quarta-feira, 26 de junho de 2013

Alô Doçura, Primeira Sitcom Brasileira - Por Luiz Domingues


Já ao final dos anos quarenta, a TV norteamericana trabalhava com um tipo de produção específica para tal veículo, a que chamava como : "Sitcom", um neologismo que significa "comédia de situações". Tal formato fora idealizado para usar uma dramaturgia leve, em torno de sketches curtos em tom de humor, baseados em fatos do cotidiano, geralmente calcados em conflitos sócio / familiares, comuns à todos, portanto com forte apelo popular.
A primeira sitcom que realmente estourou de audiência e tornou-se mundialmente famosa, foi : "I Love Lucy", protagonizada por Lucille Ball, uma comediante egressa do cinema e também pelo seu marido na vida real e na série, Desi Arnaz, um ator cubano e radicado na América do Norte. O sucesso retumbante de tal atração televisiva motivou a sua longevidade, com o casal a envelhecer, literalmente, na tela e assim abrir as portas para uma indústria que prosperou de uma forma reversível. Em 1953, a TV brasileira ainda engatinhava, mas não faltava arrojo para os seus produtores.
Ao perceber o filão criado pelos norteamericanos, embarcou na produção de uma sitcom nos moldes que os yankees consagraram, mas com o toque de nossa cultura, logicamente. Dessa forma, surgiu na tela da TV Tupi de São Paulo, a primeira sitcom brasileira, denominada : "Alô Doçura".
A ideia fora centrar as histórias a envolver um casal, porém não necessariamente a interpretar personagens fixos e por conseguinte, projetar a ideia de continuidade. Portanto, em cada episódio, os personagens ostentavam nomes e características diferentes e envolviam-se em conflitos ou situações inusitadas e engraçadas, bem na tradição da comédia latina.
A ideia original, contudo, foi mais antiga do que o impacto das sitcom's americanas causara. Isso por que o texto de "Alô Doçura", foi uma adaptação de um programa radiofônico chamado : "Encontro das Cinco e Meia". O seu autor, Otávio Gabus Mendes passou a incumbência para seu filho, Cássio Gabus Mendes, que concretizou a adaptação para a TV. O casal inicial de atores, ficou pouco na produção. Haydeé Miranda e Paulo Miranda foram logo substituídos por Eva Wilma e John Herbert, que culminaram em ficar muito mais fixados na memória do público.
Ainda em uma fase pré / VT (Vídeo-Tape), os programas eram realizados ao vivo, e portanto na mesma dinâmica com a qual a própria TV Tupi realizava os seus teleteatros habituais. Para minimizar erros, tornou-se importante a formação de uma equipe técnica bem preparada e atores com experiência teatral, acostumados com montagens de palco.
Isso explica o padrão de excelência que a TV brasileira possuiu nas suas primeiras décadas de existência, exatamente por ter recorrido em agrupar artistas sob alto padrão qualidade. "Alô Doçura" foi um tremendo sucesso na época, ao ter populariza os atores : Eva Wilma e John Herbert sob um patamar além do que eram conhecidos por suas respectivas carreiras no teatro e no cinema, até então.
E também proporcionou-lhes a oportunidade em atuar em peças publicitárias, graças ao sucesso da série. Além de tudo isso, abriu as portas na TV brasileira, para esse filão dramatúrgico importante.
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2013

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Monteiro Lobato Preocupado com o Petróleo - Por Luiz Domingues

                      
Vivemos uma Era sob a euforia em decorrência da descoberta do Pré-Sal. Ao seguir as estimativas, o Brasil entrará para a OPEP (Organização Mundial dos Países Produtores de Petróleo), ao superar a perspectiva da autosuficiência (que por si só, já seria excelente), para alçar-se à condição de um país exportador. Porém, até chegarmos nesse ponto, muitas coisas ocorreram anteriormente e a questão petrolífera no Brasil gerou muita controvérsia. 

Os primeiros registros de exploração por aqui, datam do século XIX. O Marquês de Olinda autorizou um pequeno empreendedor chamado José Barros de Pimentel, a conduzir pequenas prospecções às margens do rio Marau, na Bahia. Nas três primeiras décadas do século XX, os registros oficiais dão conta de que pessoas comuns do povo, exploravam essa extração de forma precária, sem nenhuma regulamentação oficial ou ação empresarial constituída. Foi então que o governo Vargas, na década de trinta do século vinte, entrou com tudo nessa questão, ao criar restrições oficiais para que tal prática ocorresse, mas ao mesmo tempo não gerou mecanismos claros sobre a exploração, ao precipitar assim, muita insatisfação por parte de muitas pessoas politizadas, sobretudo. 

E um desses intelectuais insatisfeitos, e que mais bateu publicamente no governo Vargas, foi o escritor Monteiro Lobato. 

Lobato era muito famoso por ter criado o personagem, Jeca Tatu, onde criticava o atraso do país, e veladamente o atribuía (também, mas não tão somente, pois deixou claro que Jeca Tatu não era assim, mas "estava assim", ao cutucar o governo), à preguiça como marca registrada da índole do povo brasileiro (há certamente uma similaridade entre Jeca Tatu e o Macunaíma, de Mário de Andrade, nesse aspecto). 

Lobato também ficara famoso por ter criado o "Sítio do Pica-Pau Amarelo", a sua literatura infantil que atravessaria décadas, mas houve um lado seu, sociopolítico que revelava-se forte e expressou-se em vários livros. No caso da exploração do petróleo no Brasil, a questão principal que o indignou, residira no fato de que o governo Vargas criara restrições, mas não apontava soluções. 

Se a riqueza natural era de todos, ou o governo criava mecanismos para a exploração, ao repassar os lucros à população, ou permitia a livre exploração por parte de qualquer interessado, ainda que a tributar-lhe os lucros, logicamente. Nesse impasse, Lobato passou a protestar publicamente através de seus artigos publicados na imprensa, mas foi em 1936, que a sua contundência chegou ao clímax, quando lançou o livro : "O Escândalo do Petróleo". O livro esgotou a sua primeira edição muito rapidamente e incomodou o poder ditatorial de Vargas. 

Tornou-se um slogan a expressão : "não perfurar, nem deixar que se perfure", uma clara alusão à inércia de Vargas nessa questão. Em 1937, a repressão oficial censurou o livro e mandou recolher as suas cópias disponíveis nas livrarias. Todavia, no mesmo ano, Lobato lançou mais um livro do seu "Sítio" e usou o seu fantástico personagem, o "Visconde de Sabugosa", uma espiga de milho humanizada e intelectual, para dar mais pauladas no governo Vargas. 

No livro, "O Poço do Visconde", Lobato usou a voz do simpático Visconde de Sabugosa para ser veemente : "ninguém acreditava na existência de petróleo nesta enorme área de 8.5 milhões de Km quadrados, toda ela circundada pelos poços de petróleo das repúblicas vizinhas"...

Duas correntes políticas posicionaram-se frontalmente nessa questão, a partir daí. Os nacionalistas queriam a criação de uma empresa estatal para monopolizar o controle da extração e os chamados "entreguistas" (pejorativamente assim conhecidos, é claro), que defendiam a tese da exploração ser aberta também à empresas estrangeiras, estatais ou particulares. 

Em 1941, Lobato foi preso por um general do exército, que curiosamente envolver-se-ia anos depois, com a campanha : "o Petróleo é nosso", nos anos quarenta. 

Foi criada a Petrobrás em 1953 e só recentemente o governo mudou as regras e abriu espaço para empresas estrangeiras particulares atuarem em parceria. Qual seria a opinião de Monteiro Lobato sobre o atual panorama petrolífero do Brasil ?  

Se por um lado, possivelmente estaria feliz por constatar esse potencial produtor, que na sua época era inimaginável, por outro, estaria perplexo por constatar que tal riqueza não reflete-se diretamente na economia popular como seria por esperar-se. Os economistas; tributaristas e técnicos do governo falam, falam, mas não explicam com clareza o por quê do preço dos combustíveis praticados ao consumidor final, ser tão tão caro. 

E dentro de uma economia onde esse fator é o principal motivador da alta de todos os produtos e serviços possíveis e imagináveis, realmente causa espanto que uma riqueza assim não seja distribuída de uma forma equânim para o seu verdadeiro dono, o povo. 

Vai demorar um pouco, mas quando os primeiros barris extraídos da safra do Pré-Sal começar a render lucros, qual vai ser a desculpa governamental ? 

Tomara que não, mas se essa riqueza não for repassada corretamente, só restará torcer para que o Visconde de Sabugosa use de sua sabedoria enciclopédica, e seja o nosso porta-voz indignado.  
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2013.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Miriam Batucada e o seu Samba Italianado - Por Luiz Domingues


O bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo foi um dos que mais recebeu imigrantes italianos ao final do século XIX. É certo que os italianos espalharam-se também pelos bairros vizinhos, Brás;Belenzinho; Cambuci; Pari, e para ir além, perto do centro, a Bela Vista, apelidada como "Bexiga".


Contudo, na Mooca, pelo fato do bairro ter inúmeros galpões industriais, o contingente italiano tornou-se enorme, com essa massa de pessoas atraídas pelas oportunidades em termos de oferta de trabalho, que surgira na emergente indústria paulistana. 


Não demorou nem um pouco e a cultura italiana tornou-se uma marca registrada nesse bairro, ao imprimir usos e costumes, os mais variados. Naturalmente, os italianos a falar o nosso idioma português, mediante a presença de um fortíssimo sotaque, influenciou a forma em falar-se do paulistano de uma maneira geral, ao espalhar-se por toda a cidade. Dessa maneira, o modo para falar-se na Mooca, moldou a identidade paulistana, com o jeito m pronunciar-se o português, d uma forma totalmente "italianada". 


Foi através desse ambiente, que mais uma menina mooquense nasceu ao final de1946 (embora o seu pai só a registrasse oficialmente em 1947), chamada : Miriam Angela Lavecchia, que cresceu a falar com o típico sotaque do bairro. Segundo consta em sua biografia, ainda criança, aprendeu com uma coleguinha do bairro, a batucar com as mãos, ao estabelecer ritmos variados e com desenvoltura. Isso repercutiria decisivamente na sua vida adulta.


Quando "mocinha", Miriam fez um curso de digitação na IBM e conseguiu uma vaga para trabalhar em uma indústria de aparelhos eletrodomésticos. Entretanto, pouco tempo depois, foi demitida por um motivo insólito : quando digitava na máquina de escrever, batucava compulsivamente, ao irritar os colegas no escritório. Embrenhou-se então no mundo da música, e a sua incrível capacidade em tamborilar / batucar, ao usar somente as mãos, passou a chamar a atenção, isso sem contar com a sua extroversão e o jeito despachado, com aquele sotaque italianado, típico paulistano. E lógico, nessa altura o seu apelido já era Miriam "Batucada"...




Em 1967, ela obteve teve a sua primeira e grande chance. Em uma aparição na TV Record de São Paulo, encantou o público ao fazer a sua famosa batucada manual; tocar vários instrumentos e cantar os seus sambas, além de arrancar risadas da plateia e também do apresentador, Blota Júnior, por conta de suas piadas e jeito engraçado para expressar-se. Imediatamente, Miriam foi contratada pela TV Record e passou a figurar em vários programas musicais daquela emissora, que primava pela qualidade musical, naquela época. No ano seguinte, 1968, gravou então o seu primeiro compacto pela gravadora Rozemblit, com as músicas : "Batucando nas mãos" e "Plác-Tic-Plác-Plác".

A sua carreira prosperou em 1969 e 1970, ao torná-la uma figura folclórica do samba paulistano, ao transitar inclusive entre nomes da velha guarda, como : Adoniram Barbosa; Geraldo Filme; Germano Mathias, e os Demônios da Garôa. Em 1971, ela surpreendeu o seu público, ao unir-se com artistas de outro espectro muito diferente do seu, habitual. Ao lado de Sérgio Sampaio; Raul Seixas, e Edy Star, lançou uma espécie de disco / manifesto com teor "freak", chamado : "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista". 
 


 

Muito cultuado por freaks, até hoje, esse disco destoou da carreira dela, pois o seu trabalho natural, projetara-se em meio a um samba bem tradicional, sem nenhuma ousadia estética. A seguir no embalo, Miriam Batucada lançou muitos discos com regularidade na primeira metade dos anos setenta, e sempre com o apoio do amigo, Raul Seixas. Porém, o tempo pôs-se a passar rapidamente e as oportunidades rarearam para ela. Com lançamentos mais espaçados, a sua carreira entrou em acentuado declínio, infelizmente. 
 



Mesmo assim, o seu último trabalho tornou-se um dos mais festejados pela crítica. O LP "Alma de Festa", de 1991, é considerado um de seus melhores trabalhos na carreira. Em julho de 1994, Miriam deixou-nos, e com ela, foi embora também, muito da alegria do samba italianado de São Paulo. A sua alegria; ginga; batuque manual inigualável, e sobretudo o sotaque ultra paulistano, deixou saudade.
 

Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2013