sexta-feira, 8 de março de 2013

Belmonte, o Caricaturista que irritou Goebbels - Por Luiz Domingues


O Brasil mantém uma tradição em revelar grandes caricaturistas; desenhistas e chargistas, desde muito tempo. São inúmeros os grandes artistas que atuaram / atuam nesse ramo que mistura a arte com o jornalismo, a envolver a crítica de costumes, denúncia sociopolítica e tudo regado à fina ironia de seus criativos criadores.
Um desses artistas geniais foi sem dúvida, Belmonte. Nascido Benedito Carneiro Bastos Barreto, na cidade de São Paulo, em 1896, e apelidado como, "Belmonte", foi um rapaz de origem humilde e muito tímido. Com talento nato para o desenho, Belmonte teve chance em de ter desenhos seus publicados em revistas como, "Rio Branco" e "Miscellânea", e graças a tal notoriedade inicial, recebeu convites para desenhar para revistas maiores, tais como "Don Quixote" e "Zig-Zag".
Estudou para ingressar na faculdade de medicina, e no dia de seu exame para a admissão, foi remar no lago do Parque da Aclimação (localizado no bairro homônimo da zona sul de São Paulo) e o que pareceu ser uma sandice de sua parte, na verdade foi uma tomada de decisão : ele queria mesmo era trabalhar com o jornalismo. Em 1921, Belmonte foi contratado para fazer ilustrações para um jornal novo que surgia em São Paulo, denominado "Folha da Noite", que foi o embrião primordial da atual, "Folha de São Paulo".


Já consagrado nas páginas desse periódico, criou então um personagem que cairia no gosto popular.  Tratou-se de "Juca Pato", um personagem construído como um homem conformado com as falcatruas dos poderosos, notadamente dos políticos.
Por ser um homem tímido e avesso às reivindicações, aceitava tudo passivamente e dessa forma, Belmonte criou duas características muito marcantes para o personagem : 1) ele era careca, pois perdera os cabelos de tanto "tomar na cabeça" e 2) o seu bordão era : "podia ser pior"... dessa forma, Juca Pato foi a representação do povo, constantemente vítima das manobras dos poderosos. Belmonte denunciava as falcatruas e deliciava os seus leitores com essa sarcástica forma de protesto velado. Incomum para aquela época, o personagem fez tanto sucesso, que gerou diversas ações de marketing. "Juca Pato", tornou-se uma autêntica febre, ao ser retratado em estampas de cadernos escolares; xícaras; papel de balas e confeitos; embalagem de água sanitária e até foi tema de marchinha de carnaval. Um bar foi aberto em São Paulo, com o nome, "Juca Pato" e tornou-se instantaneamente um ponto de encontros para jornalistas; artistas e intelectuais.
Belmonte também tornou-se ilustrador de livros. A sua colaboração nos livros de Monteiro Lobato, são notáveis, além de ilustrações para outros escritores, Eça de Queiroz entre eles, com as ilustrações de seu clássico, "O Primo Basílio", que fez muito sucesso. Com a a introdução da ditadura de Getúlio Vargas, Belmonte foi muito perseguido e vigiado de perto pelo "DIP", o famigerado órgão repressivo a serviço da espionagem daquela ditadura.
Quando o nazismo ascendeu e estourou a II Guerra Mundial, Belmonte centrou as suas baterias contra o nazi-fascismo que assolara a Europa. Em 1945, às vésperas da queda definitiva do nazismo, o terrível Ministro da Propaganda e braço direito de Hitler, Joseph Goebbels, fez um discurso inflamado pela Rádio de Berlim, a atacar violentamente Belmonte. Por incrível que pareça, em uma época permeada pela divulgação primitiva, as caricaturas de Belmonte a ironizar o nazismo, haviam corrido o mundo e chegaram às mãos da cúpula nazista, para irritá-los, profundamente.
Em tal discurso, Goebbels disse ser essa propaganda uma ação perpetrada pelos aliados para fazer lavagem cerebral anti-nazismo e que pior, o artista Belmonte, seria um corrupto por ter prestado-se à esse serviço, a troco de dinheiro...
Também hábil com as letras, Belmonte lançou livros de contos e crônicas. Em 1935, por exemplo, lançara : "Ideias de João Ninguém" e alguns trabalhos no campo da história, como : "No Tempo dos Bandeirantes"; "Brasil de Outrora" e "Costumes da América Latina". Eu, Luiz Domingues, conheci o trabalho de Belmonte em 1968, quando o meu avô materno mostrou-me o livro "No Tempo dos Bandeirantes" e uma coletânea de charges da "Folha da Noite", que ele possuía desde os anos quarenta.
Gostei imensamente desses trabalhos e o meu avô que era um entusiasta de Belmonte, encantou-se com o meu interesse infantil e incentivou-me, ao contar-me histórias sobre "Juca Pato" e também sobre o próprio, Belmonte e a sua luta contra o nazismo. "Juca Pato", aliás, tornou-se o nome de um prêmio tradicional, conferido pela União Brasileira de Escritores, aos melhores do ano. Existe desde 1962, ao tratar-se de uma premiação importante no meio literário brasileiro.
Belmonte faleceu em São Paulo, em 1947, vítima da tuberculose. E ao contrário do que Goebbels insinuou, morreu com parcos recursos, ao não deixar nenhuma herança para a sua viúva e um casal de filhos. Revela-se esquecido nos dias atuais, contudo, é um grande nome da caricatura / charge / ilustração, e por tal trabalho magnífico que realizou, merece sempre a reverência.
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2013

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