sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Eugênio Kusnet, de Pupilo a Mestre - Por Luiz Domingues

Vivemos em plena Era do compartilhamento, graças à popularização em massa da internet, mas principalmente por conta das redes sociais, que estimulam as pessoas a postar fotos; vídeos; músicas e daí gerar-se os comentários inevitáveis. O lado bom disso, é o espírito quase messiânico de fraternidade que tal possibilidade gera, e o ruim, é pela possibilidade do mau gosto ser difundido a esmo, sob vários aspectos. Mas isso não vem ao caso agora, pois foge do mote desta matéria. Quis falar sobre o compartilhamento de ideias, pois antes do modismo da internet, a forma mais tradicional para passar qualquer tipo de conhecimento, foi através da relação mestre / pupilo. 

Foi exatamente esse o caso de um rapaz nascido na Criméia (na época, território russo, mas hoje pertencente à Ucrânia), chamado : Eugênio Shamansky  Kuznetsov. Ator; diretor e homem de teatro por excelência, foi um extraordinário professor para uma brilhante safra de atores brasileiros, além de participar ativamente dos movimentos teatrais no Brasil, ao emprestar todo o seu conhecimento. Conhecimento esse, que foi sólido, por ter sido o jovem Eugênio, um discípulo do grande Stanislavski, um grande mestre do teatro russo e responsável por iniciativas ousadas, como por exemplo, o chamado : "TAM" (Teatro de Arte de Moscou).
Além disso, Stanislavski foi inovador também na área pedagógica, ao criar um método revolucionário de preparação de atores, chamado : "Sistema Stanislavski". Kusnet absorveu tais ideias de uma forma contundente, e as trouxe ao Brasil, quando aqui chegou como imigrante, ao buscar melhores oportunidades, visto que no pós-1917, a Rússia viveu o início dos anos de ferro da União Soviética e o teatro, assim como todas os ramos artísticos,  passou por momentos marcados por inúmeras restrições; ferrenha vigilância e uma mordaça imposta aos artistas.
Todavia, no Brasil dos anos vinte, quando aqui aportou, este país também não era nenhum paraíso onde pudesse ele exercer a sua arte com a dignidade profissional que merecia. Dessa maneira, teve que improvisar, com diz-se popularmente e decorrente dessa premissa, ele sobreviveu alguns anos como comerciante, ao levar a atividade teatral como um diletante, antes de finalmente poder mergulhar em sua real vocação profissional.
Somente  em 1951, sob um convite de outro imigrante, o polonês Ziembisnki, Kusnet integrou o elenco do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), em São Paulo e assim, mediante a sua bagagem extraordinária como ex-aluno de Stanislavski, pode ser usufruída pela classe teatral paulista e brasileira. Daí em diante, Kusnet trilhou o seu caminho, a atuar como ator e a ministrar as suas valiosas aulas, no TBC, mas logo a seguir também em outras companhias teatrais, como o Teatro de Arena; Teatro Maria Della Costa e Teatro Oficina.
Com sede de conhecimento, volta à Russia no início dos anos sessenta, onde participa de um curso ministrado na Escola Estúdio do Teatro de Arte e também na Escola Teatral de Stuchkin (ligada ao teatro Vakhtangov), onde novos desdobramentos do "Sistema Stanislavski", são apresentados para ele. De volta ao Brasil, atuou com muito sucesso de crítica e público, em duas montagens de textos de Máximo Gorki e também, em "Marat-Sade", de Peter Weiss, sob direção de Ruy Guerra. Ao final dos anos sessenta, lançou dois livros que são considerados fundamentais por estudantes de arte dramática : "Iniciação à Arte Dramática" e "Introdução ao Método da Ação Inconsciente". Algum tempo depois, ambos foram fundidos em um único livro, chamado : "Ator e Método".
Kusnet tinha horror aos exageros de atores que deixavam-se levar excessivamente pela emoção. Para ele, o ator deveria observar o ponto de equilíbrio, onde a emoção jamais suplantasse o lado racional, portanto, personagem e pessoa real deveriam conviver em igualdade de condições. "O ator deve ter consciência de seu real ser e saber que está no palco", foi uma de suas máximas.
No início dos anos setenta, ele ministrou aulas na USP e na Fundação das Artes de São Caetano do Sul, além de ter oferecido suporte à montagem da Ópera-Rock, Jesus Christ Superstar. Eugênio Kusnet faleceu em 1975, e deixou-nos um legado incrível de conhecimento no campo da dramaturgia.

Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2013

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