terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Mestres da Psicodelia Gráfica - Por Luiz Domingues


Quando pensamos na explosão da psicodelia, na segunda metade dos anos sessenta, tendemos a imaginar o papel da música como principal agente alavancador de todo esse processo.



Claro que o papel da música foi primordial nessa construção cultural ou contracultural para ser mais preciso, no entanto, outros elementos foram importantes nessa história e entre eles, o papel das ilustrações foi muito marcante, para delinear toda uma estética. Revistas em quadrinhos; fanzines; jornais e revistas artesanais & alternativas; panfletos e sobretudo os cartazes a anunciar shows e eventos em geral, contribuíram, e muito para difundir tal estética e espalhar os ideais da contracultura; Flower Power, e as diversas ramificações derivadas e irmanadas, portanto.



O uso das cores em profusão, e a perspectiva do uso de elementos a revelar elementos oníricos; místicos; shamânicos; lisérgicos; da espiritualidade oriental e da cultura Sci-Fi, foram preponderantes nesse sentido. Nessa salada de influências aparentemente tão díspares entre si, os artistas plásticos que nela trabalharam, usaram o conceito da liberdade total, para misturar tudo sob uma solução líquida única, ao visar mexer-se no caldeirão fervente e que gerou, por conseguinte, a efervescência do movimento.



Sem fazer apologia às drogas, mas somente a buscar-se explicar, o fato é que baseado no uso de certas drogas alucinógenas, a profusão das cores torna-se muito mais realçada do que a visão que temos delas na vida normal, e portanto, isso explica em boa parte a opção pelo uso indiscriminado de cores nos trabalhos gráficos criados nessa época, e a enternder-se por conseguinte, o hábito hippie de usar tal prerrogativa no quesito figurino, através do cotidiano, e por conseguinte, a determinar a estética dos músicos de bandas de Rock, ao seguir tal tendência no seu vestuário padrão, dessa época. Outros fatores importantes para reforçar tal conceito das cores em profusão : a brutal influência do misticismo oriental e indígena norteamericano, misturados em doses maciças.


Mesmo aparentemente sendo culturas completamente diferentes entre si, pelo calor da euforia antropofágica gerada nesse movimento, elas fundiram-se harmoniosamente, para gerar uma explosão visual mediante  cores em profusão e a gerar beleza, inigualável. Dentro desse universo de possibilidades gráficas, a mostrar-se total, onde foi proibido proibir, alguns artistas destacaram-se nesse contexto : Rick Griffin;  Wes Wilson; Victor Moscoso; Stanley Mouse; Alton Kelley; e claro, o cultuado quadrinhista e freak-mor, Robert Crumb.



Todos os citados criaram em profusão, e com qualidade artística inquestionável. Os seus trabalhos multiplicaram-se em várias frentes, mas claro, a grande vitrine para a sua arte psicodélica, foram os cartazes a anunciar shows de Rock; eventos em geral, e capas de discos para artistas do Rock, principalmente, mas também em outras vertentes musicais, notadamente dentro do universo da Folk Music sob um primeiro momento, mas logo a atingir a Black Music em geral e até no Jazz. No campo dos cartazes de shows, a criatividade lisérgica de tais artistas foi espetacular, e os cartazes, mágicos, a anunciar performances também mágicas de artistas consagrados ou em vias de assim tornar-se perante a crítica e público.


São memoráveis os exemplos de cartazes para as principais casas de shows, como por exemplo, os auditórios Fillmore East e West, controlados pelo grande produtor de shows, Bill Graham, mas também para diversos outros locais históricos existentes na América do Norte. Rick Griffin, por exemplo, tinha influência dos quadrinhos da revista Mad; carros Hot Rod, motos e Surf, inicialmente. Mas ao envolver-se com músicos da Califórnia, em meados de 1964, o seu caminho foi moldado pela lisergia, via cultura indígena, com o shamanismo a despertar-lhe a atenção.



É de sua autoria o famoso cartaz para o evento chave da explosão do “Verão do Amor” em 1967, denominado : “Human Be-In”, ou “The Gathering of Tribes”. Envolvido diretamente com os músicos do grupo de Rock, Grateful Dead, ele desenhou a espetacular mandala que ilustra a capa do LP “Aoxomoxoa”, dessa grande banda psicodélica. A sua famosa criação, o “Flying Eyeball”, um olho em forma de bola, e com asas, marcou época, principalmente em posters a anunciar os shows do Jimi Hendrix. 

Victor Moscoso, um espanhol radicado na América, também foi autor de posters memoráveis, cartazes de shows e capas de discos para bandas de Rock e artistas do Jazz, como Herbie Hancock, por exemplo. Wes Wilson foi o mais identificado com a produção de cartazes para os shows dos auditórios Fillmore e é considerado por críticos, o precursor do conceito da fonte de letras que dão a impressão de estar a “derreter”, um delírio lisérgico que criara em 1966, segundo consta nos anais da história.



Sobre o quadrinhista, Robert Crumb, dispensa maiores apresentações. O criador dos famosos personagens de quadrinhos, os geniais, “Freak Brothers”, Crumb é figura reverenciada até os dias atuais, vide o frisson que causou em sua participação no Flip, de Paraty, e visitas realizadas por Rio de Janeiro e São Paulo, recentemente (2015). 

Stanley Mouse também foi um artista muito identificado com a banda Grateful Dead, e autor de capas de discos para tal banda.


Sua capa para o LP “Skull and Roses” dessa banda, lançado em 1971, entrou para a história e segundo ele mesmo costumava contar, foi inspirado em uma figura que observara na biblioteca pública de San Francisco, criado por um desenhista chamado, Edmund Sullivan, que o criara para ornar um poema clássico do século XI, chamado : “The Rubayat of Omar Kayyam”. São notáveis também os posters exclusivos que criou para a grande banda, Sly and the Family Stone. Os seus cartazes de shows para o Avalon Ballroom, também são magníficos, e nesses termos, o seu estilo teve influência da Art-Noveau. O uso de figuras inusitadas como Edgar Allan Poe, como “modelo”, por exemplo, revelaram esse conceito da arte total, sem limites.



Alton Kelley gostava de usar figuras fantasmagóricas com cores fortes, a buscar a linha onírica / lisérgica. A “Bad Trip” como possibilidade em não ser necessariamente assustadora, mas absolutamente alucinante, foi o seu mote artístico como desenhista. Este também desenhou capas para o Grateful Dead; Jefferson Airplane; Jimi Hendrix; New Riders of the Purple Sage; discos solo de Mickey Hart, do Grateful Dead, e outros.


No Brasil, a arte psicodélica influenciou muitos artistas, notadamente os irmãos Peticov, Antonio e André, que não fugiram à regra, ao unir-se e muito ajudar a cena Rock brasileira, com cartazes; intervenções em cenários e efeitos de shows, e capas de discos, vide trabalhos realizados para bandas tais como : Mutantes, O Terço, Apokalypsis e outras igualmente importantes. A beleza singular de tais obras, onde o surrealismo é também importante influência natural, é inquestionável.



Tais representações gráficas são reflexo da música e vice-versa, na chamada arte total, sem fronteiras. Nos anos setenta, aqui no Brasil, houve um termo para definir essa síntese artística e estética total : “desbunde”.



Em tempos de tanta frescura politicamente correta por um lado; e exaltação da subcultura de massa, por outro, estamos a viver uma época empobrecida pelo ponto de vista estético; artístico & cultural. Falta-nos uma catapulta que tire-nos dessa vala triste e funda... falta desbunde, portanto...
Matéria publica inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2014

2 comentários:

  1. Que post lindo,amigo!
    Muito interessante as informações com relação às cores da época e desenhos artísticos!
    Essa fase hippie foi muito marcante!
    Bjus
    http://www.elianedelacerda.com

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    1. Que maravilha que tenha apreciado a matéria, amiga Elyane !

      Sou apaixonado pelos anos sessenta, por isso e muitos outros aspectos e sempre tenho prazer em trazer à tona tais representações dessa época mágica.

      Grato por acompanhar e repercutir, sempre um prazer para mim ter sua visita em meu Blog !!

      Abraço !!

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