domingo, 22 de fevereiro de 2015

Não era Miragem, uma Caravela Navegou em São Paulo - Por Luiz Domingues



Não era miragem, uma caravela navegou em São Paulo... 

Quem nasceu em São Paulo; morou, ou andou pela cidade entre 1970 e 1995, deve lembrar-se que uma construção exótica fez parte da paisagem urbana nesse período, ao chamar a atenção pelo seu caráter inusitado.
Em pleno curso da Avenida 23 de maio, uma das avenidas dotadas do maior movimento da cidade e que estabelece a ligação do centro ao epicentro da zona sul, com braços estratégicos a ligar as zonas norte; leste e oeste da cidade, por vinte e cinco anos, uma surreal presença fez-se presente, próxima ao viaduto Tutóia, na margem direita, sentido bairro / centro. Tratou-se de uma enorme caravela, ao estilo das embarcações do século XVII, que esteve ali nesse período, ao servir como cenário para empreendimentos diferentes.
Em 1970, quando foi construída, a caravela teve um princípio óbvio : fora concebida para ornar um restaurante temático, chamado : “A Caravela”. Com essa ambientação temática, claro que chamou a atenção dos paulistanos e convenhamos, gastronomia em São Paulo é um negócio com alta concorrência, portanto, a aposta em um cenário exótico, mesmo que muito caprichado e criativo, não poderia ser o único trunfo do proprietário. E assim, por muitos anos, foi um restaurante de sucesso, ao atrair gourmets dos quatro cantos da cidade. Com quatro mil e quinhentos metros de área, chamava a atenção pela opulência, e tornou-se um ponto de referência para quem estava absorto no trânsito, evidentemente.
Durante esse tempo em que existiu, as pessoas falavam sobre tal construção nos seguintes termos : “perto da caravela”; ”depois da caravela”; “antes da caravela”, para usar como referência de espaço e localidade. Além dos seus frequentadores, a opinião externa sobre a sua aparência e existência, em meio a uma avenida super movimentada, também dividiu opiniões. Muitos achavam-na bonita, mas muita gente também considerava-a uma aberração "kitsch". Em 1984, a construção passou por uma reforma severa, e tornou-se uma “danceteria”. Vivia-se a febre das danceterias em São Paulo e Rio de Janeiro, e todo espaço disponível, dotado de uma grande dimensão, tornou-se opção para que empresários da noite inaugurassem casas sob tal aporte, ao constituir-se em uma tendência dentro do empreendedorismo de então.
E a velha caravela não escapou disso, e com nova direção e funcionalidade, transformou-se então, na : Danceteria “Latitude 3001”. Os seus donos, foram os irmãos Samelli, Sandro e André, em sociedade com Charles, o proprietário de outra casa badalada na cidade, o Victória Pub. Na gerência da casa, ocupou o cargo, o senhor, Orlando Alessio. Em setembro de 1984, deu-se a sua inauguração, e em princípio, muita gente julgou que o numeral, “3001”, fosse uma citação futurista, mas não, foi apenas a numeração da casa, na Avenida 23 de maio.
Além do palco principal para shows de Rock, criou-se uma ambientação labiríntica, que de certa forma lembrou a mesma dinâmica utilizada no Victoria Pub, um tradicional e incrível Pub sob inspiração britânica, que operava há anos na Alameda Lorena, e não foi uma coincidência, conforme já aludi acima, a tal ligação entre as duas casas. Tornou-se portanto uma tremenda atração na cidade pois mediante sala de jogos (dardos; jogos de mesa como xadrez / dama, e dominó); pista de dança para som eletrônico; "lounge" para namorar; pizzaria / restaurante para duzentas pessoas e um pequeno lago artificial para promover passeios mediante o uso de barquinhos, já que a caravela sempre ficou atracada...
Ao seguir o estilo de parques temáticos, intervenções com atores caracterizados simulavam duelos e ataques de piratas marítimos em todos os ambientes da casa, para tornar a estada em suas dependências, ainda mais interativa, ou infantiloide ao estilo Disney, a depender da percepção de cada um. Confesso que gostaria de ter tocado lá com a minha banda naquela época, A Chave do Sol, mas isso nunca aconteceu. Em 1984, uma negociação chegou a ser aberta, mas o contato que intermediou-nos nessa tentativa de acordo, não foi hábil o suficiente, e por não resistir ao trocadilho, digo que esse rapaz, “deixou-nos a ver navios”... mas pelo lado de fora, na Avenida 23 de maio...
Mas o Br-Rock 80’s também arrefeceu as suas forças, e a febre das danceterias passou tão rápido, que do que jeito frenético que abriram aos montes em São Paulo e Rio, fecharam na mesma velocidade. Uma última tentativa em usar a caravela para uma finalidade de entretenimento, ocorreu no final da década de oitenta, quando foi rebatizada como : “Lamba Reggae”. Era uma clara intenção em aproveitar a onda da “lambada”, que assolava o Brasil naquela fase, mas que ainda bem (que perdoe-me quem gosta dessa dança / ritmo), passou, em questão de meses.
Decadente, a caravela não conseguiu emplacar mais como casa noturna, para tornar-se a seguir, uma casa de material de construção, e um horrível lava-rápido de automóveis, depois disso. Demolida em 1995, mesmo decadente há anos, o paulistano comentou com certa ênfase a demolição de uma exótica construção sobre a qual acostumou-se a enxergar, mesmo que nunca cogitasse ao menos saber do que tratava-se.
Aposto como 90% dos apressados motoristas que passaram na 23 de maio, nesses vinte e cinco anos em que ela esteve ali atracada, nem suspeitavam do que tratava-se, e naturalmente ficaram alheios às suas muitas metamorfoses.
Depois de demolido, ali foi construído um hotel de luxo, e que foi bastante usado na Copa do Mundo de 2014, inclusive pela Seleção Brasileira, que ali hospedou-se por ocasião de seu jogo de estreia, e abertura do torneio. E foi assim, mesmo não sendo uma cidade litorânea, São Paulo teve uma caravela em sua paisagem urbana. 

Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2015.
Agradeço ao leitor, Orlando Alessio, que foi gerente da Danceteria Latitude 3001, nos anos oitenta, e através de seu comentário postado, contribuiu com importantes informações sobre tal casa de espetáculos e que eu prontamente anexei à matéria, a posteriori.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Mestres da Psicodelia Gráfica - Por Luiz Domingues


Quando pensamos na explosão da psicodelia, na segunda metade dos anos sessenta, tendemos a imaginar o papel da música como principal agente alavancador de todo esse processo.



Claro que o papel da música foi primordial nessa construção cultural ou contracultural para ser mais preciso, no entanto, outros elementos foram importantes nessa história e entre eles, o papel das ilustrações foi muito marcante, para delinear toda uma estética. Revistas em quadrinhos; fanzines; jornais e revistas artesanais & alternativas; panfletos e sobretudo os cartazes a anunciar shows e eventos em geral, contribuíram, e muito para difundir tal estética e espalhar os ideais da contracultura; Flower Power, e as diversas ramificações derivadas e irmanadas, portanto.



O uso das cores em profusão, e a perspectiva do uso de elementos a revelar elementos oníricos; místicos; shamânicos; lisérgicos; da espiritualidade oriental e da cultura Sci-Fi, foram preponderantes nesse sentido. Nessa salada de influências aparentemente tão díspares entre si, os artistas plásticos que nela trabalharam, usaram o conceito da liberdade total, para misturar tudo sob uma solução líquida única, ao visar mexer-se no caldeirão fervente e que gerou, por conseguinte, a efervescência do movimento.



Sem fazer apologia às drogas, mas somente a buscar-se explicar, o fato é que baseado no uso de certas drogas alucinógenas, a profusão das cores torna-se muito mais realçada do que a visão que temos delas na vida normal, e portanto, isso explica em boa parte a opção pelo uso indiscriminado de cores nos trabalhos gráficos criados nessa época, e a enternder-se por conseguinte, o hábito hippie de usar tal prerrogativa no quesito figurino, através do cotidiano, e por conseguinte, a determinar a estética dos músicos de bandas de Rock, ao seguir tal tendência no seu vestuário padrão, dessa época. Outros fatores importantes para reforçar tal conceito das cores em profusão : a brutal influência do misticismo oriental e indígena norteamericano, misturados em doses maciças.


Mesmo aparentemente sendo culturas completamente diferentes entre si, pelo calor da euforia antropofágica gerada nesse movimento, elas fundiram-se harmoniosamente, para gerar uma explosão visual mediante  cores em profusão e a gerar beleza, inigualável. Dentro desse universo de possibilidades gráficas, a mostrar-se total, onde foi proibido proibir, alguns artistas destacaram-se nesse contexto : Rick Griffin;  Wes Wilson; Victor Moscoso; Stanley Mouse; Alton Kelley; e claro, o cultuado quadrinhista e freak-mor, Robert Crumb.



Todos os citados criaram em profusão, e com qualidade artística inquestionável. Os seus trabalhos multiplicaram-se em várias frentes, mas claro, a grande vitrine para a sua arte psicodélica, foram os cartazes a anunciar shows de Rock; eventos em geral, e capas de discos para artistas do Rock, principalmente, mas também em outras vertentes musicais, notadamente dentro do universo da Folk Music sob um primeiro momento, mas logo a atingir a Black Music em geral e até no Jazz. No campo dos cartazes de shows, a criatividade lisérgica de tais artistas foi espetacular, e os cartazes, mágicos, a anunciar performances também mágicas de artistas consagrados ou em vias de assim tornar-se perante a crítica e público.


São memoráveis os exemplos de cartazes para as principais casas de shows, como por exemplo, os auditórios Fillmore East e West, controlados pelo grande produtor de shows, Bill Graham, mas também para diversos outros locais históricos existentes na América do Norte. Rick Griffin, por exemplo, tinha influência dos quadrinhos da revista Mad; carros Hot Rod, motos e Surf, inicialmente. Mas ao envolver-se com músicos da Califórnia, em meados de 1964, o seu caminho foi moldado pela lisergia, via cultura indígena, com o shamanismo a despertar-lhe a atenção.



É de sua autoria o famoso cartaz para o evento chave da explosão do “Verão do Amor” em 1967, denominado : “Human Be-In”, ou “The Gathering of Tribes”. Envolvido diretamente com os músicos do grupo de Rock, Grateful Dead, ele desenhou a espetacular mandala que ilustra a capa do LP “Aoxomoxoa”, dessa grande banda psicodélica. A sua famosa criação, o “Flying Eyeball”, um olho em forma de bola, e com asas, marcou época, principalmente em posters a anunciar os shows do Jimi Hendrix. 

Victor Moscoso, um espanhol radicado na América, também foi autor de posters memoráveis, cartazes de shows e capas de discos para bandas de Rock e artistas do Jazz, como Herbie Hancock, por exemplo. Wes Wilson foi o mais identificado com a produção de cartazes para os shows dos auditórios Fillmore e é considerado por críticos, o precursor do conceito da fonte de letras que dão a impressão de estar a “derreter”, um delírio lisérgico que criara em 1966, segundo consta nos anais da história.



Sobre o quadrinhista, Robert Crumb, dispensa maiores apresentações. O criador dos famosos personagens de quadrinhos, os geniais, “Freak Brothers”, Crumb é figura reverenciada até os dias atuais, vide o frisson que causou em sua participação no Flip, de Paraty, e visitas realizadas por Rio de Janeiro e São Paulo, recentemente (2015). 

Stanley Mouse também foi um artista muito identificado com a banda Grateful Dead, e autor de capas de discos para tal banda.


Sua capa para o LP “Skull and Roses” dessa banda, lançado em 1971, entrou para a história e segundo ele mesmo costumava contar, foi inspirado em uma figura que observara na biblioteca pública de San Francisco, criado por um desenhista chamado, Edmund Sullivan, que o criara para ornar um poema clássico do século XI, chamado : “The Rubayat of Omar Kayyam”. São notáveis também os posters exclusivos que criou para a grande banda, Sly and the Family Stone. Os seus cartazes de shows para o Avalon Ballroom, também são magníficos, e nesses termos, o seu estilo teve influência da Art-Noveau. O uso de figuras inusitadas como Edgar Allan Poe, como “modelo”, por exemplo, revelaram esse conceito da arte total, sem limites.



Alton Kelley gostava de usar figuras fantasmagóricas com cores fortes, a buscar a linha onírica / lisérgica. A “Bad Trip” como possibilidade em não ser necessariamente assustadora, mas absolutamente alucinante, foi o seu mote artístico como desenhista. Este também desenhou capas para o Grateful Dead; Jefferson Airplane; Jimi Hendrix; New Riders of the Purple Sage; discos solo de Mickey Hart, do Grateful Dead, e outros.


No Brasil, a arte psicodélica influenciou muitos artistas, notadamente os irmãos Peticov, Antonio e André, que não fugiram à regra, ao unir-se e muito ajudar a cena Rock brasileira, com cartazes; intervenções em cenários e efeitos de shows, e capas de discos, vide trabalhos realizados para bandas tais como : Mutantes, O Terço, Apokalypsis e outras igualmente importantes. A beleza singular de tais obras, onde o surrealismo é também importante influência natural, é inquestionável.



Tais representações gráficas são reflexo da música e vice-versa, na chamada arte total, sem fronteiras. Nos anos setenta, aqui no Brasil, houve um termo para definir essa síntese artística e estética total : “desbunde”.



Em tempos de tanta frescura politicamente correta por um lado; e exaltação da subcultura de massa, por outro, estamos a viver uma época empobrecida pelo ponto de vista estético; artístico & cultural. Falta-nos uma catapulta que tire-nos dessa vala triste e funda... falta desbunde, portanto...
Matéria publica inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2014

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Os Prós e Contras do Bom Velhinho - Por Luiz Domingues




Entre tantas simbologias que espalham-se pelo imaginário do povo, sem dúvida que uma das mais fortes é a referente à personagem do Papai Noel. A sua figura espalhafatosa, aliado ao fato de ser um idoso bonachão, em tese constituem-se apenas de fatores superficiais, pois o que realmente encanta em sua figura, são outros elementos inerentes à sua simbologia.

O primeiro fato e sem dúvida o mais marcante, é o da sua predisposição contumaz para agradar as pessoas, ao distribuir presentes e assim realizar sonhos. Essa vocação para a bondade, é por si só algo extraordinário se pensada como uma ação utópica, em meio a uma realidade tão áspera em que vivemos, e que por conta da luta pela sobrevivência, abre campo para todo o tipo de adversidade,incluso a crueldade, como contraponto da realidade. 

A formação do seu mito remonta ao paganismo pré-cristão, na Idade Média.
A sua mais remota raiz foi o “Velho Inverno”, um ser que simbolizava o inverno enquanto personificação da natureza e que mediante invocações pagãs, realizava pequenas ações bondosas para amenizar os efeitos da estação fria, entre os mais necessitados durante a ação do duro frio europeu. Alguns séculos passaram-se até que o mito do velho inverno fundiu-se à história de um homem chamado : Nicolau e que vivera na Turquia. A sua fama em ajudar pessoas carentes, inclusive a custear-lhes a resolução de suas necessidades prementes, tornou-o objeto de santificação pela Igreja católica.
São Nicolau entrou para a história como um homem bondoso que presenteava as pessoas com enorme compaixão.
Ao atingir a idade contemporânea, São Nicolau abriu caminho para que Santa Claus, ganhasse o contorno com o qual mais familiarizamo-nos na atualidade, e foi através de um desenhista alemão chamado, Thomas Nast, que o estilizou como a um velho gnomo de floresta, que o personagem ganhou a aura mais fantasiosa e remeteu-lhe ao imaginário infantil das histórias da carochinha, através de uma publicação do final do século XIX.
Mas o toque comercial e capitalista pós Revolução Industrial veio mesmo quando a Coca-Cola contratou o publicitário, Haddom Sundblom, em 1931, e o bom velhinho ganhou a roupa vermelha que o tornaria famoso mundialmente, para associá-lo às cores do dito refrigerante e criar dessa forma, o mito subliminar de que a sua simpática figura conteria o espírito da companhia e vice-versa. 

Cabe várias visões sobre esse ato de bondade desinteressada de um ser mitológico que tem como ocupação, apenas agradar as pessoas.
Evidentemente que o imaginário humano agarrou-se a tal ideia como uma boia salvadora, em meio ao mar revolto gerado pela vida real. Como uma ferramenta psicológica a fornecer-nos esperança por dias melhores, tem a sua validade, é claro.
Pelo lado oposto, detratores do mito, acusam-no em ser uma mera ferramenta mercadológica do capitalismo selvagem. Não deixa de ser verdade que tal artifício é usado ad nauseaum pelo mundo corporativo; comércio; indústria & afins. Não é culpa da personagem, mas o fato é que o “bom velhinho” é usado e abusado em campanhas publicitárias extremamente apelativas, e que chegam a enojar pelo excesso de pieguice inerente. Outro aspecto nocivo que criou-se com essa manifestação folclórica, é pelo efeito depressivo que alavanca, para quem está em situação difícil sob qualquer aspecto.
Mais uma vez não é culpa da personagem, mas para quem está doente; encarcerado; com dificuldades financeiras ou sob qualquer outra razão; se perdeu um ente querido recentemente; sem perspectivas ou qualquer outra (des)motivação a caracterizar o baixo astral, a figura do velhinho bonzinho e otimista e que não conseguirá resolver os seus problemas imediatos, só potencializa a sua baixa autoestima. Mas claro, é nas crianças que o efeito do mito revela-se mais forte, naturalmente. A manipulação adulta em imputar-lhes a contrapartida em ter que portar-se no sentido em ser um bom menino / menina, para que seja merecedor do sonhado presente que o velhinho haverá por trazer-lhe, ao final do ano, é um ranço moralista, com implicações religiosas, não resta dúvida.
Mesmo com boa intenção em estabelecer limites e a ensinar o conceito de direito e deveres para as crianças, os pais usam tal ferramenta com uma carga negativa, que ao meu ver tem uma carga explícita em termos de chantagem; coação, e ao ir além, sutilmente estabelece um sistema opressivo mediante o uso de dominação ditatorial, abominável.

Poucos dias atrás conversei com um conhecido meu que tem formação acadêmica no campo da psicologia, e é também pedagogo, além de bastante envolvido com militância em ações de cidadania e sustentabilidade ecológica.
Dono de um charmoso Café no bairro do Belém, na zona leste de São Paulo, enquanto servia-me um café daqueles bem caprichados, coisa de barista experiente, contou-me como faz para manter intacto o Papai Noel em tamanho natural que orna as dependências de seu Café, nessa época do ano, e que encanta as crianças, mas provoca a vontade quase inevitável nos adolescentes, de o vandalizar gratuitamente. Com metodologia e paciência zen, ele domou o instinto normal dessagarotada oriunda de uma escola particular (e bem cara, por sinal), que fica localizada há dois quarteirões de seu estabelecimento. 
 

E o seu Papai Noel em tamanho natural e que fala e canta em inglês, graças aos recursos eletrônicos dos quais dispõem, não corre mais riscos ! Nesse momento, percebi que a visão lúdica do Papai Noel, tem sim uma função benéfica. O meu amigo a falar que a magia é fundamental para o desenvolvimento cognitivo das crianças e que sem o lúdico, não tem como construir as bases da criatividade, fez todo o sentido naquele instante, pois ativou em minha consciência, uma ligação pessoal com o conceito. Mesmo a saber disso, por ter lido artigos e ouvir gente entendida em psicologia / psicanálise e demais profissionais que estudam a psique humana, eu mantinha até então, apenas a compreensão intelectual de tal ditame.
Mas ali, em meio aos goles do café, e sobretudo a ouvir o meu amigo explicar com bastante embasamento, e ao ver o boneco a cantar "Jingle Bell" (em meio às indefectíveis iterjeições, “ho ho ho”), fui além da racionalização meramente intelectual e entendi a argumentação sob outro viés. Por estabelecer uma percepção muito pessoal, mas que ajudou-me a compreender muito melhor a argumentação, de fato, a magia do Papai Noel tem muita importância como ferramenta lúdica para os pequenos. Se houver a possibilidade em não haver coação, manipulação, e domínio sob a égide do medo, sem barganhas e sem a ideia de que deva existir contrapartida obrigatória, acreditar na bondade como ferramenta para disseminar ideais de fraternidade entre os homens, é certamente uma forma de contribuição inestimável para melhorar este planeta.
Tal gesto pode ser a alavanca para uma nova consciência de que a fraternidade deva ser exercida nos 365 dias do ano, e não apenas motivada pelo chamado : "espírito natalino". Tal consciência deve assumir o tom de naturalidade e não estar associada à compaixão tão somente, e sobretudo, desassociada de qualquer fundamentação religiosa; filosófica ou institucional.
Ser fraterno naturalmente, de forma anônima, sem fazer disso um acontecimento que deva angariar simpatia pessoal e que reverta em popularidade, que invariavelmente é interpretada como uma oportunidade política, e entenda-se política não como a nobre ciência social, mas a política rasteira de cunho partidário e eleitoreiro.
Talvez aí esteja a verdadeira essência do Papai Noel, ou seja, a simbologia da personagem a fazer com que enxerguemos que devamos ser fraternais, naturalmente, pois isso nos faz bem, interiormente. Como personagem, ele é imaginário, mas em termos sutis, o Papai Noel pode ser a metáfora dessa nova ordem fraternal, onde presentear as pessoas torne-se algo normal e não  refiro-me aos presentes materiais, evidentemente.

Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2015.