quinta-feira, 21 de março de 2013

A Liberdade e o Sol Nascente - Por Luiz Domingues


O Japão é o chamado país do Sol nascente. A sua tradição e cultura são admiráveis sob todos os aspectos e as qualidades advindas de tais traços, influenciaram diversas outras culturas do planeta, isso é um fato inquestionável. A partir de 1908, quando o primeiro navio lotado com imigrantes japoneses atracou no porto de Santos, nunca mais fomos os mesmos, no melhor sentido do termo pois a extraordinária cultura nipônica veio para ficar e trazer-nos inúmeras lições, ao agregar-se à nossa.
Ao espalhar-se principalmente pelo interior de São Paulo e do norte do Paraná, os primeiros imigrantes vieram para trabalhar na lavoura, inicialmente. Todavia, não demorou muito e a crescente industrialização da cidade de São Paulo, os atraiu em grande número, também.
Com esse enorme contingente a chegar, tais imigrantes misturaram-se aos italianos; portugueses; espanhóis; gregos e sírios / libaneses, colônias que já eram muito numerosas na cidade. Claro, com um pouco mais de dificuldade de adaptação, devido à língua e cultura muito diferentes, mas ao ganhar espaço a cada dia, na sociedade paulistana. Com o avançar do tempo, algumas associações culturais abriram as suas portas para exibir uma produção audiovisual japonesa, especificamente dirigida à colônia, sem a preocupação em manter legendas em português.
O bairro da Liberdade, próximo ao centro da cidade de São Paulo, a tornou-se um reduto natural dos nipônicos e ao seguir a tendência crescente em termos de lojas e restaurantes típicos, ali abertos, tais centros culturais foram abertos em profusão, com enorme sucesso para a colônia. Quando a II Guerra Mundial eclodiu, um tempo muito difícil para a colônia, chegou. Enquanto o governo Vargas flertou com o Eixo, mal a disfarçar a sua simpatia por Hitler, Mussolini e Hirohito, tudo correu bem para os imigrantes japoneses, mas com a sua súbita guinada, mediante a adesão aos aliados através do pacto de mútua ajuda com Roosevelt, Vargas fechou o caminho para as colônias formadas pelos alemães; italianos e japoneses.
Por isso, proibiu-se a exibição de filmes japoneses em tais salas, ao frustrar o público que tinha através delas, um contato direto (e único, na verdade), com a sua terra natal. Com o fim da guerra, contudo, mesmo timidamente, as exibições voltaram e a partir dos anos cinquenta, e a atravessar boa parte da década de sessenta, chegou ao seu apogeu, pois nessa altura, filmes de alto teor artístico também passaram a fazer parte da programação, além dos filmes populares. Abriu-se então, cinemas propriamente ditos, com estrutura adequada, a partir da inauguração do Cine Niterói, em 1953.
Isso chamou a atenção dos cinéfilos paulistanos e tornou-se uma coqueluche nessas duas décadas, poder assistir filmes assinados por grandes diretores japoneses, tais como : Akira Kurosawa; Shohei Imamura; Kenji Mizoguchi; Masaki Kobayashi; Yasujiro Ozu; Mikio Naruze; Heinosuke Gosho, entre outros.
Cineastas brasileiros, como Carlos Reichenbach; Rogério Sganzerla e Walter Hugo Khoury, tornaram-se frequentadores assíduos de tais salas, fascinados pelo cinema japonês clássico e de vanguarda.
Lembro-me de ter lido uma entrevista de Carlos Reichenbach, nos anos noventa, onde ele descreveu essa experiência, inclusive ao narrar como a ausência de legendas, naturalmente um empecilho nesse caso, não os desestimulava a assistir e pelo contrário, gostar muito desse contato com tal extraordinária escola de cinema.

O Cine Niterói, foi uma das principais salas, mas também fizeram história, os cines : Nikkatsu e Nippon. Pois a tocar nesse assunto, acaba de ser lançado um livro sensacional, que visa contar toda a história desses cinemas nipônicos de São Paulo. Trata-se de : Cinema Japonês na Liberdade", de autoria do antropólogo, Alexandre Kishimoto.
Através de uma extraordinária pesquisa iniciada como material que  usou para defender a sua tese na USP, Kishimoto reuniu elementos para lançar esse livro, uma joia rara para a história do cinema paulistano.  Recomendo a aquisição e leitura, sem pestanejar.
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu e republicada na Revista Cinema Paradiso, em sua edição de n° 331, ambas em 2013.

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