quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Claudio Willer, Além do Beat - Por Luiz Domingues

Daquele grupo de jovens intelectuais paulistas, fortemente influenciados pela geração Beatnick, norteamericana, Claudio Willer, foi um dos principais destaques, além de Roberto Piva. Desse grupo seminal formada por jovens escritores e poetas, alguns tiveram o apoio fundamental de um editor independente, que acreditou em artistas libertários, algo raro no ambiente literário sisudo, das décadas de cinquenta e sessenta, com editores muito pouco dispostos a apoiar ideais e formas novas de expressão artística.
Refiro-me ao editor, Massao Ohno, que de forma desbravadora, mantinha uma gráfica própria em sua residência, em São Paulo, e que lançou obras de Roberto Piva, e também de Claudio Willer, entre outros. Se os longos textos sem parágrafos, e sem a pontuação tradicional da gramática, escritos por Jack Kerouac, impressionavam os entusiastas de tal libertária formas para praticar-se uma nova literatura, nos dois escritores paulistas, tais particularidades observadas também por ambos, tratou por imprimir as suas respectivas personalidade pensadoras em seus escritos, e assim, avançar-se muito além desse recurso literário moderno.
No caso de Willer, o seu inconformismo com a opressão da sociedade, ao reprimir a sexualidade, em padrões ditados por paradigmas culturais arraigados, e certamente com a carga religiosa sob pesado cunho judaico / cristão, teve enorme peso em sua obra. O primeiro livro de Willer, saiu em 1964, pela editora Massao Ohno, já citada.
Em "Anotações de um Apocalipse", Willer evoca metáforas riquíssimas. São imagens inacreditáveis de uma São Paulo escondida dos seus próprios habitantes, sempre apressados, e pouco observadores da urbe, em suas entrelinhas.

Suas imagens são quase lisérgicas, para ditar uma espécie de comunicação telepática com Ginsberg, que influenciou o movimento hippie sessentista, fortemente, e que sob um curioso efeito retroalimentador, fez com que a vibração oriunda do movimento "Flower Power" arrebatou-o ao ponto de tornar-se um "militante" da causa, posteriormente. Explica-se a lisergia de Willer, muito pela influência forte que ele também possuía do surrealismo.
Tanto que Willer (ao lado de Roberto Piva e Sérgio Lima), está entre os três únicos escritores brasileiros citados na revista cult de André Breton, "La Breché - Actión Surrealisté", uma autêntica Bíblia dos entusiastas do surrealismo, na França, e em todo o mundo. Não obstante o fato de que tudo isso fora muito incrível sob o ponto de vista artístico e estético, em termos de transição do beat cinquentista, para a lisergia sessentista, Willer não acomodou-se em berço esplêndido. A vida seguiu, e como um artista que pensa sempre no porvir, pôs-se a trilhar sempre por outros caminhos novos.

Além de tudo, a sua contribuição para a cultura amplificou-se além de sua atuação como um excelente escritor. Ao escrever artigos para diversos jornais de grande porte, A sua contribuição ao jornalismo cultural, foi e tem sido, até os dias atuais, inestimável. Como um acadêmico, são inúmeros os trabalhos publicados, com estudos; ensaios e afins. Ele também embrenhou-se no campo da psicologia, e por conseguinte ostenta muitos estudos nesse sentido



Como escritor, a sua obra é sólida, a apresentar livros de poesia; prosa, e ensaios com alta densidade literária. Mas que o leitor não peça para entrevistá-lo com a abordagem em torno da ideia de que ele tenha sido apenas um Beatnick, pois isso o aborrece.

Já li manifestações da sua parte, a reclamar que muitos estudantes o procuram para entrevistas, fenômeno que também é recorrente para jornalistas que o abordam com a mesma intenção, a buscar elementos, quando a pauta é o movimento Beat. Acho que ele tem razão em ter essa indignação, pois tal tipo de avaliação denota uma preguiça mental de quem o procura, ao criar-se uma falsa expectativa de que a sua obra limitou-se a esse aspecto de sua carreira.

Uma dica que deixo, trata-se de um interessantíssimo documentário, dirigido pelo grande cineasta paulistano, Ugo Giorgetti, quando este mostra a trajetória de escritores paulistanos importantes, Willer, entre eles. Recomendo assistir : "Uma Outra Cidade", produzido em 2000. Também recomendo visitas ao seu Blog pessoal, que é bastante caprichado, e recheado por ideias interessantes.

http://claudiowiller.wordpress.com/


Matéria publicada anteriormente no Site / Blog Orra meu, em 2013

sábado, 26 de outubro de 2013

O Motor de Detroit Pifou - Por Luiz Domingues

Entre tantos ícones culturais norteamericanos, sem dúvida que o automóvel ocupa um lugar sob alto destaque. E nessa iconografia, a cidade de Detroit teve papel importante, por concentrar a maior parte da produção nacional, algo parecido com o que a região do ABC paulista já representou para o Brasil, nesse quesito, mas em uma proporção muitíssimo maior.
Fundada pelos franceses no início do século XVIII, tal cidade tem no seu nome, uma adaptação para o inglês, de seu nome original : "Fort Ponchartrain du D'Etroit", onde entende-se "Etroit", em francês, como "estreito", em português.

Fora uma cidade comum, do estado do Michigan, a marcar fronteira com o Canadá, até que no avançar do século XX, a indústria automobilística tornasse-se gigantesca, ali. Nesses anos de ouro, principalmente nas décadas de cinquenta e sessenta, a cidade observou um fenômeno interessante.

Por conta desse volume de recursos advindos dessa bonança da indústria, houve um "boom" imobiliário na direção de subúrbios próximos, e dessa forma, o centro da cidade, tornou-se inóspito e sombrio. Enquanto o subúrbio mantinha ares semelhantes ao de Beverly Hills de LosAngeles, o centro da cidade de Detroit pôs-se a tornar-se cinzento, e a dar margem assim, ao aumento de violência urbana, com a inevitável formação de gangs com vândalos etc. Por outro lado, Detroit teve na música, momentos de prosperidade e qualidade artística, memoráveis.
A gravadora Motown, ali estabelecida, tinha em seu elenco, a fina flor da Black Music, com grandes artistas da cena do Rhythm and Blues; Soul e Funk.
Aliás, o nome "Motown", foi um neologismo de "Mo", de "motor" (uma alusão à vocação da cidade de Detroit), e "Town", literalmente, "cidade".

No campo do Rock, Detroit também foi um berço de muitos artistas que tornar-se-iam mundialmente conhecidos. Alice Cooper; Ted Nugent; The Stooges; e MC5, estão entre os mais significativos, além do próprio, Grand Funk Railroad, que era de uma cidade próxima, Flint. 

No caso do MC5, muitas das letras de suas canções, refletiam claramente o ambiente de Detroit, com o seu céu quase sempre cinza e as multidões de operários a circular pelas ruas. Entretanto, veio a crise do petróleo em 1973, e ainda que imperceptível naquele momento, Detroit começou a vivenciar um sutil processo de decadência, que ficou acentuado, só na segunda metade daquela década, quando começou a entrar no mercado americano, os carros japoneses, com muita força e impulsionados por preços imbatíveis.

A arrastar-se nessa perspectiva, a cidade colocou-se a decair e quando a grande crise de 2008, instaurou-se com força, Detroit que já agonizava, entrou em um colapso, praticamente irreversível. Recentemente (2013), a cidade decretou a sua falência. Um duro golpe para os habitantes da cidade dos motores, foi anunciado que a sua dívida pública alcançara a cifra impagável de U$ 20 bilhões de dólares, e a prefeitura jogou a toalha para o governo estadual do Michigan. 

Índices assustadores mostram que os subúrbios no entorno da cidade, estão em clima de desolação. Casarões decadentes estão a ser abandonados, ao mostrar-se em ruínas, mais a parecer como um cenário de filmes hollywoodeanos sobre o fim do mundo.

Detroit, no auge da indústria, chegou a contar com 1.8 milhões de habitantes. Hoje, não passa de setecentos mil, para refletir a debandada da população, sob um ritmo de migração interna, em busca de melhores oportunidades de subsistência. Uma pena para quem já chegou a comemorar ser a terceira maior cidade norteamericana, e berço do maior parque automobilístico do mundo.
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2013

sábado, 19 de outubro de 2013

Ebal, Fábrica de Sonhos - Por Luiz Domingues



Que as histórias em quadrinhos tem uma tradição muito antiga, não resta dúvida. Por embalar a imaginação das crianças e adolescentes, há muitas décadas, as suas mais remotas origens remontam à Idade Média, mediante as histórias sobre cavalaria, mescladas às lendas do folclore etc. No Brasil, um dos primeiros registros que se tem notícia sobre um desenho dessa natureza, deu-se em 1837, quando uma charge criada pelo autor, Manuel de Araújo Porto-Alegre foi apresentada sob o formato de uma litografia.

Angelo Agostini lançaria uma revista com charges e caricaturas, em 1869, e criou personagens tais como : "Nhô Quim", e "Zé Caipora", ou seja, bem brasileiros, e através deles, criticou com veemência a política do segundo Império, de Pedro II. 


Já no século XX, em 1905, surgiu a revista : "Tico-Tico", que popularizou-se com as suas charges, onde destacou-se o cartunista, J. Carlos, que foi o primeiro desenhista brasileiro a trabalhar com um personagem Disney, o Mickey Mouse. O cartunista paulista, Belmonte, tornou-se uma celebridade através dos seus cartoons; charges, e certamente por conta do genial personagem que inventou : "Juca Pato".

Mas ainda não havia no país um grande catalisador que pudesse conciliar essa produção nacional em termos de charges & cartoons, com o movimento de comics, que já era fortíssimo nos Estados Unidos e Europa, a contar com inúmeras publicações; heróis e sagas bem escritas.



Foi nesse contexto, que um jovem empreendedor surgiu no mercado editorial brasileiro, chamado : Adolfo Aizen. No início dos anos trinta, Adolfo Aizen fundou uma pequena editora chamada, "Grande Consórcio de Suplementos Nacionais".

Nessa empreitada, Aizen lançou algumas revistas tais como : "Suplementos Juvenil; "O Mirim" e "O Lobinho" (uma coletânea com histórias, onde foi lançado pela primeira vez no Brasil, heróis internacionais da magnitude de Batman; Superman; The Flash; e Falcão da Noite). No ano de 1945, Aizen fundou uma outra editora, que recebeu o nome de Editora Brasil-América Ltda., que passou a ser conhecida no mercado editorial, e entre seus admiradores, como "Ebal", a sua sigla. Em meio a uma parceria com a Editora Abril, propriedade da família Civita, que estava baseada na Argentina, nessa época, a Ebal lançou personagens Disney, cuja licença pertencia a Abril Cultural.

Com a abertura no Brasil da editora, "Primavera" (mais tarde, "Abril"), Victor Civita, monopolizou a franquia Disney, ao tornar-se doravante a grande rival da Ebal, por décadas, e esta foi forçada a adotar um outro rumo. Em princípio, a Ebal publicou muitos "books" com aventuras; clássicos da literatura adaptados aos quadrinhos, e sagas com heróis selvagens ao estilo de "Sheena, a Rainha das Selvas", e "Tabu", entre outros.

No entanto, o grande trunfo de Aizen esteve mesmo com os super-heróis, e entre eles, o Superman foi um carro chefe da Ebal, de 1947, até 1983, quando a Ebal perdera as suas forças e cedeu os seus direitos à Abril Cultural. Convenhamos, manter um super-herói dessa importância no elenco, por quase quarenta anos, por si só já deveria ser digno de nota, mas a Ebal fez muito mais que isso, na sua história editorial. Muitas histórias sobre detetives, na mais clássica tradição da literatura e cinema "noir", como por exemplo na figura de "Dick Tracy", fizeram enorme sucesso no Brasil.

Flash Gordon", o grande herói Sci-Fi dos anos trinta; "Fantasma", o enigmático misto de herói e entidade imortal; "O Príncipe Valente", "Zorro", "Tarzan"(que dispensa apresentações), etc . Outro filão muito importante que a Ebal trabalhou, foi o dos quadrinhos com heróis ambientados no cenário do velho oeste.

Nesse segmento do Western, a Ebal lançou personagens como : "Bufalo Bill"; "Cisco Kid"; Cheyenne"; "Nevada Kid" e outros.

Com o advento das séries de TV, a Ebal acompanhou o mercado norteamericano, e lançou gibis baseados em tais atrações televisivas, tais como "Gunsmoke"; "Terra de Gigantes"; Os Invasores"; "Bonanza", e outros. Nos anos cinquenta e sessenta, transcorreu o auge da companhia criada pelo grande, Adolfo Aizen, e nesses termos os números por tal empresa, revelaram-se sob um impressionante porte no mundo editorial brasileiro em geral.

A Ebal chegou a vender milhões de revistas. Algumas delas, com tiragens de mais de cento e cinquenta mil exemplares distribuídos nas bancas de revistas, brasileiras. Houve época onde chegou a manter quarenta títulos simultâneos em seu catálogo, e para quem conhece o mercado editorial de revistas, sabe bem que é um número impressionante.

Quando firmou exclusividade com a gigante dos quadrinhos, a DC Comics (Batman e Superman, além de outros personagens nesse elenco fantástico), a Ebal já estava consolidada como a maior editora de histórias em quadrinhos do Brasil, e a sua concorrente, na verdade não a atrapalhava e vice-versa, pois a Editora Abril dedicava-se ao Universo Disney, praticamente, ou seja, mantinha-se fechada em um outro nicho de público, completamente diferente, e Maurício de Souza, uma eventual terceira força no mercado, ainda era um iniciante, com a tira da "Turma da Mônica" a dar os seus primeiros passos no jornal Folha de São Paulo, e longe de ser também um editor de peso no mercado, fator que só conquistou muitos anos depois. Não contente em lançar os heróis da DC no mercado brasileiro, a Ebal passou a trabalhar também com a outra gigante americana, a Marvel Comics, ao tornar-se ainda mais poderosa.


Para quem já dominava o mercado com Batman; Superman, e toda a Liga da Justiça da DC, agora a Ebal passara a trazer na manga : Hulk; Capitão América; Thor; Homem de Ferro; Quarteto Fantástico; Homem Aranha; Namor, e todos os Vingadores do Universo Marvel.


Particularmente, a minha história com a Ebal começou aí, em 1967, quando tal editora lançou no mercado os gibis dos cinco principais heróis Marvel, sob um esforço de marketing em conjunto com a fábrica de brinquedos Atma, e a rede de postos de gasolina, Shell.

Concomitante ao lançamento dos desenhos animados (ou "desanimados", como alguns gostam de enfatizar, pois foram concebidos com o mínimo de movimento, para justamente simular os quadrinhos dos gibis), na TV, essa campanha conjugada fez muito sucesso na época.

O plano "diabólico", arquitetado pelos marqueteiros brasileiros, previu que a cada abastecimento de gasolina (não lembro-me qual teria sido a quantidade mínima, mas creio que tratou-se de vinte litros), nos postos Shell, o motorista ganhava um boneco de plástico de um herói Marvel.


Em 1967, o meu pai foi mais um, entre milhões de pais, que foi atormentado por seus respectivos pequenos pedintes, a esforçar-se em evitar abastecer o tanque do carro da família, em postos cuja bandeira não fosse da Shell...

E claro, tente explicar que um boneco só, é o suficiente para um pequeno colecionador Marvel, e você vai verificar que essa informação "não tem registro", como diria o nosso querido Robot de "Lost in Space"...

Nesse lançamento de 1967, a Ebal lançou de cada Super-Herói, a reprodução da sua origem, em edições muito bonitas.


Na década de setenta, a Ebal seguiu firme na dianteira desse nicho. Porém, nos anos oitenta, infelizmente a editora mais querida dos fãs de quadrinhos, pôs-se a perder o seu fôlego.

Muitos itens de seu portfólio de atrações foram vendidos paulatinamente para a editora Abril; Maurício de Souza já estava consolidado no mercado; e pequenas editoras novas surgiram no mercado, para dividir a atenção do público consumidor. Concomitantemente, o crescente aumento dos então "modernos" vídeo-games, e a subsequente inclusão social na internet não diminuiu o interesse pelos quadrinhos, mas começou a minar a sua plataforma tradicional, impressa.

Reservadamente, Aizen confidenciava aos seus pares, que estava desanimado com tais perspectivas e nesse embalo, a Ebal, infelizmente perdeu terreno. no mercado. No ano de 1991, Aizen faleceu, mas a Ebal tentou prosseguir com a condução dos filhos dele. Aliás, Paulo Adolfo e Naumin Aizen, já comandavam junto com seu pai, a empresa há muitos anos, com a participação também de Fernando Albagli. A Ebal ainda publicaria algumas edições de luxo do personagem, Príncipe Valente, e investiu também em um nicho moderno, o dos mangás japoneses, mas em 1995, fechou as portas, definitivamente, para encerrar uma história muito bonita no mercado editorial brasileiro.

O histórico edifício / sede, localizado no bairro de São Cristovão, no Rio de Janeiro, ainda abriga a gráfica que servia à Ebal. Mas hoje em dia, tal oficina realiza apenas serviços particulares de pequena monta para os comerciantes e moradores do bairro. 

Recentemente (2013), eu li comentários na Internet, preocupados com a especulação imobiliária no bairro de São Cristovão, a defender a ideia do tombamento do edifício, e assim tentar preservar o seu melhor aproveitamento cultural para a comunidade (embora atualmente, a velha gráfica divida o espaço com uma escola).

Indico duas fontes de consulta para quem quiser esmiuçar ainda mais a história da Ebal : existe um Blog na Internet, conduzido por um abnegado historiador da Ebal, chamado Oscar, que é completíssimo. Chama-se "Guia Ebal", e nele, o fã encontra informações sobre todos os lançamentos da editora, comentados e ricamente ilustrados.

O link é :  http://guiaebal.com/

Outra dica que deixo, existe um livro escrito por um pesquisador chamado, Gonçalo Junior, chamado : " A Guerra dos Gibis".

Nele, Gonçalo conta a história dos quadrinhos no Brasil, e a atuação de Adolfo Aizen e sua Ebal, tem um grande destaque.

Código do livro para consulta : ISBN 8535905820

Sou fã da Ebal, e agradeço ao senhor Adolfo Aizen, por toda alegria que proporcionou à milhares de crianças e adolescentes, por décadas, incluso eu mesmo.