terça-feira, 28 de abril de 2015

Jogadores de Futebol Escravizados ou Cafetinados ? - Por Luiz Domingues



Quando o futebol tornou-se profissional, no ano de 1933, acabou o romantismo, embora na percepção generalizada, o romantismo no futebol tenha durado até meados dos anos sessenta. O chamado, “amor à camisa” tornou-se uma farsa, salvo honrosas exceções, com todo mundo preocupado em correr não atrás da bola, mas do vil metal.
Com a instituição da Lei do Passe, os clubes asseguravam os seus direitos com mão de ferro e com o tempo, essa engrenagem revelou-se muito parecida com o antigo sistema escravagista, mesmo que disfarçado em seus meandros jurídicos, a garantir-lhe constitucionalidade. Ou seja, o clube detinha o chamado : “passe”, de cada jogador, que fora um direito de propriedade sobre o atleta.
Mesmo que o contrato de trabalho entre atleta e clube estivesse vencido, ou em situações limítrofes em torno do não pagamento de salários por parte dos clubes, ainda assim o atleta não poderia simplesmente deixar o clube e procurar outro para jogar, pois o seu vínculo só era rompido mediante a compra de seu “passe”, por outro clube. Portanto, os clubes negociavam entre si, ao seu bel prazer, para tratar os atletas como verdadeiras mercadorias. Mesmo ao ter em conta o fato de que mediante uma transação dessas, o atleta ganhava 15 % do valor da negociação, ainda assim era uma relação aviltante, a caracterizar uma ação escravocrata pré-Lei Áurea, apesar do disfarce, e da brecha jurídica que a legitimava.
Portanto, tal lei abriu campo para que os clubes usassem de expedientes de coação, nada morais, como por exemplo, colocar um jogador no ostracismo, caso este criasse-lhe problemas, praticamente para destruir a sua carreira. Demorou décadas para os jogadores mobilizarem-se para mudar tal relação de trabalho.
Ao valer-se da realidade e respeito de uma costumeira baixa taxa de instrução, observada entre a maioria dos jogadores, demorou para que aparecessem indivíduos com maior grau de discernimento, e poder de mobilização para exigir tais mudanças Afonsinho, ao final dos anos sessenta, foi um dos primeiros a questionar publicamente tal sistema feudal no futebol profissional, e sofreu muitas retaliações não apenas profissionalmente, mas também por ter a sua liderança questionada pelo regime autoritário de então, que em tudo enxergava infiltração esquerdista. Algum tempo depois, Sócrates; Vladimir e Casagrande, ao lado do diretor de futebol, Adilson Monteiro Alves, criaram a famosa : “democracia corintiana”, ao instituir um conselho informal para a modernização das relações do futebol, porém circunscrita ao seu clube, e sem espalhar-se nos demais. Aliás, a decantada democracia corintiana, pouco mudou a maneira arcaica como o Corinthians era administrado, nas mãos de uma figura paleozoica como, Vicente Matheus, e tais conquistas que obtiveram em âmbito interno, restringiu-se a pormenores protocolares do cotidiano do clube, como a questão da concentração antes dos jogos, e participação dos jogadores em algumas decisões de bastidores, tão somente.
Em uma questão fundamental como a Lei do Passe, os democratas corintianos falaram a respeito, é bem verdade, mas sem influenciar decisivamente em sua modificação. Então chegou o momento em que tornou-se insuportável continuar a conviver com aquele regime trabalhista escravizante, e com o Rei Pelé empossado como Ministro do Esporte, no Governo FHC, uma equipe de juristas elaborou a Lei que acabaria com essa relação medieval e aviltante, com os jogadores podendo enfim ser tratados com dignidade profissional. Foi o fim da Lei do Passe, e a instituição de uma nova ordem, com o jogador passando a obter muito maior participação no seu destino. Tudo muito bonito, é claro, mas ninguém mediu as consequências dessa nova regulamentação. Os clubes reclamaram, é óbvio. A sua argumentação teve até certos pontos onde houve uma coerência sob o ponto de vista administrativo e comercial.
Por exemplo, a questão da formação de jogadores, nas categorias de base. Se o jogador é livre para jogar onde quiser, como qualquer trabalhador que sai de uma empresa, e entra a seguir em sua concorrente que ofereceu-lhe mais, que incentivo teria doravante os clubes em formar categorias de base ? Se eu invisto em um garoto com doze anos de idade, e passo a gastar para manter o seu desenvolvimento à medida que cresce, não apenas no aspecto fisiológico e cronológico, mas sobretudo em sua ascensão técnica como jogador, como fico quando ele atinge dezessete anos e já a chamar a atenção da mídia, passa a sofrer assédio de meus concorrentes  ? Pois é, com a promulgação da Lei Pelé, acabou-se  com a senzala com a qual os clubes acostumaram-se em manter ao longo de décadas, mas pelo lado dos clubes, esse detalhe citado acima, teve procedimento enquanto reivindicação legítima. Portanto, desestimulados, os clubes passaram a investir menos nas categorias de base, a causar prejuízo técnico para o futebol brasileiro.
Pior que isso, a Lei Pelé abriu brecha para que aproveitadores invadissem o futebol de uma forma avassaladora. Intermediários; atravessadores ou simplesmente agenciadores, tais elementos passaram a colocar-se como representantes dos jogadores perante aos clubes. Se antes fora normal que o pai do jogador tomasse a dianteira nas negociações financeiras entre clube e atleta, agora estava aberto o portal para que “profissionais” da negociação, contratassem jogadores, como “empresários”, a representar-lhes. De certa forma, o jogador ganhou o mesmo status de um artista, e se tanta gente passou a ganhar dinheiro com o empreendimento, e ele, jogador a ser o verdadeiro protagonista, sem o qual não há negócio, foi até compreensível que fosse tratado nesses termos.
Mas claro que fugiu do controle, e ao perceber-se as brechas jurídicas, tais “empresários” passaram a manipular os jogadores de uma forma frenética, e assim a estabelecer uma relação perniciosa tão aviltante quanto a qual foram tratados pelos clubes, anteriormente. Se antes eram praticamente escravizados pelos clubes, agora, na mão desses “agentes”, passaram a ser tratados como “prostitutos da bola”, ao levar dinheiro para os seus cafetões.
A forçar barras inacreditáveis por pura ganância, usam e abusam da carreira de seus “contratados”, ao obriga-los a indispor-se com clubes; torcedores; jornalistas etc. Se a cada transação de transferência, os valores revelados são altíssimos, e as comissões muito robustas, que interesse tem um agente em que seu contratado permaneça por muito tempo em um clube apenas ? Portanto, sob a sua estratégia, os jogadores estão sempre sujeitos a mudanças bruscas, nem sempre saudáveis, aliás quase nunca, para o seu próprio bem, se pensar-se na performance técnica, e muito menos para o interesse dos clubes que defendem.
Como é sabido da maioria que acompanha o futebol, por tratar-se de um esporte coletivo, mesmo que seja um excelente jogador, tecnicamente a falar, ele depende de alguns fatores alheios à sua vontade, para obter uma performance sob alto nível. O entrosamento com os seus companheiros, mesmo que sejam tecnicamente inferiores, é imprescindível para o seu futebol fluir a contento. O condicionamento físico é igualmente muito importante, e se ele muda de clube como troca de cueca, esse desempenho físico decai muito. Por exemplo, se joga em um clube do nordeste do Brasil e é contratado para jogar em uma equipe da Ucrânia, vai demorar meses para adaptar-se à temperatura, quiçá também o mesmo prazo para a adaptação social, com os seus diversos aspectos (alimentação; hábitos; língua, distância da família etc). Isso tudo que assinalei acima, fora a mudança de mentalidade específica da profissão, com sistemas de jogo diferentes (refiro-me à tática & estratégia); metodologia de treinamento, visão dos técnicos etc.
Aí nessa demora, o seu futebol que era vistoso aqui, decai por um ou outro motivo, ou mesmo pela somatória de tudo o que arrolei acima, e o valor de seus direitos administrativos, desaba junto. Para reconquistar o espaço e tempo perdidos, vai ter que submeter-se a jogar em clubes menores provenientes de outras ligas inferiores, ou voltar ao Brasil em condições mais modestas em relação ao tempo em que partiu, e isso se tiver tido a sorte em ser amigo de seu agente, pois a tendência é ele romper o contrato, para rescindi-lo, e ir trabalhar para outros jogadores que estão sob uma situação melhor que a sua, em termos de projeção. Ou seja, o cafetão percebe que a prostituta já não é assediada pelos clientes, e vai à cata de uma menina mais nova e atraente, e pronto.
Outro fator típico desse novo tipo de relação, é a complicação que estes agentes causam na hora de renovar contratos com os clubes, pois pleiteiam aumentos sob valores absurdos, e essa estratégia de achaque é uma mera ferramenta para forçar a saída abrupta, em busca de uma transferência milionária. Aliás, empresário adora plantar notícias na mídia, e usa tal artifício para pressionar os clubes a fornecer-lhes o máximo. Sempre existe “vários” clubes grandes interessados em seus contratados, a seguir o protocolo de suas normas não muito éticas.
Pior ainda é quando forçam situações em pleno rigor de contrato, conforme a circunstância do momento. Se o seu contratado faz um gol decisivo em uma competição, isso já é motivo para convocar uma reunião, e pressionar dirigentes a “rever“ o contrato, mesmo que ainda falte anos para ele expirar, pois contratos são passíveis de rescisões, ora bolas, para que servem as brechas jurídicas, não é verdade ?


Portanto, urge uma reforma na legislação trabalhista que rege as normas do futebol profissional, pois não pode-se caminhar para trás ao desejar a volta da famigerada Lei do Passe, e os jogadores a ser tratados como escravos no tronco. Contudo, a Lei do Pelé abriu a caixa de Pandora da cafetinagem, e desse jeito, não há clube que consiga montar um time para disputar nem campeonato estadual, pois se futebol depende de treinamento e sobretudo entrosamento, está impossível manter um time intacto por mais de três meses, e tecnicamente a falar, para um time atingir o seu apogeu técnico, demanda muito mais tempo do que isso. O neoliberalismo que assolou o futebol no Pós-Lei Pelé, está a matar o seu negócio, e não é à toa que o Brasil tenha sido esmagado pela Alemanha na última Copa do Mundo. Não foi um “apagão” dos jogadores, ou da comissão técnica, simplesmente, como alguns dirigentes tapuias vociferaram, mas reflexo da absoluta falta de estrutura e nesse aspecto, a Lei Pelé tem uma imensa culpa nesse processo, justamente por ter dado esse poder absurdo para usurpadores travestidos de “empresários”, e assim a enfraquecer os clubes.
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2015

sábado, 4 de abril de 2015

Os Yankees que Adoram São Paulo - Por Luiz Domingues




É óbvio que uma impressão pessimista cria uma atmosfera negativa, na mesma proporção. Se tendemos em apenas focar a nossa atenção em aspectos errôneos, fica difícil acreditar que existam aspectos positivos. Esse é um ponto. Um segundo aspecto, é o argumento de que pessoas otimistas seriam portadoras da “Síndrome de Pollyana”, em meio à sua visão edulcorada da vida ao somente mascarar-se a realidade. Ora, se existe mazelas neste mundo, certamente que a estratificação mental de tal realidade materializada, não partiu de pessoas que enxergam o mundo positivamente, não é lógico ? Terceiro ponto : como através de um círculo vicioso, um paradigma negativo  só tende a crescer, e mais que só exercer a “Síndrome de Pollyana” ao contrário, o baixo astral da parte de quem somente enxerga aspectos negativos, maltrata o meio ambiente, que contaminado, só pode mesmo reagir com a materialização de mais sujeira; degradação humana, crueza urbana etc.
Feito esse preâmbulo, quem acompanha as minhas crônicas, sabe o quanto abomino o paradigma da maioria das pessoas que vivem em São Paulo, em adorar odiar a cidade. Se isso é desagradável da parte de quem aqui veio viver, seja lá por qual motivo, é intolerável da parte de paulistanos natos. Não que devamos fingir que a cidade não ostenta problemas graves, mas pelo contrário, se existe tantos problemas, cabe a nós, que somos condôminos dela, arregaçar as nossas mangas e dar o melhor de nós para erradicá-los e fazer da cidade, um exemplo de cidadania. Todavia, curiosamente, os que mais adoram odiar a cidade, são os que menos fazem por ela, e quando o fazem, geralmente são ações que só corroboram a impressão que eles mesmo tem da urbe.
Outra tendência tipicamente brasileira é a de não dar-se o devido valor, e dessa forma, muitas vezes ser surpreendido com a opinião de estrangeiros, que mediante uma outra visão bem mais ampla e sem estar preso nesse paradigma maldito, enxergam o óbvio : o caráter cosmopolita; a diversidade cultural e a inacreditável gama de oportunidades que uma cidade como São Paulo oferece. 

Repercute ultimamente na mídia (2015), o vídeo produzido por dois jovens cineastas e fotógrafos norteamericanos, ao mostrar São Paulo exatamente pela sua grandiosidade e diversidade cosmopolita. Walker Dawson e Nick Neumann estão acostumados a viajar por diversos países do mundo, a fotografar e filmar o cotidiano de tais localidades. Isso não é uma grande novidade, basta ver a quantidade enorme de programas que tem esse mesmo mote e são veiculados em canais fechados da TV a cabo. No entanto, a grande verdade, é que raramente vê-se alguém de fora, que esteja interessado no Brasil, a não ser pelos clichês esperados. Pois estes dois jovens a estar na faixa de vinte e poucos anos de idade, vieram atraídos pela Copa do Mundo e o seu destino inicial e evidente foi o Rio de Janeiro. Ao aproveitar o evento, visitaram também Curitiba e outras cidades, mas culminaram em chegar à capital paulista. A sua estada em São Paulo, hospedados em casa de amigos, estava prevista para durar duas semanas, mas foi esticada para seis semanas. Diante da enorme profusão de eventos para cobrir, esses rapazes encantaram-se com a diversidade da cidade e produziram por conseguinte, um documentário para mostrar inúmeras nuances paulistanas; ao interagir com a população; mostrar a gastronomia multifacetada; as centenas de opções culturais; a quantidade enorme de colônias estrangeiras aqui radicadas há décadas (algumas, mais que centenárias, inclusive) etc. 

Walker e Nick perguntam por quê uma cidade a contar com tantos atrativos, não seja divulgada em escala mundial ? Uma Nova York encravada na América do Sul, que poucas pessoas no planeta sabem que existe e preterida pelos próprios brasileiros que só falam do Rio; Amazônia, e Bahia, a priori. Encantados com a cidade, planejam voltar e desta vez, com uma estadia estendida, para alguns meses, onde planejam esmiuçar ainda mais profundamente as possibilidades da megalópole. É a repetição de um modus operandi que assola o brasileiro e o paulista / paulistano ainda mais, ou seja : só quando um “gringo” afirma que é “cool”, convencemo-nos de que é mesmo, “bacana”. Eis abaixo, o vídeo que vem a causar sucesso na Internet :



Curiosamente, no fórum de comentários no You Tube, existe diversos comentários negativos, a ridicularizar o documentário, e a opinião dos dois cineastas. É o tal negócio : esse pessoal que “adora odiar São Paulo”, não dá trégua, e não suporta ver a sua opinião formada ser contestada com contra-argumentação. Ninguém suporta o contraditório em uma sociedade tão fechada  como a nossa. Toda vez que chegam as férias e / ou feriados prolongados, milhões de pessoas deixam a cidade desesperadamente, por não a suportar. E a cidade torna-se um oásis de tranquilidade sem a presença dessa gente que tanto reclama e mantém o baixo astral como seu modus operandi, não tenho dúvida. Sempre brinco entre amigos, ao dizer-lhe que desejava que tais pessoas simplesmente não voltassem... há um fundo de verdade nessa brincadeira, pois a carga de ódio dessa gente, é responsável pela tensão; descaso; medo da violência; truculência no trânsito etc...


Se existe lixo na rua, é um malfeito da parte de alguém que não enxerga a cidade como extensão de seu Lar, e tal conceito adequa-se à inúmeros outros fatores básicos da cidadania, que se postos em prática, eliminariam 90 % dos problemas urbanos da cidade. Neste caso, os dez por cento restantes seriam mais amenamente eliminados pelo poder público, que não dá conta em ter que cuidar de toda a destruição perpetrada por maus cidadãos. Não sou nenhuma “Pollyana”,  iludido por uma visão cor de rosa do mundo. Mas também não sou adepto de uma visão cinzenta; derrotista; niilista; bruta; cruel; pessimista etc. Problemas existem, mas a atitude em encará-los de frente, e a entender que a cidade é a nossa própria casa, e portanto depende de nós para ser melhorada, faz-se mister.
Os dois norteamericanos estão a enxergar o que a maioria não quer ver : São Paulo é uma cidade sensacional, com uma quantidade absurda de opções culturais; comerciais; educacionais etc. Está na hora em revertermos o paradigma de ódio que está arraigado entre todos, incluso os próprios paulistanos e dessa forma interromper esse ciclo de baixo astral gerado. Mais que isso, as autoridades nos âmbitos municipal e estadual, necessitam rever urgentemente os seus programas para a promoção da cidade ao redor do mundo. Nada contra o Rio e outros estados e cidades brasileiras, mas São Paulo precisa vender melhor a sua imagem, e, o seu potencial criativo e cosmopolita é mais do que suficiente para suprir sua falta de belezas naturais. Os dois norteamericanos descobriram isso...


Resta-nos fazer o mesmo, com a ressalva de que eu sempre pensei igual, basta ler as minhas crônicas mais antigas e não estou a gabar-me, todavia, apenas a constatar. Sobretudo, convido-o leitor, a refletir, ponderar e mudar a sua atitude, também. Principalmente se for paulista e paulistano...
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2015