teus detalhes e essas imagens, quero assistir o original!
    Adorei!!
    Obrigada!

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    1. Excelente, Krys !

      Fico contente que meu texto a tenha deixado estimulada a assistir a versão clássica de 1945.

      Obrigado por ler e comentar !!

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