quarta-feira, 31 de julho de 2013

Greves; Protestos & Manifestações - Por Luiz Domingues

Parto do pressuposto de que não existe um regime sociopolítico perfeito e que portanto, atenda à todas as necessidades; desejos e interesses de todos os cidadãos, simultaneamente. E isso é óbvio sinal de que a diversidade humana é enorme, e nessa complexidade, é praticamente impossível haver um modo de gerenciamento público, que contente a todos os interesses. 

Posta essa colocação, que soa óbvia, mas nem todo mundo leva em consideração quando quer expor os seus motivos pessoais, sigo em frente, para falar sobre algo que reputo um direito sagrado do cidadão : reivindicar. É muito natural e salutar dentro de um regime democrático de direito, que o cidadão seja ouvido em suas reivindicações. 

Onde o poder público pode gerenciar, e isso interfere na vida do cidadão comum, é claro que trata-se de um direito deste, reclamar de algo que o afeta negativamente, e reivindicar melhorias e providências sobre aspectos que estão ruins e carecem de melhorias. Portanto, o cidadão tem o direito de reclamar; de querer ser ouvido, de reivindicar.  
Disso não tenho dúvida e de forma alguma quero ser mal interpretado, ao deixar claro que eu sou absolutamente contra medidas proibitivas de tais manifestações populares; contra o cerceamento do livre arbítrio; dos abusos contra os direitos civis e sendo assim, a denotar atitudes ditatoriais abomináveis da parte de quem detém o poder público. Contudo, na questão das greves; passeatas; manifestações e protestos públicos, por exemplo, temos observado uma profusão de equívocos, nesse sentido.

No caso das greves de categorias profissionais, por exemplo, é inacreditável que em pleno século XXI, tenhamos práticas truculentas e muito equivocadas, no sentido de não exercer pressão à quem deveria ser exercida. Um exemplo ? Se funcionários do transporte público, entram em greve, o objetivo é pressionar o prefeito e / ou o governador, mandatários responsáveis por tal serviço público. 
Porém, quem na prática, prejudica-se, quando ônibus; trens de subúrbio ou metrô paralisam, por seus funcionários cruzar os braços ? O transtorno causado quando uma só categoria dessas para, é enorme e muitas vezes, tais greves multiplicam-se, sob uma ação viral que estrangula as cidades, notadamente os grandes centros, a causar um sofrimento gigantesco para milhões de pessoas. Nesse caso, a pergunta é : não existe uma maneira mais civilizada para pressionar-se quem de fato os grevistas desejam pressionar, para que atenda-se as suas reivindicações ?  

É necessário prejudicar milhões de pessoas para de uma forma muito indireta, isso gere um certo prejuízo à imagem de tal mandatário ? A existência da "greve branca", onde por exemplo  abrir-se-iam as catracas sem cobrança de bilhetes, ou seja, haveria por produzir um efeito forte sobre o governo, sem no entanto prejudicar as pessoas comuns. O transporte seria feito normalmente, sem incomodar ninguém, a não ser os políticos governantes. Sei que nesse caso, existem mecanismos jurídicos e marotos (ah... as brechas da Lei...), onde esse tipo de greve é coibida com a ameaça de exoneração sumária, daí o medo por fazer tal tipo de protesto. Nesse caso, onde está a visão dessa gente, que não briga por mudanças jurídicas ? Infelizmente, opta-se por fazer greves antipáticas, que mais atingem o cidadão comum. 
Em relação à passeatas, tornou-se lugar comum tomar as pistas da Av. Paulista, em São Paulo (uso São Paulo como exemplo, por ser a minha cidade, mas vale para qualquer cidade, incluso as pequenas, interioranas). Se toda a categoria profissional e grupos defensores de causas, as mais diversas, sente-se no direito de paralisar a avenida todo dia, pergunto-me : e o meu direito de ir e vir ? Devo agrupar pessoas incomodadas com as passeatas diárias, que fecham o caminho, e organizar uma passeata para protestar contra as passeatas ? 
Fico a pensar em como sente-se uma pessoa infartada dentro de uma ambulância, a caminho de um hospital (e na região da Av. Paulista existe mais de dez, importantes e enormes), quando a ambulância para, por que os defensores de uma causa qualquer, estão a bloqueá-la. Não dá para fazer a manifestação em uma pista apenas, para deixar as demais livres para o trânsito fluir (ainda que já prejudicado) ? É tudo ou nada para essa gente ?

Outra questão : muitas vezes, independente do protesto ser válido ou não (acredite, tem muita gente que engaja-se em causas não fidedignas, sem checar fontes e a comprar ideologias vazias, sem nenhuma fundamentação lógica, a não ser acreditar-se em teorias da conspiração), existe a inevitável possibilidade de uma infiltração. 
Vamos supor que a causa seja nobre e o comando da organização do protesto esteja imbuído dos mais sérios propósitos nesse sentido. Eles mobilizam os militantes da causa, preparam os seus cartazes; faixas; flyers; preparam o megafone e os instrumentos de percussão; ensaiam palavras de ordem e instruam os participantes a não provocar pessoas comuns, não causar nenhum ato de vandalismo etc. No entanto, por um deslize, tudo sai de controle quando um bando de maus intencionados infiltra-se e estes começam a vandalizar; arrumar brigas; provocar pessoas comuns; praticar saques no comércio e afrontar autoridades. Para onde vai a imagem do seu protesto, outrora autodenominado "pacífico" ?

Tudo foge ao controle e a nossa polícia, que ainda tem forte ranço oriundo das ideias autoritárias de outrora (até quando, hein ?), reage com a sua costumeira truculência e prepotência. É o que temos observado nessa recente onda de protestos que tem acontecido em diversas cidades, com São Paulo e Rio (junho de 2013), para chamar mais a atenção da mídia, pelo seu gigantismo (mas que não engane-se o leitor, pois tem acontecido em cidades interioranas, igualmente e com grande truculência). Reivindicar melhores condições de transporte e tarifas mais baixas, acho legítimo, mas nesse caso, todo esse barulho com muita gente ferida gravemente, além das depredações inadmissíveis, perde muito do seu sentido cívico, quando é manipulado por forças obscuras que apenas desejam "causar" ou desgastar a imagem do partido A ou B, a mando de um ou do outro. 
Não seria o caso de promover um protesto branco, sem truculência, mas contundente, para agir fortemente nas redes sociais e por exemplo, a confrontar-se os números apresentados pelos governantes e empresários do setor de transportes ? Algum desses vândalos que vão às ruas munidos por coquetéis Molotov e usam máscaras para não ser reconhecidos, teve acesso às planilhas de custos do transporte público ? 
Contudo, mesmo assim, salta-me aos olhos o oportunismo dessas manifestações truculentas, para deixar claro que são motivadas por outros interesses e com o objetivo em "causar", para usar uma gíria moderna. O mesmo em relação aos protestos contra as falcatruas perpetradas por governantes em relação à realização da Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil. 
Ora, claro que os absurdos cometidos com o dinheiro público e ações correlatas, a prejudicar pessoas humildes (recomendo assistir o documentário : "A Caminho da Copa", disponível no You Tube), são abomináveis e precisam ser denunciados com veemência, mas fica a pergunta : desde 2007, sabemos que o Brasil sediaria a Copa e que falcatruas seriam cometidas, portanto, qual o sentido de promover uma manifestação na porta do Estádio Mané Garrincha, em Brasília, no dia do jogo inaugural da Copa das Confederações, em pleno 2013 ? Ora, que adianta apavorar pessoas inocentes que estiveram ali para assistir a cerimônia e o jogo da seleção brasileira ? Isso é forma inteligente em protestar ? E outra, agora ? Esperou-se sete anos para reagir contra a roubalheira que esses eventos propiciam aos cofres públicos ? 

Sei que não é só pelos "vinte centavos", como tornou-se moda dizer. A paciência do povo esgotou e revelou a insatisfação acumulada por décadas e por inúmeras razões, mas ainda penso que a mobilização para reivindicar tem que possuir inteligência; foco e logística. Sou totalmente favorável a uma reforma ampla. Urge a reforma tributária, que é, ao meu ver, o foco número um na pauta.
Acabar com esse vilipêndio à carne do povo, que é cruelmente esfacelada por impostos insuportáveis e com a infame contrapartida do retorno insignificante em termos de benefícios públicos, faz-se mister. 

A vergonhosa política oficial em torno do não investimento sério em transportes públicos mediante qualidade, para satisfazer a sanha da indústria automobilística e petrolífera, é outra prioridade urgentíssima. A radical mudança do planejamento, onde saúde; infraestrutura e educação, sejam prioritárias, como única maneira para de catapultar o país ao primeiro mundo, sem dúvida. 

A reforma política a coibir a infame mordomia que os parlamentares e membros do executivo gozam, ás custas do cofre público. 

Sou a favor da extinção da "Voz do Brasil" obrigatória nas estações de rádio. Qual o sentido de ser obrigatório em pleno século XXI, com internet; TV a cabo e telefonia móvel ? Quem quiser acompanhar os trabalhos do executivo; legislativo e judiciário, tem plenos canais para fazê-lo, sem a necessidade desse antipático e ditatorial programa imposto dos anos trinta.

Pela ampla reforma da Lei eleitoral, com a extinção do voto obrigatório.


Pelo fim do serviço militar obrigatório, imediatamente, pois servir as forças armadas tem que ser um direito e nunca uma obrigação.

Pela reforma do código civil e criminal, para acabar com as abomináveis "brechas jurídicas".

Reforma total do sistema penitenciário, uma falida e insalubre forma em lidar-se com os condenados da justiça, onde não recupera-se ninguém para a sociedade.

Fim da militarização da polícia. A polícia tem que ser o braço amigo da sociedade e este modelo que temos é de uma polícia mal preparada; carrancuda e com ranços da ditadura, insuportáveis.

Pelo investimento maciço na infraestrutura, a acabar com o atraso colonial que ainda persiste.

Pela simplificação total da burocracia, que esmaga o cidadão comum e inibe o empreendedorismo dos empresários, do micro ao mega empresário.

Pela sustentabilidade, pela ecologia, pela cidadania...

Pela limpeza, pelo respeito mútuo, pela pacificação no trânsito...

Pela cultura, pela arte...

Enfim, sou a favor da reforma total do país, mas ainda assim, penso que há maneiras e maneiras para protestar-se.

Em suma : protestar; reivindicar e reclamar, são direitos do cidadão, mas há formas em fazer-se ouvir, sem prejudicar as pessoas erradas, que invariavelmente são prejudicadas indevidamente ou em muitos casos, duplamente pelas circunstâncias. E mais um adendo, cuidado com a manipulação, pois "formação de opinião" é obra maquiavélica, em via de regra.
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2013.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Walter Hugo Khouri - Por Luiz Domingues

Se há um fator que eu abomino no campo da arte, é o patrulhamento ideológico, a cercear; inquirir e tentar manipular ao seu bel prazer, o engajamento (ou não, a depender do ponto de vista em prol de uma ou outra ideologia), de um artista e sua obra, dentro de seus padrões políticos. Muitos artistas passaram por esse tipo de pressão desagradável em suas respectivas carreiras, e o cineasta paulistano, Walter Hugo Khouri, foi um deles. 
Nascido na cidade de São Paulo, no ano de 1929, era filho de um cidadão libanês, imigrante oriundo de uma das colônias mais numerosas e produtivas da cidade, e pessoas essas geralmente engajadas no comércio de tecidos; roupas e armarinhos em geral. Já na adolescência, Walter ingressou na USP para cursar filosofia, mas abandonou o curso dois anos depois, arrebatado pelo cinema, por onde enveredou, doravante. Em seu primeiro filme como diretor, ele iniciou a sua primeira filmagem em 1951, mas tal obra só foi concluída em 1953, devido a uma série de adversidades.
Nesse ínterim, trabalhou como assistente de Lima Barreto, no grande sucesso da Vera Cruz : "O Cangaceiro". 
Curiosamente, grande parte do maquinário da Vera Cruz, que fecharia as portas tempos depois, seria adquirido por ele, para impulsionar a sua determinação para fazer cinema de uma forma independente, exatamente como cineastas europeus contemporâneos seus, e com os quais, ficaria muito identificado, positiva e negativamente, conforme o enfoque a ser dado.

Finalmente em 1954, o seu primeiro longa-metragem ficou pronto. Em "O Gigante de Pedra", a crítica foi impiedosa, por insistir em criticar os defeitos técnicos, ao atribuir-lhe o fato de que Khouri não contara com o apoio formal de um estúdio. Esse tipo de preconceito faz com que eu relembre o final dos anos setenta, época quando começou a surgir os primeiros lançamentos de discos independentes, e as grandes gravadoras tentaram estabelecer um lobby, ao espalhar boatos maledicentes, para dar conta de que músicos não contratados por elas, seriam amadores, com o intuito em desmoralizar os artistas independentes. 

No caso de Khouri, todavia, outras pessoas o atacaram por outro motivo. Em meio aos primeiros sinais de um proto-Cinema Novo que surgia, na percepção de tais críticos, Khouri deveria usar a precariedade de uma produção tosca, para que tais "defeitos especiais" soassem como um autêntico trunfo proposital, no sentido de estabelecer-se um cinema crítico da miséria brasileira. Tal pensamento radical permeou o Cinema Novo, que solidificar-se-ia a seguir. Glauber Rocha que o diga com a sua "estética da fome". 
Entretanto, Khouri não teve tal intenção, e a denúncia social não fez parte de seus planos como criador, e na verdade, a sua visão fora muito mais intimista, ao buscar os meandros psicológicos; psicanalíticos, sob certo viés existencialista, e sob a sofisticação de um enfoque substancial através das artes plásticas; música e literatura, entre outros ícones que interessavam-lhe, pessoalmente.

Ao buscar essa profundidade em seu cinema, os seus filmes perseguiu tal caminho, cada vez mais, e quanto mais ele mergulhava nesse espectro, mais ataques recebia da parte de críticos e até de colegas que acusavam-no em ser "alienado", por fazer um cinema hermético em meio as favelas & mazelas com as quais estes detratores seus, enxergavam o Brasil. 
Logo no segundo filme, "O Estranho Encontro", de 1958, essa veia psicológica fortíssima, tornou-se a sua marca registrada que imprimiria doravante por toda a sua carreira. Nesse filme, a exploração de climas sutis sob cunho psicológico, vividos  pelos cinco personagens, deu margem a mais ataques dos detratores, ao acusá-lo por empreender um cinema alheio aos signos tropicais do nosso país e portanto, alienante por isso ao denotar falta de engajamento político ideológico. Na época, certos críticos chegaram a acusá-lo por ser um mero imitador de cineastas existencialistas europeus e japoneses. Particularmente, acho um absurdo tal colocação, tanto pelo aspecto político, quanto pelo artístico em si.

A seguir, ele lançou dois filmes : "Fronteiras do Inferno" (1958) e "Na Garganta do Diabo" (1960). Nesses trabalhos, alguém enfim percebera que ele era ótimo e ao deixar de lado a crítica preconceituosa, foi ressaltada a sua qualidade como diretor de atores, ao extrair ao máximo a potencialidade de um ator, em obras onde a expressão mais aprofundada fizera-se fundamental. 
De fato, ao observar a sua obra inteira, Khouri realmente foi muito bom nesse quesito e de minha parte, posso trazer uma referência minha (que talvez nem fosse a dele, exatamente), ao compará-lo ao diretor norteamericano, George Cukor, notadamente um mestre em dirigir com minúcias, principalmente as atrizes. E portanto, enxergo essa similaridade de Cukor com Khouri, pois o paulistano tinha um apreço também pelas personagens femininas.

Antes que corrijam-me, não acho que Hitchcock (que também tinha esse cuidado com as mulheres, em particular), fosse igual, pois nesse caso, o inglês cultivava uma espécie de fixação, em um enfoque um pouco diferente. 
A seguir, Khouri lançou : "A Ilha", em 1963. Na prática, seguiu a ideia de, "O Estranho Encontro", com personagens isolados e a viver uma catarse psicológica intensa. No entanto, foi em 1964, que Khouri lançou um de seus maiores êxitos. "Noite Vazia" é um filme sensacional, que não canso-me em assistir, repetidas vezes.
Ao mostrar o vazio existencial de dois hedonistas em uma noitada, Khouri foi muito feliz em trabalhar com os contrastes.

Em meio ao frenesi da noite paulistana, esses dois homens buscam o prazer de bar em bar, até que culminam em contratar duas prostitutas para fechar a sua noite de prazeres. 
O vazio deles, as contamina também, e dentro desse aspecto, em um filme montado sob longos enquadramentos e pouco diálogo, diz muito ao espectador, pelas sutilezas contidas subliminarmente.

Falei em êxito, mas no sentido artístico, por que o cinema de Khouri nunca foi popular. 

Alheio à situação política tensa em que o Brasil colocara-se em uma radical naquele ano, os seus detratores confundiram o teor existencialista com a futilidade burguesa, ainda que houvesse um fundo de verdade nessa premissa. É certamente, a despeito dessas críticas da parte de radicais, um dos meus filmes prediletos de sua filmografia. Alheio aos seus perseguidores, Khouri prosseguiu a criar de forma prolífica. 
"Corpo Ardente" veio a seguir, quase simultaneamente a um episódio do longa coletivo  :"As Cariocas". Uma curiosa visão de um cineasta paulistano sobre o Rio.

Em "As Amorosas", Khouri deu ares de cunho político, mas não necessariamente da forma como costumavam cobrá-lo. Como um crítico de tudo e de todos, o personagem vivido pelo ator, Paulo José, circula entre estudantes da USP politizados; hippies e freaks da São Paulo de 1967. Para os ligados em música e contracultura, esse filme tem uma incursão dos Mutantes, ainda sob uma fase incipiente da carreira, e a tocar ao vivo na Galeria Metrópole, localizada na Avenida São Luiz, no centro da cidade de São Paulo.
Nessa cena, vemos o artista plástico, Antonio Peticov, entre outros artistas avantgarde de sua época, em meio a um bando de hippies.
De certa forma, Khouri reproduziu o mesmo que Michelangelo Antonioni houvera feito um ano antes em Londres, ao filmar o personagem protagonista de seu filme, "Blow up", ao entrar fortuitamente em um clube e ali assistir os "Yardbirds" a tocar ao vivo, com direito a presenciar-se o grande guitarrista, Jeff Beck, a quebrar a sua guitarra de uma forma ensandecida, no meio da performance... coincidência o Khouri buscar uma cena nesses mesmos moldes ou ele fora um artista com a antena inteiramente sintonizada no que passava-se ao redor do planeta ? Claro que a segunda opção.

Com o avançar da década de setenta, Khouri manteve o seu cinema fiel aos seus ideais, mas ficou nítida a carga maior em torno da erotização de seus filmes, doravante. Alguns críticos observam que ele aproximou-se de cineastas da chamada, "Boca do Lixo', de São Paulo, onde concentrava-se a produção mais acintosa de filmes que passaram à história, conhecidos como : "pornochanchadas". 
Claro, no caso de Khouri, longe da tosquice de tais produções, geralmente destinadas aos entusiastas da prática onanista, mesmo quando exagerou um pouco além da conta, em um ou outro filme (talvez em "Amor, Estranho Amor" de 1982 , ou "Eu", de 1986).

E mesmo no seu filme dessa fase, mais identificado com tal apelo erótico, "Convite ao Prazer", de 1980, apesar das várias cenas de sexo ali inseridas, acho-o um de seus melhores trabalhos, justamente por exprimir o vazio hedonista, expresso na busca do prazer pelo prazer, portanto a conter uma forte crítica social. 

Sim, "Convite ao Prazer" parece ser uma continuação de, "Noite Vazia", mas desta feita com um enfoque um pouco diferente.

Outros filmes muito centrados nessa carga psicológica com fatores sexuais recônditos, revela-se em "As Deusas"; "As Filhas do Fogo"; "Eros, o Deus do Amor"; "Forever" (esse último, muito curioso, falado em inglês, com muitos atores brasileiros a testar o seu aprendizado em cursos de língua inglesa, e com a presença do ator ítaloamericano, Ben Gazarra). 
Destaco também : "O Último Êxtase"; "O Anjo da Noite"; "O Desejo"; "Paixão e Sombras"; "Amor Voraz" etc.

Khouri mantinha certos ícones pessoais que o acompanharam em quase toda a sua obra. Por exemplo, a questão de sua predileção pelas artes plásticas.

Seja no cenário, ou no figurino usado pelos atores em cena, sempre destaca-se tal referência em seus filmes. No mínimo, de forma fortuita, a câmera vai passar por uma poltrona; mesa ou estante de livros e René Magritte vai aparecer, nem que seja por um livro com as suas ilustrações, ali colocado, en passant.

Outra predileção de sua parte e sempre presente nos seus filmes foi o Jazz. Alguém vai estar a escutar um vinil, ou mesmo vai ingressar em uma festa, e uma banda estará a tocar ao vivo tal escola musical. 
E na questão técnica, Khouri primou pelos enquadramentos longos, sem pressa alguma em estabelecer cortes. Daí o fato de que muitos críticos consideravam-no parecido com Ingmar Bergman, pelas longas cenas com a câmera parada e a exibir atores mudos, apenas a expressar-se pelos seus semblantes.

No cômputo geral, Khouri realizou um cinema sofisticado ao meu ver, e foi incompreendido por muitos e maltratado indevidamente pelos patrulheiros ideológicos. 
Nesse aspecto, louvo, além de sua qualidade artística, a coragem que ele observou para seguir em frente, mesmo quando foi duramente vilipendiado. E uma última observação : talvez o cinema de Khouri não seja tipicamente brasileiro. A sua obra nunca teve essa preocupação e de fato, o seu foco foi centrar no ser humano cosmopolita, mais do que sob característica da cultura nacional do Brasil. Contudo, ao contrário dos patrulheiros ideológicos, eu não enxergo mal algum nessa determinação de sua parte e nunca acreditei que fosse imprescindível para um artista brasileiro, colocar uma cesta de frutas na cabeça para impor-se ao mundo (e deixo claro : gosto da Carmem Miranda, não pense o leitor ao contrário !) .
Um livro que eu recomendo sem reservas, e que analisa a profundidade filosófica na obra de Walter Hugo Khouri, chama-se : "O Equilíbrio das Estrelas", de autoria do professor de cinema, da Universidade Anhembi  / Morumbi de São Paulo, Renato Luiz Pucci Jr. Nele, toda a obra de Khoury é esmiuçada por esse olhar muito profundo, e certamente que os filmes de Khouri, tem essa característica forte em seu âmago.

De voltando a falar sobre o Khouri, acho perfeitamente legítimo que um artista expresse-se da forma como bem entender, sem prender-se aos ufanismos descabidos. E foi o caso de Walter Hugo Khouri, que perpetrou o seu cinema, sem essa preocupação em específico.
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2013.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Caos Portuário - Por Luiz Domingues

O Brasil entrou em uma fase marcada pela perspectiva da prosperidade, sem precedentes em sua história, quando estabeleceu o seu primeiro passo nesse sentido ainda nos anos noventa, ao controlar a infame inflação que o assolara há décadas. Claro, não podemos deixar de considerar que aspectos políticos contribuíram nesse sentido. O simples fato de voltar a promover eleições presidenciais livres, fora importante, cinco anos antes, apesar do povo ter deixado-se levar pela falsa propaganda e ter eleito um candidato inadequado.

Muito bem, a democracia é assim mesmo, demora muito para maturar e segue a toada da tentativa e erro. Mas sem dúvida que esses fatores foram importantes para que já na segunda metade dos anos 2000, sinais animadores deixassem o país visível aos olhos do mundo. Ao atravessar então a grande crise de 2008, quase incólume, o Brasil tornou-se a aposta da vez, em muitos aspectos, da política sócio financeira em meio aos índices de progresso, em vários níveis. Só que nos seus meandros, o Brasil progressista que passou a encantar o mundo pelo seu salto rumo ao primeiro mundo, escondeu de si mesmo, uma outra realidade.

A absoluta falta de infraestrutura em setores vitais da economia, revelou-se diametralmente oposta à euforia gerada pelos observadores internacionais. Apenas quando a proximidade em promover grandes eventos sob âmbito mundiais avistou-se, foi que os governantes perceberam que portos e aeroportos brasileiros, são de quinta categoria, entre outras coisas. No tocante aos portos em específico, a situação é dramática e faz tempo. O assunto só veio à baila neste momento, por dois motivos :

1) A proximidade da Copa do Mundo e Olimpíadas e;

2) A visão estarrecedora da gigantesca fila de caminhões parados no porto de Santos, ao revelar a falta de organização e por conseguinte, a enorme quantidade de dinheiro jogado no lixo, e outra montanha que deixa-se por ganhar, por tal ineficiência gerencial. Qual a razão, ou razões para essa situação ter chegado em tal ponto vergonhoso ?

Bem, são muitas as razões, mas o fator burocrático, é um dos maiores vilões nesse sentido. Um exemplo ? 

Quando um contêiner chega ao porto para a exportação, a conter uma carga com commodities, por exemplo, não consegue embarcar rumo ao seu destino, em menos de 13 dias.
O motivo ?  Burocracia massacrante, onde é preciso apresentar cerca de duzentos documentos (pasmem !), para a liberação e alguns desses, são conflitantes entre si, ao deixar o exportador completamente desesperado em face ser praticamente impossível cumprir tal obrigação. Em Cingapura, esse trâmite burocrático leva um dia para ser cumprido e nos Estados Unidos, dois, por exemplo.
Então, some-se a esse fato, que o processo inverso também é infernal, ou seja, navios estrangeiros que aqui chegam, podem ficar até quinze dias a esperar autorização para atracar ! Isso espelha bem o caos que essa logística ou anti logística, causa ao país.

Tirante essa questão, observa-se também a falta de investimentos na modernização dos portos. Com espaço físico reduzido, ineficiente conexão ferroviária e pátios de estacionamentos minúsculos, não é para estranhar-se que as filas inacreditáveis de caminhões fechem, literalmente, as estradas que dão acesso ao cais.

Outro fator surpreendente e inadmissível em um mundo moderno e informatizado, ocorre no sentido de que 90% dessa burocracia ou "burrocracia", como queira, esbarra na falta de comunicação "on line" entre órgãos reguladores e fiscalizadores. Como aspirar estar no primeiro mundo, sem repartições públicas 100% informatizadas e com funcionários bem treinados e motivados para suprir tal demanda com profissionalismo ? Não é óbvio que a morosidade seja medieval, sem tais providências ? A lição é muito clara : estar entre as maiores potências econômicas do planeta é motivo de orgulho, mas investir em infraestrutura é vital para que de fato possamos ser considerados um país digno de primeiro Mundo. E por enquanto, o Brasil parece ainda estar no tempo do Império, em muitos aspectos.
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2013.