terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A Pré-História da TV Cultura - Por Luiz Domingues

Nos primórdios da história da TV brasileira, as leis que regiam o setor das telecomunicações eram mais flexíveis e não oprimiam a formação de pequenos "trusts" (isso é discutível pelo bem e pelo mal, eu sei). Tanto foi assim, que um empresário que detivesse uma concessão para possuir uma emissora de Rádio ou TV, podia tranquilamente pleitear ser dono de mais uma. Bastava apenas esboçar possuir condições financeiras para tal.

Foi o caso de dois empresários que já detinham canais de TV em São Paulo, Victor Costa (que era dono da TV Paulista, e alguns anos depois fundou a TV Excelsior), e Assis Chateaubriand (o fundador da TV Tupi e grande pioneiro na introdução da TV no Brasil, e que igualmente fundou uma nova estação, denominada "TV Cultura"). Muita gente não sabe, portanto, mas a inauguração da TV Cultura sob a custódia da Fundação Padre Anchieta, pertencente ao Governo do Estado de São Paulo e ocorrida em 1969, não foi exatamente o início das atividades dessa emissora, mas uma espécie de "refundação", desta feita sob a direção estatal.

Bem antes, portanto, em 20 de setembro de 1960, entrou no ar, mais uma canal de TV na cidade de São Paulo, sob a direção dos Diários Associados, a poliorganização jornalística e cultural de Assis Chateaubriand, o folclórico "Chatô". Muito da estrutura da TV Cultura, constituiu-se na verdade do equipamento que já houver sido usado na TV Tupi. Quando a criou, Chateaubriand não disponibilizou uma grande soma de dinheiro como houvera feito por ocasião da fundação da TV Tupi. Na verdade, a TV Cultura nasceu sob condições bem mais modestas, como uma aposta secundária, sem muito cacife, ao visar objetivos mais comedidos e dessa forma, mais preocupada em lançar balões de ensaio estratégicos, ao revelar jovens talentos ainda não suficientemente preparados para atuar na TV Tupi e de certa forma, angariar alguma audiência extra, para atrapalhar a concorrência, ao usar o expediente semelhante ao dos retardatários que costumam assim agir em competições automobilísticas, para minar os melhores pilotos que estão, à frente na disputa, mas inevitavelmente encontram os atrasados em cada volta na pista.

No seu início, a TV Cultura operou em um modesto estúdio improvisado, localizado na Rua 7 de abril, no centro de São Paulo, exatamente onde a TV Tupi começara a operar dez anos antes (1950). Em minúsculos 30 m2, os técnicos; jornalistas e artistas, precisaram esforçar-se muito, para colocar a emissora no ar,
diariamente. Apesar das dificuldades, fora um ponto de honra para a sua equipe, colocar no ar uma programação própria, desvinculada da produção realizada pela TV Tupi. Usavam equipamentos velhos de sua irmã mais velha, mas mantiveram o seu orgulho e dignidade em alta, como profissionais.


O foco dessa emissora foi mais centrado no jornalismo, mesmo por que, o canal não reunia condições técnicas para aventurar-se em produções a envolver teleteatros; musicais e tampouco apresentou alguma intenção em gastar muito para possuir em sua grade, um acervo com filmes; seriados e desenhos infantis muito competitivos, que ofuscassem a produção da própria, Tupi O seu slogan foi : "Um Verdadeiro Presente de Cultura para o Povo", bastante pomposo, mas bem típico da época, onde a formalidade era normal, no trato coloquial. E também é interessante notar como de certa forma, antecipou a ideia central que tornou-se o mote da segunda fase da emissora, no pós-1969, sob administração estatal, o que permanece até os dias atuais. Nessa primeira fase de existência, contudo, não foram muitos os exemplos significativos que poderiam ser arrolados, em termos de criação.


Como expoentes, é possível citar poucos nomes significativos, tais como : Xênia Bier (que ficaria famosa para valer no início dos anos setenta, através da sua atuação na TV Bandeirantes, ao protagonizar um programa feminino, mas notadamente avantgarde para os padrões da época); Ney Gonçalves Dias (que também ficaria famoso como jornalista e um dos pioneiros do formato "Talk-Show", no Brasil; Jacinto Figueira Junior (o "Homem do Sapato Branco", que foi uma espécie de avô de apresentadores de programas policialescos ao estilo, "Mundo Cão", e que teve uma importante passagem pela TV Paulista, também); Fausto Rocha e Carlos Spera, ambos jornalistas, e que fizeram carreira sólida, posteriormente no telejornalismo.

Quando foi mal financeiramente, a TV Cultura fechou acordo com o Governo Estadual e passou a apresentar em 1963, em sua grade, programas educativos, precursores dos telecursos modernos. No ano de 1965, o seu estúdio foi vítima de um incêndio. Foi mais uma emissora paulista a sofrer tal revés, em uma série de acidentes que mostrou-se epidêmica na segunda metade daquela década, e todos os incêndios contabilizados, a revelar-se bastante suspeitos.

Chateaubriand ainda tentou salvar a emissora, ao providenciar a mudança de seu estúdio para um local ermo, localizado em meio à um bosque nas proximidades da Água Branca, na zona oeste de São Paulo. Entretanto, tal readaptação não logrou êxito e dessa forma, ele não teve outra alternativa a não ser vender o seu patrimônio e ceder a concessão para o Governo do Estado, que em 1967, tomou posse da massa falida e iniciou um longo período de adaptações, quando inclusive, teve de criar a Fundação Padre Anchieta, para oferecer dessa forma, o sustentáculo administrativo para que a emissora pudesse voltar à ativa.

Mais que isso, o governo aterrou a Lagoa Santa Marina, que ficava localizada em tal bosque e a seguir, construiu uma moderna instalação para que a "nova" TV Cultura pudesse operar, a partir de 1969. Dali em diante, a TV Cultura, canal 2 de São Paulo, reinventou-se e tornou-se referência entre as TV's educativas estatais de todos os estados brasileiros e ao longo de sua trajetória, obteve muitas glórias, mas aí é uma outra história...

Então foi assim, a TV Cultura teve uma Pré-História que pouca gente conhece, como TV privada, e mesmo que não tenha criado nada genial, foi importante para o desenvolvimento da TV paulista e brasileira. Entre 1960 e 1966, tal emissora marcou a sua presença através do canal 2 de São Paulo.

Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2014

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Livro: Manual do Candidato a Pop Star/Ronaldo Estevam - Por Luiz Domingues


Quando Andy Warhol profetizou que no futuro as pessoas seriam famosas por um breve instante fugaz, a se configurar em meros quinze minutos, pareceu na ocasião ter sido apenas uma frase de efeito, um aforismo performático tão somente. 

Contudo, com o avançar do tempo, nós verificamos que tal profecia se concretizara e agora, em plena Era das redes sociais e reality shows imbecis exibidos em programas de TV, está comprovada a tese de Warhol e ao ir além, acho que quinze minutos se tornou uma eternidade para se viver o efeito de um "hype", que na verdade, deveria durar muito menos ou melhor ainda em certos casos, absolutamente nada.

Ser "famoso" para que, exatamente? Tirante a óbvia expansão elástica do Ego, claro que existe o interesse financeiro por trás. "Famoso" atrai oportunidade para se ganhar dinheiro, deve pensar cada cidadão em meio a esses milhões de pessoas que sonham em se colocarem como confinadas em uma casa transparente dessas que observamos na TV por aí. 

Mas há décadas atrás, ser uma pessoa famosa representava apenas um termômetro a demonstrar o quanto a sua capacidade criativa seria reconhecida e admirada por muitas pessoas, ou seja, a mensurar o seu alcance artístico.

Não dava para ser famoso na música se o artista em questão não fosse realmente bom. Isso valia para o teatro, a literatura, cinema, artes plásticas etc. E mesmo assim, houveram os casos de reconhecimento somente realçados no momento de pós-morte do artista. Van Gogh e Beethoven são exemplos clássicos de artistas geniais que não usufruíram da fama advinda de sua arte e nesses termos, as suas respectivas obras somente foram reconhecidas bem além de sua própria existência física.

Um leitor desavisado, portanto, se apanhar nas mãos um livro com o título: "Manual do Candidato a Pop Star", poderá se surpreender se antes de abri-lo, formatar um preconceito baseado simplesmente no que a fama representa nos dias atuais, no imaginário popular e a levar em conta a suposta fama de subcelebridades que abundam o espectro da TV e da Internet. 

Nesses termos, tal hipotético leitor é capaz de achar que o seu autor se propõe a fornecer dicas para aspirantes à fama, ou seja, a ensinar como proceder para se postar vídeos com teor idiota através da internet, ao visar a fama instantânea, ou mesmo a se buscar a "capacitação" para preencher os requisitos básicos, que espera-se de um "brother" de Reality show de TV.

Portanto, é nesse ponto, exatamente, que se encontra a grande ideia da parte de Ronaldo Estevam, o autor desse livro, pois o manual, na verdade, fornece muitas dicas valiosas para quem sonha com o estrelato no mundo musical, mas todas elas norteadas por valores que os buscadores de fama da atualidade fogem, tal qual o vampiro foge do crucifixo... ao arrolar itens como: trabalho, estudo, dedicação, suor, paciência, resignação, tenacidade... e então, nesse instante, os incautos aguentariam tal choque de realidade?

"Manual do Candidato a Pop Star", é apresentado com bastante bom humor ao leitor, como se fosse de fato uma apostila destinada ao aspirante, mas ao invés de ser um texto maçante, daqueles extraídos de um powerpoint corporativo, é na verdade a autobiografia do próprio autor, pela qual, através de sua experiência adquirida no mundo da música e também da produção audiovisual (além da pedagogia da arte), ele trata por pontuar tal vivência de forma a cada final de capítulo, ao traçar um resumo e como tais questões passadas ao longo do capítulo, servem didaticamente ao leitor aspirante aartista.

Dessa forma, com bastante inteligência, Ronaldo Estevam criou em meio à sua própria autobiografia, uma segunda leitura, onde didaticamente demonstra com bastante naturalidade, erros e acertos para quem sonha com um lugar ao sol no mundo da música profissional mainstream. 

Ele não economizou ante tal perspectiva, pois a sua autobiografia se aprofundou, ao narrar aspectos de sua infância e consequentemente a envolver situações vividas com os seus pais e irmãos, todo o período escolar, mediante os seus conflitos inerentes (bullying e descoberta da sexualidade), o aprendizado de vários instrumentos musicais, primeiras bandas, a participação em festivais escolares no início de carreira etc.

O relato passou pela inevitável zona de conflito, um ponto obscuro, pelo qual a sociedade costuma nos pressionar com a questão da escolha de uma profissão, a inserção no mercado de trabalho e todo o massacre socioeconômico decorrente dessa desumana organização social.

E aí, talvez na parte onde as dicas se revelam mais valiosas para quem realmente mergulha no mundo da música, Ronaldo fala sobre todas as dificuldades encontradas para se formar uma banda, procurar por oportunidades de gravação, como expandir uma agenda de apresentações, atrair os holofotes da mídia e a atenção de um empresário/manager que possua contatos, influência etc.

E para tanto, a questão de gravar, lançar uma obra, divulgar e distribuir um álbum e o quanto as barreiras burocráticas e sobretudo financeiras, são gigantescas em cada etapa dessa longa peregrinação. 

Então, o leitor aspirante percebe que o artista é quase um personagem de videogame, pois em cada vitória obtida, a nova fase a ser enfrentada se torna mais difícil, como se fosse proposital essa dinâmica de impor a dificuldade. 

E certamente tal modelo deve ter sido criado por um criptonazista sádico e completamente louco, pois o que o artista tem que enfrentar, não é nem um pouco fácil, como uma rotina para qualquer aspirante. 

O leitor conhece aquela famosa frase de efeito: "ter que matar um leão por dia?" Pois é, o aspirante ao estrelato no Brasil passa o dia a matar vários, não apenas um.

Desse jeito, o livro mostra toda a dificuldade que é lançar um disco independente e no caso do Ronaldo, ao se esforçar bastante para gravar em estúdio de alto padrão (sempre caríssimos), gastar ainda mais para fazer um lay-out de capa com qualidade, providenciar o material de divulgação (a conter sessão de fotos, vídeoclips etc).

Inevitavelmente, o livro chega em um ponto onde o aspirante adquire a consciência que a música mainstream é toda manipulada. Para entrar de fato nessa 1ª divisão de elite, não basta se destacar nos patamares inferiores com dignidade, através de seu suor e talento dentro da sua luta, mas ele deverá contar com a sorte de alguém lá do mundo mais elevado, cismar consigo positivamente e convidá-lo assim, a fazer parte do esquema. 

Mas geralmente o grupo é fechado e isso raramente acontece. O normal é o aspirante permanecer estigmatizado por toda a sua vida, por ser um aspirante das divisões inferiores e isso por si só, já é a garantia de que aos olhos de quem comanda o grande esquema, não mereça a ascensão, portanto é um estigma. 

Então, mesmo cônscio sobre a existência de tais barreiras, o autor não desanima ninguém, apesar da constatação, mas pelo contrário, exorta o aspirante a prosseguir, pois se este for esforçado, a vencer todas as etapas, mas ainda assim não conseguiu emplacar uma música para ser tema de novela das oito, tampouco a estar agendado para aparecer em programas mega populares da TV, foi por que ama a música e enxerga nela, outros propósitos.

Sendo assim, o aspirante a Pop Star conseguiu a sua fama sob uma escala bem menor que os padrões mínimos que os marqueteiros consideram relevantes, mas como contrapartida os teus poucos fãs angariados haverão por te respeitar e mais que isso, a adorar que o material que você cria, e isso se dará para sempre, ou seja, o aspirante venceu!

Muito provavelmente esse trabalhador não aparecerá nos sites de fofocas da internet, todavia, que ele não se desespere, pois artistas como: Scott Joplin, Zequinha de Abreu, Peter Hammill, Gustav Mahler e tantos criadores artistas geniais, são desconhecidos dessa gente que adora citar ex-participantes de reality shows, que ficaram famosos, mas... exatamente por tais supostos "famosos" não criarem absolutamente nada de relevante para a arte & cultura, portanto o aspirante haverá por se sentir quite.

Ronaldo Estevam tem muitos discos lançados. Já foi componente de duas bandas de Rock com carreiras interessantes (Modelo T e Picles), e atualmente trabalha com a boa banda Pop, Rony Barba & Mari Lu.

Ele possui também uma prolífica carreira solo, com muitos discos lançados e chama a atenção a sua versatilidade musical, pois cada álbum seu, apresenta uma personalidade diferente, ao denotar ter consigo, muito boas influências musicais, mas sobretudo pela capacidade em expressá-las de uma forma camaleônica, pode se afirmar. 

Eu já escutei trabalhos de sua autoria com intensa proximidade com o Rock Progressivo sofisticado, a psicodelia flutuante, Folk e MPB bossa-novista, e todos, muito bem concatenados, mediante harmonização e execução primorosa em todos os instrumentos que toca.

Multi-instrumentista, Ronaldo toca guitarra, baixo, bateria e teclados muito bem, mas no violão, tem um caso particular de maior afinidade, muito provavelmente por ter sido o seu pai, um grande músico também.

Desde muito cedo, ele encampou a atividade como professor de violão e com essa bagagem, montou a sua escola particular, que é uma referência, chamada: "Violão & Cia". 

Não obstante todo esse talento musical, é claro, existem agregadas outras nuances, a se destacarem as atuações como cantor, compositor, letrista e arranjador/produtor. 

Além de tudo isso, Ronaldo também estudou artes dramáticas no EAD da USP, e se tornou um ator profissional tarimbado.

Esse lado como ator o empurrou para o cinema, onde também se tornou diretor e produtor de cinema a lançar documentários e material audiovisual em geral, inclusive ao lhe possibilitar a criação de diversos clips para as suas bandas, onde atuou/atua e dessa forma, ele cuida de todo o processo para produção de tais peças audiovisuais. 

Portanto, com toda essa bagagem acumulada, Ronaldo Estevam foi muito feliz ao lançar a sua autobiografia em livro, ao aproveitar tal ensejo para imprimir essa nuance de esmiuçar sob vários aspectos, todas as facetas do mundo da música, para quem sonha um dia, ali chegar e vencer na carreira. 

Como polivalente e performático, ele opina com propriedade sobre tantos aspectos a envolver os meandros para se construir uma carreira artística

Claro que existem alguns momentos mais pesados na narrativa e não poderia deixar de ser, ao se tratar de uma autobiografia sem maquiagem, na qual o autor não teve nenhum receio de expor fatos desagradáveis, também. Todavia, o bom humor permeia a obra e portanto, a leitura é bem agradável e assim contém até pontuais momentos engraçados.
No meu caso, ao lê-lo, eu tive vários momentos pelos quais deparei com certas pessoas por ele citadas, que também conheço e algumas inclusive, nefastas, dessas que costumam usar terno risca de giz, falar com sotaque italiano bem forte e mandar cortar a cabeça de cavalos por aí... ou seja, se não entendeu o que eu disse, por ser muito metafórico, recomendo assistir o filme: "The Godfather" ("O Poderoso Chefão") e o leitor haverá de me entender...

Para encerrar, recomendo o livro: "Manual do Candidato a Pop Star", por se tratar de uma leitura rápida, agradável e permeada por dicas pedagógicas para aspirantes, com muito bom humor, ainda que os tópicos ali arrolados como matéria didática, digamos assim, sejam verdadeiros, a denotar seriedade nas entrelinhas.

O livro se encontra disponível nas boas livrarias, além de ser também vendido no formato E-book. No endereço abaixo, você poderá comprá-lo:


www.ronaldoestevam.com.br

Para fazer contato com o seu autor, Ronaldo Estevam, busque-o em seu site:  

 www.clicfolio.com/violaoecia 

No livro, existes muitos links sugeridos e devidamente anotados para se poder ouvir os trabalhos musicais desse artista, assistir os vídeos a representar as bandas por onde atuou e ainda atua e os seus trabalhos como ator e diretor de cinema. 

Mas em linhas gerais, é fácil achá-lo nas buscas, ao bastar digitar: "Ronaldo Estevam" no Google, que logo aparecem vários links para que o leitor estabeleça uma boa pesquisa.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Kim Kehl & Os Kurandeiros - Dia 7/2/2014 - Sexta / 23:00 h. - The Pub - Rua Augusta, 576 - São Paulo / SP

Kim Kehl & Os Kurandeiros

Dia 7 de fevereiro de 2014

Sexta-Feira  -  23:00 h.

The Pub

Rua Augusta, 576

Consolação

São Paulo  -  SP

Kim Kehl & Os Kurandeiros :

Kim Kehl - Guitarra e voz
Carlinhos Machado - Bateria e voz
Luiz Domingues - Baixo

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Boca do Lixo; Celuloide & Criatividade - Por Luiz Domingues

Quando o cinema começou a popularizar-se para valer no Brasil, algumas companhias cinematográficas internacionais abriram escritórios de representação no país, primeiramente no Rio de Janeiro, então capital da república, mas logo a seguir, em São Paulo, ainda na condição de uma cidade emergente, mas não consolidada como metrópole.

Foi entre os anos 1920 e 1930 do século XX, que empresas cinematográficas do porte da Fox; Paramount, e Metro Goldyn-Mayer, abriram as suas respectivas filiais paulistanas, e todas foram alojadas no centro velho de São Paulo, nas proximidades da Avenidas Rio Branco e Duque de Caxias. Naquela época, o centro era muito bonito, extremamente limpo e bem cuidado, portanto conveniente para abrir-se escritórios de trabalho.

Então, ao concentrar-se naquela região vários negócios relativos ao mundo do cinema, aos poucos outros estabelecimentos  aglutinaram-se naquelas cercanias, ao tornar aquele quadrilátero, um pequeno polo cinematográfico. O tempo passou e na década de sessenta, a região começou a observar um lento processo de deterioração e os grandes escritórios mudaram-se para outros endereços mais categorizados da cidade, para deixar as velhas instalações do bairro, aos pequenos produtores mal abonados, mas com vontade para trabalhar.

Ao acompanhar a decadência lenta do centro, tal região ganhou o apelido pejorativo de : "Boca do Lixo", que conteve uma dupla conotação, no sentido de que denotaria também fazer alusão, às produções providas por um padrão de baixo orçamento. Apesar dos parcos recursos, tornou-se um celeiro para revelar grandes diretores; produtores; redatores e técnicos, além de atores, igualmente.

Diretores de alto quilate, tais como : Walter Hugo Khoury; Carlos Reichenbach Filho; Julio Bressane; Alfredo Sternhein; José Mojica Marins; Rogério Sganzerla, e outros tantos, começaram as suas respectivas carreiras naquele mundo ou submundo, como queira o leitor, ao filmar em pequenos e precários estúdios improvisados, e ao fazer uso dos botecos das cercanias, como refeitório para a equipe de filmagem..



De filmes conceituais ao terror do Zé Caixão; policiais e drama, comédias classe "C", e fitas a contar histórias ao estilo, Kung Fu, ou seja, obras com estilos variados, ali foram produzidos. Porém, o grande filão mesmo, observou-se em relação à dita "pornochanchada". Espécie de revival das comédias das antigas produtoras Cinédia e Atlântida, porém apimentadas pelo elemento erótico, tais filmes foram odiados pelos intelectuais, que viram nelas, a caracterização da alienação e apelação, em conjunto.

Em meio à conturbada época política observada ao final dos anos sessenta, até o fim dos setenta, foi duramente criticada por pessoas politizados, por supostamente ajudar o governo autoritário, a alienar a juventude, com erotismo barato.

Por isso, aliado ao fato da região estar decadente, o termo : "Boca do Lixo" teve esse peso da crítica ao tipo de cinema que saia desses modestos estúdios.

Já ao final dos anos oitenta, os estabelecimentos que trabalhavam direta ou indiretamente com produção audiovisual, quase não existiam mais, e uma onda marcada pela deterioração ainda maior, piorou o status da região, que de "Boca do Lixo", passou a ser conhecida como a famigerada : "Cracolândia".

Nesses termos, digo com muita tristeza, que de certa forma, continuou a ser uma região cinematográfica, pois transformou-se, infelizmente, em um autêntico set de cinema a céu aberto, uma verdadeira locação de filme para o diretor, George Romero, para retratar os seus zumbis apocalípticos.
Matéria publicada no Site / Blog Orra Meu, em 2014