sábado, 24 de janeiro de 2015

Mazzaropi, de Jeca Não Teve Nada - Por Luiz Domingues


Preconceito elitista geralmente esconde algo em suas entranhas, pior que a própria arrogância explícita em sua manifesta ação pura e simples. Infelizmente, denota em muitos casos, uma certa dose de inveja, pelo objeto de seu desprezo conter um reconhecimento popular que dificilmente alcançará. Claro que não é uma regra, mas muitas vezes a crítica de arte usa desse expediente não recomendável, para denegrir certas manifestações artísticas que julga “menores”, e o fato de algumas delas estar marcadas pelo sucesso popular, trata por potencializar opiniões desdenhosas, e que em alguns aspectos são injustas, por que nem tudo o que é popular, é popularesco.

Um caso singular de um artista bastante questionado por setores intelectualizados da crítica, é o de Amácio Mazzaropi. Como ator; produtor e diretor de cinema, asua obra foi / é, do agrado popular, contudo provoca o desdém de alguns críticos. 

Amácio nasceu na capital de São Paulo, no ano de 1912, mas mudou-se com a família para o interior do estado, precisamente na cidade de Taubaté, ainda na tenra infância.

Ele frequentou muito a fazenda de seu avô materno, no município vizinho de Tremembé, e certamente que o ambiente de uma propriedade rural o influenciou culturalmente. Na vida escolar, ele gostava em participar das atividades sob cunho artístico, e destacava-se como declamador em saraus de poesia, além de gostar de cantar, também. Não demorou muito e descobriu o circo, e convenhamos, tal manifestação tradicional de arte mambembe, mantinha muita força no interior, e em meio a uma fase onde não havia TV; rádio, e o cinema apenas engatinhava nos grandes centros, era realmente um acontecimento que movimentava as pequenas cidades, principalmente.

Claro, quando comunicou aos familiares que estava com a intenção em ser um artista circense, teve uma oposição ferrenha, mas absolutamente esperada por conta da mentalidade da época. Tenaz, Amácio seguiu atrás do seu sonho e foi parar no Circo La Paz, não necessariamente a compor o papel de um palhaço tradicional e caracterizado (Clown), mas a divertir a plateia com anedotas, e a contar “causos”e assim a portar-se como um "entertainer".

Nos anos trinta do século vinte, formou a sua trupe de teatro e passou a excursionar. Atuou como ator, mas também rapidamente tornou-se um produtor, e passou a ganhar a experiência que ser-lhe-ia vital em sua carreira, futuramente, quando finalmente foi atingir o cinema. Antes porém, teve uma importante experiência radiofônica, onde obteve grande sucesso com o programa : “Rancho Alegre”, de onde tirou uma boa base para a sua cinematografia posterior, além de precipitar a oportunidade para levá-lo para a TV, também. Convidado por Abílio Pereira de Almeida e Franco Zampari, mentores da Cia. Cinematográfica Vera Cruz, tornou-se ator contratado desse estúdio, e ali sim, iniciou a sua trajetória de fama em nível nacional.

A sua estreia em “Sai da Frente”, de 1952, foi um estouro de bilheteria e dali em diante, Amácio faria mais alguns filmes importantes nessa Companhia. Esse primeiro filme dele na Vera Cruz, é uma das comédias nonsense mais sensacionais da história do cinema brasileiro, e já colocou a Vera Cruz e Amácio Mazzaropi, como grandes concorrentes da Atlântida, representados pela sua dupla genial, Oscarito & Grande Otelo.


“Nadando em Dinheiro” também é um filme muito interessante, e ainda ambientado na urbanidade de São Paulo. Lembra muito o humor leve e refinado do diretor, Ernest Lubitsch.

“Candinho”, de 1953, é particularmente, o meu predileto dessa fase dele a serviço da Vera Cruz. Baseado em um conto de Voltaire (“Candido”, ou “O Otimismo”), foi adaptado à realidade brasileira, e pela primeira vez a personagem por ele vivida, foi a de um homem interiorano e muito ingênuo, que tendo que interagir na cidade grande de São Paulo, envolve-se em confusões, conflitos, e com a sua simplicidade prosaica, acaba por dar-se bem.

Pungente e com momentos brilhantes, até, trata-se de um filme memorável da Vera Cruz, com muitos méritos não só pela adaptação boa de um conto de um autor clássico estrangeiro para a realidade brasileira, mas por ter em Mazzaropi, uma interpretação muito marcante; boa trilha sonora e presença de um bom elenco, inclusive a destacar o lendário sambista, Adoniran Barbosa, ao revelar-se um comediante nato, no alto de seu famoso bordão pessoal : “não faz mal, não tem importância"...

Com a lastimável derrocada financeira da Vera Cruz, Mazzaropi seguiu em frente, ao filmar em outras produtoras de menor porte, quando finalmente sentiu que mediante a sua fama crescente, e com a experiência de produção que ganhara, precisava mesmo era ser independente e criar a sua própria companhia, e assim, nasceu a “PAM” (Produções Amácio Mazzaropi). O primeiro filme de sua produtora particular, foi : “Chofer de Praça”, mais ou menos a repetir a fórmula das comédias urbanas anteriores que fizera, como em “Sai da Frente; “O Gato de Madame”, e “Nadando em Dinheiro”.

Mas foi em 1959, que ele voltou a fazer o caipira prosaico, e não poderia ter sido mais propício e direto, ao interpretar : “Jeca Tatu”, personagem clássico criado por Monteiro Lobato. Foi um estouro de bilheteria, e dali em diante, a sua imagem ficou intrinsecamente ligada à personagem, e salvo mudanças bissextas, o caipira-mor permeou a sua produção cinematográfica até o final, mesmo que não necessariamente o “Jeca Tatu” fosse oficialmente retratado em todas as películas, mas convenhamos, para o grande público, o caipira em questão seria sempre o Jeca...

Esperto, Amácio sempre ficou atento aos acontecimentos do cotidiano, e os roteiros de seus filmes foram a amalgamar-se às situações de momento.

Nesses termos, quando o “Spaghetti Western” tornou-se a última moda no cinema internacional, nos anos sessenta, lá estava Mazzaropi a lançar : “Uma Pistola para Djeca”; ou quando o assunto da vez fora a telenovela,  “Beto Rockfeller”, Amácio foi de “Betão Ronca Ferro”...

Um outro filão que buscou, foi o de enfocar histórias a homenagear colônias estrangeiras aqui radicadas, casos de “Portugal, Minha Saudade”, e “Meu Japão Brasileiro”. No tempo em que ganhar na “Loteria Esportiva” foi o grande sonho de todo brasileiro mediano, Amácio rapidamente lançou : “Um Fofoqueiro no Céu”.

Com motivações religiosas ou até sobrenaturais, ele levou o seu caipira para produções como : “Jeca Contra o Capeta”; “Jeca e a Égua Milagrosa”, e “Jeca Macumbeiro”.


Dois filmes chamam a atenção pela ousadia, além do entretenimento, que fora a sua real intenção; Em “Jeca e seu Filho Preto”, Mazzaropi tocou em um assunto que era (é) uma tabu na sociedade da época. Por décadas, o Brasil viveu a mentira que em tal país não havia racismo, e curiosamente, Mazzaropi foi um dos poucos artistas que enfocou o problema de peito aberto, mesmo sendo popular e desprezado pelos intelectuais. E outro caso, foi o de : “A Banda das Velhas Virgens”, considerado um clássico de sua filmografia, e que já foi inclusive, mote para tese de mestrado.

Choque de gerações também foi tema para ele filmar. “O Puritano da Rua Augusta” é um exemplo nesse sentido. Desta feita na ambientação urbana de São Paulo, como sugere o título, Mazzaropi faz um patriarca retrógrado, a tentar impor limites aos seus filhos jovens e também aos seus amigos, a quem chama no filme como  : “Playboyzada”... hilário !

Corintiano fanático na vida real, ele produziu uma comédia a explorar essa paixão pelo futebol ("O Corintiano"), onde ele faz um torcedor fanático do Corinthians, que vive às turras com o seu vizinho italiano, e obviamente palmeirense.

Com cenas reais de estádio, é interessante também por esse quesito, ao mostrar o estádio do Pacaembu dessa época (1965), onde nostalgicamente a rivalidade era forte, mas não fazia de adversários, inimigos de uma batalha campal... portanto, o filme tem esse adendo interessante como documento histórico, pelas externas.

 Com a carreira consolidada, Amácio Mazzaropi chegou em um ponto de sua carreira onde praticamente criou um público cativo, e semelhante ao cantor / compositor, Roberto Carlos, na música, ou seja, independente da crítica e das mudanças comportamentais e estéticas da sociedade, todo ano Amácio lançava o seu produto, com a garantia de retorno financeiro, a estabelecer uma rotina perpétua e sem maiores riscos.

Com essa segurança financeira, ele conseguiu manter o seu estúdio sempre bem equipado, e chegou a construir um hotel na sua fazenda / estúdio, para hospedar o elenco de atores e equipe técnica, e assim minimizar custos de produção, e ao mesmo tempo, ao oferecer conforto para todo mundo trabalhar sossegado. Só parou mesmo de trabalhar quando foi vencido pela doença e “partiu para o lado de lá”.

Amácio Mazzaropi atuou no circo; rádio; TV e foi sem dúvida no cinema que ele construiu a sua fama maior, e deixou o seu legado artístico. O seu cinema foi popular ao extremo, e mesmo ao falhar em alguns quesitos a abraçar a pieguice inerente que o caráter prosaico sempre traz em seu bojo, eu enxergo muitos méritos na sua obra, muitos mesmo. A crítica mais intelectualizada despreza-o, e eu entendo o raciocínio formatado dessas pessoas que assim pensam, mas discordo dessa visão, por acreditar que existe uma carga de preconceito sobre ele, e sobre a sua obra. 

O seu estúdio hoje em dia é um museu, com visitação aberta ao público. Sem dúvida é uma atração turística bacana para a cidade de Taubaté, no interior de São Paulo.

A sua filmografia está toda disponibilizada em DVD, os seus filmes são exibidos  constantemente em canais de vocação cultural da TV a cabo, e na TV Cultura de SP (que nunca o abandonou, é verdade). Existe diversas publicações sobre a sua vida e obra, e um site oficial mantido por sua família, que é um excelente museu virtual, cuja visita eu recomendo :

http://www.museumazzaropi.org.br/o-museu/



Se o caipira clássico que ele tanto retratou em seus filmes, foi um sujeito prosaico, ingênuo e passível em ser enganado por qualquer malandro de rua, na vida real, Amácio Mazzaropi foi mais que um artista inspirado, mas como produtor cultural, foi muitíssimo esperto, por saber explorar ao máximo o seu produto.

Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2014 

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