terça-feira, 22 de setembro de 2015

CD Cosmo Drah / Cosmo Drah - Por Luiz Domingues



Faz muito tempo que eu tenho boas referências sobre uma banda de Rock paulistana e contemporânea, chamada : "Cosmo Drah". Não foi uma ou duas pessoas, mas várias que a elogiaram, a atribuir-lhe diversas qualidades natas.
Falavam-me  sobre a qualidade de suas composições, com arranjos muito bem elaborados; um vocalista com forte potencial; instrumentistas de muita técnica; letras incisivas; e muita inspiração na música produzida nas décadas de sessenta e setenta do século passado, tanto no Rock, como na MPB.
Eu sabia que o grupo havia lançado um EP, anos atrás, mas nunca tive a oportunidade para escutá-lo com atenção, e devido à minha tardia entrada no mundo virtual, demorei a verificar vídeos da banda ao vivo, e quando os assisti, sim, comprovei que os elogios procediam e a banda detinha todos esses atributos comentados. Contudo, nada melhor que enfim ouvir com calma um álbum, com material inédito, e bem produzido em estúdio, para obter enfim, uma melhor avaliação.
O disco homônimo do Cosmo Drah mostra essa determinação em produzir-se Rock autoral com muita força expressiva, e sem nenhuma intenção em fazer concessão alguma ao sistema viciado e muito mal intencionado, armado no comando da difusão cultural mainstream deste país. Só por essa coragem em mostrar o seu trabalho sem nenhuma preocupação em tentar adequar-se ao que os formadores de opinião aspiram (esses famigerados lacaios dos marqueteiros do sistema, que impõe só o que interessa-lhes como “modismo” a ser seguida pelos que deixam-se abduzir), já tem a minha simpatia, mas o disco vai muito além dessa resistência heroica em termos ideológicos. Sim, a influência em torno das estéticas observadas no Rock, durante as décadas de 1960 & 1970, é total, e aonde os críticos geralmente logo preocupam-se em bater o carimbo com a palavra : “datado” no produto, eu enxergo o mérito em ter-se o bom gosto para buscar uma fonte inspiradora nobre, aliás, a melhor possível quando o assunto é Rock.
Se o artista mostra-se moderno no seu áudio, mas traz na parte artística tal influência explícita, é a meu ver um “religare”, ao contrário das opiniões em contrário de críticos que abominam a fonte em questão por outras razões, e aí sim, a portar-se eles mesmos como “datados”, por insistir em bater continência a um paradigma errôneo criado em 1977, de onde decretou-se que fazer música bem composta; bem arranjada; e bem tocada, era “feio”. Sim, “faça você mesmo”, mas faça bem feito, ora bolas...

Para mergulhar então no disco, a primeira faixa chamada : “Labirinto”, apresenta-se com muita contundência sonora. Ao lembrar bastante o trabalho de bandas Hard-Rock setentistas ("Budgie"; "Toad"; "Dust"; "Sir Lord Baltimore"; "Black Sabbath" e outras tantas desse quilate), impressiona pelos ótimos timbres dos instrumentos, e densidade harmônica. O inconformismo expresso em sua letra, fornece uma amostra da amargura que esses artistas sentem em viver deslocados em meio a um mundo sombrio. Não é lamento, mas constatação :

“O que procuram todos, me machuca.

O que procuro, não há luta

Busco de onde veio essa gente

Que se extermina sutilmente”
“Hospício” vem a seguir como segunda faixa do disco. Gostei muito do acréscimo de percussão gravada pela musicista, Clara Andrade. Tal participação conferiu à música, um balanço muito bom, ao casar-se perfeitamente com a proposta da composição, quase a esbarrar no R’n’B, e na Soul Music. Ecos de grupos setentistas tais como : "James Gang", "Captain Beyond" e "Cactus" soaram em minha audição / percepção, e algumas passagens mais Hard-Rock, remeteu-me ao trabalho intrincado do "Módulo Mil", banda brasuca de muita qualidade, do hoje saudoso guitarrista, Daniel Cardona. Na letra, escrita pelo vocalista, Ruben Yannelli, a metáfora é a liberdade. A ideia de cerceamento de ideias e expressão é claustrofóbica e revoltante, sempre.

“Já faz tempo me prenderam

Sem motivo ou razão”...

“O Poder", a terceira canção, tem um sabor Country-Rock agradável. 
Recordou-me dos momentos psicodélicos mais caipiras do "Grateful Dead". Uma intervenção muito boa do ótimo guitarrista, Carlinhos “Jimi” Junior, como convidado da banda, trouxe o sabor de sua grande especialidade, ou seja, o timbre ácido de Jimi Hendrix ao pilotar uma guitarra Fender Stratocaster. Mais uma vez, o Cosmo Drah vem com uma letra forte, e chamou-me a atenção que ao contrário de muitos artistas que batem no sistema como se esse fosse o grande culpado de todas as mazelas da civilização, o enfoque foi outro, ao buscar-se o âmago da questão, ou seja, o sistema é só uma criação oriunda de um conjunto de paradigmas, e estes nascem na mente do ser humano. Portanto, não é o sistema que oprime-nos, mas o próprio ser humano que o criou, realisticamente a falar...     

“É uma Síndrome Global,

E o prazer de Ter,

Sem Separar do Verbo Ser”...
A quarta faixa, “Subversão” mostra vários méritos musicais. Para início de conversa, trata-se de um Hard-Rock com o atributo de um forte gancho, onde lembrou-me a banda brasileira setentista, "A Bôlha", do também saudoso, guitarrista / tecladista e cantor, Renato Ladeira. Gostei bastante das mudanças bruscas entre as partes da canção, a remeter-me ao trabalho da banda germânica, "Nektar", que era uma grande especialista nesse recurso estilístico. Até mudança de compasso, a adentrar em uma fórmula de compasso em 6/8, bem concatenada, o Cosmo Drah apresentou-nos. Acrescento que existe uma boa intervenção de teclados (executado pelo baixista, Elton Amorim), e uma surpresa boa quando através de um "looping" dramático, a banda demonstra evocar inspiração em “I Want You”, do "The Beatles", com bastante energia.

A quinta faixa é homônima.
Em “Cosmo Drah”, gostei de muitos signos interessantes ali contidos. Por exemplo, o bom uso do pedal Wah-Wah pelo guitarrista, Anderson Ziemmer; a boa intervenção dos backing  vocals inspirados na Soul Music; o recurso de ruídos fantasmagóricos a gerar uma saborosa e criativa estranheza sonora; e um vocal que lembrou bastante o trabalho de bandas como o Uriah Heep e o Queen, que aliás, esmeravam-se para elaborar corais grandiloquentes. Cabe uma análise mais pormenorizada sobre o solo dessa canção. 
Sob um bonito arpejo como base, a opção por um solo duplo e sobreposto foi ousada. Terreno espinhoso, pois tal recurso carece de uma observação sempre muita atenciosa da parte da produção do áudio em estúdio, acho que o guitarrista, Anderson Ziemmer, e o produtor Thiago Nacif foram felizes, pois souberam desenhar os solos de uma forma criativa. Solo duplo simultâneo é como arremesso de três pontos em uma partida de basquete. É um risco enorme, pela dificuldade em acertar, a dar margem ao erro, onde além de haver a possibilidade em não marcar-se os três pontos, abre-se chance para a equipe adversária contra-atacar. Portanto, o Cosmo Drah arriscou, mas acertou a "cesta" ao meu ver, nesse quesito.
“Caos” tem uma feição de Blues-Rock, bem daquela fase de fim de anos sessenta, a lembrar grupos sensacionais tais como : "Ten Years After"; "Fleetwood Mac" (fase Peter Green); "Taste", e um certo peso a mais que tende ao Grand Funk Railroad rem seus primórdios de carreira, além do Blue Cheer, naturalmente. O uso de muitas convenções intrincadas também remete a outra boa influência em minha percepção, ao aproximar-se do trabalho cerebral do "King Crimson". 

O que mais chamou-me a atenção na faixa : “Nova Estação”, foi a criatividade da letra, em fugir de clichês, muito embora o tema escolhido seja açucarado, em tese. A relação homem-mulher tende a ser difícil para um letrista escrever algo diferente e não sujeito à pieguice que a norteia de forma sempre contundente. Portanto, acho que o vocalista, Ruben Yannelli foi feliz nesse quesito, ao driblar os clichês.

“Falsidade, chatice... quem é você" ?
Musicalmente, gostei do sabor Rock / MPB setentista, para lembrar o trabalho de uma banda histórica como "O Terço", por exemplo, mas também senti pitadas do trabalho dos "Secos & Molhados", e uma certa influência porteña de bandas como "Pescado Rabioso" e "Sui Generis", e eu sei que os componentes do Cosmo Drah tem grande apreço pelo Rock argentino setentista, aliás, em minha opinião, um sinal de extremo bom gosto, diga-se de passagem.

“Salamandrah” tem um instrumental bastante rico, que lembrou-me o trabalho do Som Imaginário, com tanto colorido harmônico. Mas apresenta também um lado pesado, com certas passagens mostrando a densidade do "Black Sabbath". Ao escutar mediante o uso de um fone de ouvido e assim tentar buscar mais detalhes, viajei longe, e senti outras influências bacanas. Pensei no "Gandalf"; "Sweet Leaf"; "Smoke"...ou seja, bandas mais obscuras, mas dotadas de grande qualidade naquele panteão do Rock 1960  / 1970. Delírio deste resenhista que vos fala ? Pura idiossincrasia ? Pois que o leitor ouça e tire a sua conclusão !
Gostei muito de “Velho Mestre”, uma canção com forte sabor do Rock Rural setentista. Impossível não remeter ao trabalho do super trio : "Sá; Rodrix & Guarabyra", e mesmo aos bons trabalhos solo de Zé Rodrix. Um bonito solo de violão, e o uso de um teclado etéreo que quase soou como um velho mellotron, são destaques, também.
Em “Mágica do Tempo”, o Cosmo Drah mostrou o seu lado “Krautrock”. Por lembrar o som de bandas germânicas como o "Lucifer’s Friend"; "Guru-Guru", e "Jane", entre outros, certamente que elevou o Hard-Rock mais pesado ao patamar do Art-Rock.

A última faixa do álbum, é “Roedor Renegado”. Aqui, há um caldeirão de boas influências amalgamadas. A já mencionada referência ao Rock argentino setentista, fez-se muito presente nesta faixa. Lembra o som do grupo "Almendra", mas também tem algo do Blues-Rock do "Aeroblues", sem dúvida. Tem muito de Rock brasuca setentista, também. 

Sobre a atuação individual dos componentes do Cosmo Drah, nesse trabalho, eu gostei muito.
O baixista, Elton Amorim, tem bastante técnica e a sua criatividade nas linhas que criou, são muito agradáveis. O seu baixo é melódico, bastante incisivo enquanto peso e presença, a empolgar em todas as faixas. Acrescento que não poderia ser de outra maneira, dada a quantidade enorme de boas influências que detém em sua formação pessoal, aliás, caso dos quatro componentes. Gostei muito da bateria de Renato Amorim, irmão de Elton, e outro caso de uma cozinha familiar de alto padrão e entrosamento, tal qual no exemplo dos irmãos Busic, Andria e Ivan.
Ótima condução, com muita criatividade nas viradas; muito firme & preciso, pontual e expressivo no uso dos pratos; e a demonstrar  um grau de bom gosto extremo na escolha dos timbres das peças de sua batera, a marcar com peso e brilho, muito bons. Claro, o dedo do produtor, Thiago Nacif, pesou no quesito timbre, tendo esse mérito também.
O guitarrista, Anderson Ziemmer é excelente, também. Bom harmonizador e solista, confere muita qualidade ao som do Cosmo Drah. É bem expressiva a sua colaboração ao trabalho da banda, nos nos riffs & licks, em que brilha no disco inteiro.
E finalmente, ao falar do quarto componente, o vocalista, Ruben Yannelli, creio que seja uma das grandes vozes da cena do Rock brasileiro da atualidade. Dono de uma voz potente, com forte emissão, lembrou-me bastante o estilo de Luiz Carlos Porto e Fughetti Luz, vocalistas emblemáticos do Rock Brasuca setentista. E o seu trabalho como letrista também merece destaque, ao mostrar inspiração e contundência. Por falar nisso, sobre a parte poética, é bem verdade que no cômputo geral a banda apresentou nesse disco um clima pesado nas abordagens. Sob um primeiro olhar, poderia dar a entender que as letras são pessimistas, dadas ao desalento, como uma manifestação de desesperança sombria. Mas eu descarto essa visão, apesar da aparência inicial, pois nas entrelinhas, não creio que haja tal carga proposital. Em minha opinião, a proposta é outra, a buscar a denúncia, mas sem o conformismo, tampouco o lamento em forma de lamúrias, tão comum na atualidade, como observamos nas Redes Sociais da Internet.
Sobre o áudio do disco, eu gostei bastante. Contém a pressão sonora moderna da era digital, mas as timbragens são bastante agradáveis e semelhantes ao áudio analógico de outrora. Tudo soa bem proeminente, e na velha escola de padrão de mixagem para uma banda de Rock, onde a voz é tratada como mais um instrumento, e não gritante na frente de tudo, como nas gravações comerciais sob intenção Pop / radiofônicas. Sendo assim, realço o bom trabalho do produtor, Thiago Nacif, auxiliado pelo “tape engineer”, André Ferraz, do estúdio : “Da Paz”.
Há por destacar-se também a presença do produtor fonográfico, Eduardo Lemos, que a representar a gravadora, Melômano Discos, apostou no trabalho de uma banda sob qualidade ilibada, embora a manter-se como "outsider" no mercado mainstream, portanto, uma atitude assim, a pensar exclusivamente na arte e não em cifras, tem que ser muito louvada da parte de quem gosta de música, arte & cultura de uma forma geral, e em específico do Rock brasileiro autoral, e que não faz parte de conluios vergonhosos.
Sobre a capa, o que dizer de mais um trabalho de Diogo Oliveira ? Pois eu sou muito suspeito para elogiar o trabalho desse enorme artista plástico / publicitário / web designer / músico e grande agitador cultural, pois ele já desenhou capa de disco de banda minha, elaborou muitos cartazes de shows e assinou vídeoclip de enorme sucesso e criatividade de um trabalho meu feito anos atrás. E constato com alegria, que é mais uma resenha de álbum de uma banda brasileira que eu preparo (ler sobre o CD “O Voo do Marimbondo”, do Vento Motivo, no arquivo deste Blog), onde tenho o prazer em saber que mais uma arte de capa / encarte é assinada por ele. Sobre a ilustração em si, Diogo buscou o lúdico dentro do realismo fantástico. Tem um certo sabor Sci-Fi, é verdade, mas o que é marcante mesmo na sua ilustração, é o Ser flutuante a tocar o solo com o dedo indicador, e assim estabelecer a alusão ao telúrico.
Mais uma vez o Diogo mostrou-se um mestre da ilustração, pois nessa sua concepção, sintetizou o trabalho do Cosmo Drah, ao fazer a ponte entre o som que nos faz viajar e a realidade da vida material. É etéreo e chão, ao mesmo tempo.
Um resumo de cada faixa do álbum, nesse "teaser" acima, postado na Internet 

Para conhecer melhor o trabalho do Cosmo Drah, procure a sua página na rede social Facebook :


Para contato direto com a banda, procure :


Vale a pena também conhecer o catálogo da gravadora Melômano Discos :


Recomendo o trabalho do Cosmo Drah, com esse primeiro álbum homônimo, com certeza.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Kim Kehl & Os Kurandeiros - 22/9/2015 - Terça-Feira/20 Horas - Programa Comunidade & Ação - FlixTV

22 de setembro de 2015 

Terça-Feira  -  20:00 horas

Programa Comunidade & Ação

Flix TV

Estarei com os companheiros Kim Kehl e Carlinhos Machado ao vivo no programa "Comunidade & Ação", do comunicador Guto Senatore, ao vivo no estúdio da Flix TV.

Falaremos sobre nossa banda, Kim Kehl & Os Kurandeiros, além de seus desdobramentos (Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, e Magnólia Blues Band), tocaremos algumas canções em versões acústicas, também.

Assista ao vivo pela Internet : 

http://flixtv.com.br/tv/

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Kim Kehl & Os Kurandeiros - 18/9/2015 - Sexta-Feira/23:30 H. - Spades Café - Baixo Augusta - São Paulo/SP


O terremoto foi fraquinho em São Paulo, nesta última quarta, mas na sexta, o "baixo Augusta" vai tremer, com mais uma noitada de Rock'n Roll & Blues !!

Kim Kehl & Os Kurandeiros

18 de setembro de 2015 - Sexta-Feira - 23:30 horas

Spades Café

Rua Augusta, 339
(Próximo às Estações Anhangabaú e República do Metrô)
 

Consolação
 

São Paulo - SP

KK & K :
 

Kim Kehl - Guitarra e Voz
Carlinhos Machado - Bateria e Voz
Luiz Domingues - Baixo

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A Ginga e a Coragem de Miriam Makeba - Por Luiz Domingues

Quando falamos da influência da raiz africana na música criada através das três Américas, a grosso modo é fácil estabelecer um conceito generalizado. Na América do Sul, o Brasil absorveu a cultura afro, principalmente na formação do seu Samba; na América Central, pulverizou-se em vários países, ao criar-se o acento caribenho em diferentes ritmos; e nos Estados Unidos, gerou os dois grandes troncos que tornaram-se árvores frondosas, e com muitos galhos : Jazz & Blues, sendo que o Jazz também nascera do Blues mais primordial. Todavia, o movimento inverso também causou impacto no continente africano.

Se a sua influência fora brutal na construção de tantas escolas musicais diferentes, séculos depois, a música Pop das Américas e da Europa, voltou tal qual um "boomerang", e redefiniu-se por conseguinte, o rumo da música Pop africana moderna, a estabelecer portanto, uma retroalimentação muito interessante. Muitos artistas africanos foram reverenciados na música comercial Pop ocidental, e o seu som era bem isso o que descrevi superficialmente acima, ou seja, uma mistura das tradições folclóricas locais; com as suas raízes ricas em sonoridades muito coloridas; alegres, e mediante divisões rítmicas muito sofisticadas, com a música Pop ocidental e mega comercializada, que por sua vez, mantinha em suas raízes mais profundas, a mesma fonte africana. Em meio à essa explosão da música africana, alguns artistas, oriundos de nacionalidades diferentes, desse grande continente, tiveram oportunidades no show business internacional. Foi o caso de Miriam Makeba, uma artista sulafricana, por exemplo.

Cantora a exibir uma enorme graça e ginga, Miriam teve projeção internacional, mas não apenas por conta de sua obra e performance como uma boa cantora que o era. O fato, é que Miriam tinha muita consciência sociopolítica, e por ser negra, em meio a uma África do Sul sob denso regime político racista, tornou-se uma voz contra o execrável regime do Apartheid.

Ao tentar a vida artística na América e / ou Europa, Miriam, participou  em 1960, de um documentário denominado : “Come  Back, Africa”, cuja exibição no famoso Festival de Cinema de Veneza / Itália, chamou a atenção do mundo para o racismo na África do Sul, mas criou-lhe um enorme problema pessoal, pois o seu próprio país caçou-lhe o passaporte, e mais que isso, a cidadania, para torná-la apátrida.

A perambular por Londres / Inglaterra, tornou-se amiga do ator / cantor norteamericano, Harry Belafonte, com o qual estabeleceu parceria. Sendo também um ativista anti-racista, e um incansável batalhador pelos direitos civis iguais para os negros na América do Norte, Belafonte ganhou a companhia de Makeba no ativismo, e a ajudou a construir uma carreira Pop internacional, a participar de vários lançamentos de discos; singles; e LP’s da cantora africana.

Entre tantas canções, Miriam lançou : “Pata Pata”, em 1966, que tornou-se febre mundial, por entrar nas paradas de sucesso, em uma época em que artistas como : The Beatles; The Rolling Stones; Bob Dylan, e diversos artistas da vertente da Black Music, o compunham normalmente. Mas como o ativismo era muito forte para ela, não deitou-se no berço esplêndido do sucesso Pop imediato, e continuou a agir e incomodar muitos retrógrados, certamente. Para agravar a animosidade das forças contrárias às suas ideias libertárias, casou-se em 1968, com um ativista que era monitorado pela CIA / FBI, Pentágono etc.

Tratou-se de Stokely Carmichael, simplesmente o líder dos "Panteras Negras) ("Black Panthers"), uma partido revolucionário, apócrifo, por não ser reconhecido pelo governo norteamericano, por trazer ideias explosivas à mentalidade vigente, em seu espectro político, como o socialismo, por exemplo e claro, a conter como o seu carro chefe, a luta pelos direitos civis dos negros. Stokely Carmichael foi o criador da expressão : “Black Power”, que extrapolou o métier político, para marcar época, não apenas na
América do Norte, mas a espalhar-se pelo mundo todo.

Em 1968, Miriam veio ao Brasil, e desfrutou fortemente de seu sucesso, “Pata, Pata”, que também estourara em âmbito radiofônico em nosso país. Já na chegada ao Rio, foi recebida no aeroporto pela bateria da Escola de Samba Mangueira, para cair nos braços do povo, literalmente. Ela visitou todos os programas de TV possíveis e imagináveis nas cidades do Rio e São Paulo, a causar furor com o seu mega sucesso.

“Pata, Pata” tem um "swing" ocidentalizado que muito assemelha-se ao R’n’B, e a percussão, apesar do acento afro, ofertava um certo ar caribenho, muito dançante, portanto. Em uma época em que a Black Music norteamericana estava a popularizar-se fortemente aqui no Brasil, e um cantor sensacional como foi Wilson Simonal, comandava a fina-flor da “pilantragem” na MPB, a canção de Makeba caiu no gosto popular, instantaneamente. Claro, brincalhão como sempre, o povo brasileiro tratou por aprontar uma avacalhação com a letra da canção.

Cantada por Makeba em um exótico dialeto africano (Xhosa), provocou uma paródia em português que ficou tão famosa quanto a versão original, pela similaridade fonética e claro, pelo caráter galhofeiro que tanta agrada aos contumazes esculhambadores brasucas...


Onde ela cantava :


“Sata wuguga sat ju benga, sat si pata pata”


O povo acostumou-se a cantar :


“Tá com pulga na cueca, vem cá que eu mato”


Pilhéria a parte, Miriam encantou os brasileiros, onde incluo-me, por tê-la assistido a atuar na TV brasileira, na época, 1968.

A sua carreira foi bastante prejudicada depois disso, pelos momentos tensos perpetrados pelos Panteras Negros, cuja ligação dela era total, por conta do seu marido. O casal teve que deixar a América do Norte, inclusive, a estabelecer residência na Guiné / África. Em 1973, ela separou-se de Carmichael, mas continuou a ser vigiada e cerceada em muitos aspectos pelas suas convicções  sociopolíticas.

No ano de 1975, Miriam participou ativamente do movimento de libertação de Moçambique, inclusive a contribuir com a sua música, “A Luta Continua”, que serviu como tema para a luta pela libertação do domínio de Portugal para com esse país africano. Nos anos 1980, ela ficou mais afastada da vida artística e teve um momento muito difícil, onde perdeu uma filha, e por conta dessa tragédia pessoal, mudou-se para a Bélgica. Quando o cantor / compositor, Paul Simon lançou o LP "Graceland", todo ambientado na sonoridade da música sulafricana, Makeba embarcou nessa produção, e chegou a participar da turnê de divulgação do álbum, como artista especialmente convidada por Simon.
Quando o apartheid finalmente encerrou-se na África do Sul, e Nelson Mandela tornou-se o presidente daquela nação, Makeba pode enfim retornar à sua pátria, com o restabelecimento de sua nacionalidade. Momento bonito, Mandela em pessoa a recepcionou no aeroporto, a demonstrar que a luta havia valido a pena para essa grande artista e ativista. Os seus últimos anos foram tranquilos em solo pátrio, a manter uma carreira artística local, até falecer em 2008.

Ela não teve apenas “Pata Pata” como sucesso, mas essa canção em questão, a marcou indelevelmente e proporcionou muitas regravações, algumas interessantes inclusive, caso do Osibisa, uma banda de Rock genuinamente africana, mas que era muito respeitada por Rockers europeus e norteamericanos, e de fato, era um grupo muito bom, isso eu atesto.

Makeba teve uma morte dramática, mas muito emblemática para qualquer artista, ou seja, morreu no palco, em meio a uma apresentação que fazia em Castel Volturno, na Itália, vítima de um ataque cardíaco quando estava a cantar.

Não foi exatamente ali durante o concerto que realizava, mas algumas horas depois no hospital, mas pode-se dizer que morreu a fazer o que mais gostava na sua vida. Essa foi Miriam Makeba, uma artista Pop sulafricana sensacional; ativista; mulher corajosa, e a denotar, muito valor.
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2015

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Anos de Desbunde : Quando a MPB era Hippie e Sensacional - Por Luiz Domingues




Naquele turbilhão de acontecimentos que ocorreu no campo da cultura e com consequências na área sócio / comportamental, entre as décadas de sessenta e setenta, a música popular brasileira também sofreu forte influência de tais acontecimentos gerados em âmbito internacional. Após décadas sem produzir grandes novidades estéticas, o grande diferencial na MPB houvera sido a explosão da Bossa Nova ao final dos anos cinquenta, e a música internacional parecia não incomodá-la, por não haver a grosso modo, uma convivência pacífica entre as duas correntes.
Mesmo por que, no caso da Bossa Nova, a raiz comum a conter o Jazz como parâmetro, principalmente no tocante à composição e arranjos, e assim privilegiar o uso de harmonia sofisticada, fazia com que a estrutura instrumental de ambos os estilos, fosse bem parecida. Com exceção de artistas que usavam o violão como acompanhamento, foi comum na Bossa Nova, a utilização de uma formação a conter um trio de instrumentistas mediante piano; baixo acústico & bateria, para acompanhar cantores dessa escola estética, a repetir portanto, o formato do combo clássico do Jazz Stand. Todavia, houve um momento em que a nova música Pop, que vinha principalmente da Inglaterra, começou a incomodar os adeptos da MPB tradicional.
Garotos cabeludos e “barulhentos” a tentar reproduzir o som de artistas negros americanos, e com raízes no Blues, entraram com força no imaginário popular, a assustar os tradicionalistas com tantas mudanças, e dessa forma a forçá-los a reagir e diga-se, da pior maneira possível. Sob uma demonstração de incompreensão e ranço reacionário inadmissível por parte de alguns que nem tinham perfil para portar-se dessa forma ingrata, eis que organizaram então uma vergonhosa : “Marcha contra a Guitarra Elétrica”, como forma para supostamente "proteger” a pureza da MPB.
Como artistas a conter qualidade inquestionável, puderam participar de uma jornada lastimável dessa monta ? Não cabe julgamento, tampouco execração pública, no sentido de que todos estamos sujeitos a errar. Faz parte da vida, em qualquer área, a possibilidade para dar-se um passo errado e no cômputo geral, sábio é aquele que aproveita o momento de adversidade para crescer em cima de sua coragem em ter tentado, e humildade vir a reconhecer a sua falha. Mas para efeito de história, essa tal “marcha” pode ser considerada um divisor de águas na MPB, que passaria por mudanças drásticas, doravante. Logo na metade da década, ainda no calor da marcha reacionária e corporativista, começou a surgir festivais universitários de MPB, e logo, a ideia foi absorvida pela emissoras de televisão.
Nem preciso alongar-me nesse parágrafo para exprimir o quanto os festivais da TV Record de São Paulo, foram importantes para a MPB. E dentro deles, a grande capacidade de transformação da MPB, já estava em curso, com jovens a incorporar diversos elementos do Rock internacional.
Guitarras; baixo elétrico e teclados eletrônicos entraram com tudo, ao subir ao palco para interagir com os instrumentos tradicionais e até de orquestras que costumavam acompanhar cantores da velha guarda, e a usar smokings como figurino de palco, e mediante a observação daquelas vozes impostadas e no abuso do gestual formal.
Nessa altura, a Jovem Guarda já dava as cartas nas “jovens tardes de domingo”, e a consequente aceitação de cabeludos com guitarras na TV, tornara-se inevitável. Mas a despeito de parecer algo revolucionário, a Jovem Guarda não era Rocker 100%, e nem MPB em sua essência. Influenciada sim, pelo Pop Bubblegum internacional, via British Invasion, a sua amálgama brasileira no entanto, flertava fortemente com o brega dos bairros suburbanos das grandes cidades, e sem muito quilate artístico para sustentar-se como estética a entrar para a história, a não ser pelo hype midiático.
Portanto, salvo raras e boas exceções, não foi da Jovem Guarda que a MPB achou um novo rumo, apesar desse movimento conter artistas como Roberto Carlos, por exemplo, ao torná-los mega populares (e para corroborar a minha tese, a carreira do Roberto, no pós anos sessenta, enveredou para o “romântico popular”, um eufemismo para a música popularesca, é um fato.)
Por isso, a grande mudança começou para valer mesmo, dentro da explosão dos festivais, onde artistas antenados na modernidade e sobretudo isentos de qualquer ranço reacionário, trouxeram o que havia de mais sensacional no Rock; Black Music; Jazz, e experimentalismo em geral, para a nova MPB que construiu-se ali.
Outro ponto importantíssimo ocorreu ao final da década de sessenta e início dos anos setenta, quando a Black Music fez-se presente na MPB, com muita força.
Além de uma safra sensacional de novos artistas surgidos nessa cena Black, com Tim Maia como o principal “síndico desse condomínio”, é claro, alguns outros artistas aproximaram-se dessa estética, baseada no melhor d Soul Music / R'n'B, com bastante inspiração. Foi o caso de Marcos Valle, outrora artista consagrado na cena do Samba-Jazz, cujo repertório base até então, privilegiava o samba em várias vertentes, mas que depois de conhecer a Soul Music, abriu um novo horizonte na sua carreira, sem dúvida, inclusive a abrir-se até para o Rock, nos anos setenta, através de sua própria interpretação como cantor e pianista, além de cantoras de quilate como Elis Regina e Claudia, por exemplo.

 
E até o Roberto Carlos flertou (e muito bem), com a Black Music. 
Para quem é historiador da música, sabe bem que existiu um hiato na carreira dele, Roberto Carlos, que é muito interessante entre a fase da Jovem Guarda e o mergulho no romântico / brega que ele adotou a posteriori, onde ele teve um momento "Soul Music", muito bom, com o apoio do Erasmo Carlos e Tim Maia, sobretudo, e que certamente já transitavam por essa estética, anteriormente.


Outra vertente que explodiu no início dos anos setenta, foi a de artistas que eram acintosamente influenciados por correntes do Rock internacional, como a Psicodelia sessentista e o Rock Progressivo dos anos setenta. Nesse aspecto, a proximidade histórica do Rock Progressivo com a música Folk europeia, naturalmente fez com que artistas de diferentes regiões do Brasil, estabelecessem a mesma associação. Fato explicável com propriedade por qualquer musicólogo, a música folclórica, seja lá de qual nação represente, contém uma raiz comum, e é base primordial da música erudita. Como o Rock Progressivo bebe na fonte da música erudita, sempre coaduna-se com o Folk, de uma maneira harmônica.
Isso explica portanto, a extrema felicidade com a qual os compositores mineiros, egressos do movimento que entrou para a história como : “Clube da Esquina”, entraram com tudo no mercado setentista, ao apresentar a música Folk das montanhas mineiras, com sonoridade de Rock Progressivo e inquestionável quilate artístico.
O mesmo raciocínio dá-se com alguns artistas nordestinos. A junção de suas raízes folclóricas multifacetadas com o Rock, abriu caminho para uma série de artistas geniais, que uniram a psicodelia hippie; lisérgica & ufológica, ao som do agreste. No meio da década de setenta, uma safra de artistas anteriormente relegados ao quase anonimato do underground, finalmente veio à tona, graças a um festival que tentou resgatar a aura dos festivais sessentistas. Foi o Festival “Abertura”, da Rede Globo, realizado em 1975, e que se não conseguiu o mesmo glamour que pretendia repetir de 1967, ao menos teve o mérito em colocar no mercado, artistas performáticos na crista da onda.
De minha parte, acrescento agora a minha impressão pessoal de época, visto que nos anos setenta eu era adolescente e já acompanhava com total interesse tal cena artística, e nessa época, e nem eu, tampouco os meus amigos, fazíamos distinção entre o Rock e a MPB. A nossa visão era de que as duas escolas caminhavam juntas, ideológica e esteticamente a falar, ao diferenciar-se apenas em por uma questão de formato, mas como falam os franceses, “Vive La diference” !



A essência era Hippie, mesmo para artistas que não coadunavam-se abertamente em tal conceito.
Se o Walter Franco falava pausadamente em que : “Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”, isso era devidamente completado por Gilberto Gil, ao  dizer : “Se Oriente rapaz, pela constelação”...
“Viva a Sociedade Alternativa”, poderia ter sido cantado pelo Country Joe McDonald em Woodstock, ou ser palavra de ordem para enaltecer a “Nutopia”do John Lennon...

Com os “cabelos ao vento, gente jovem colorida”, não queremos repetir os erros dos "nossos pais". O negócio é tomar um “táxi para uma estação lunar”, "amiúde, Avohai", ele diz que mora na baleia por vontade própria...
E quem sabe ir para o interior, para instalar-se em uma “Casa no Campo, com meus discos, meus livros e nada mais”, porque “não dá para confiar em quem tem mais de trinta anos”...


Dá para fazer uma série de outras associações, mas a amálgama é sempre a raiz Hippie, com os seus ideais em torno do conceito da fraternidade; igualdade; amor à arte; liberdade; além de forte apelo espiritualista, com consequentes ligações com a ecologia; ambientalismo; sustentabilidade; anticonsumo; pacifismo, e uma série de outros temas correlatos.
Uma frase da Gal Costa, publicada recentemente (2014), deu a letra : -“A MPB era legal nos anos setenta quando virou Hippie”. Claro, Gal era "le-gal", "to-tal" e "fa-tal"...


De fato, a considerar-sendo que naquela época, as novidades internacionais sempre chegavam com bastante atraso no Brasil, não é surpreendente constatar que o Flower Power que entrara em declínio no Pós-1969, chegasse no Brasil, alguns anos depois.


Nesse contexto, a explosão Hippie no Brasil foi no início dos anos setenta, e causou esse impacto na MPB, sem dúvida. Citei poucos artistas e obras nesta matéria, propositalmente, porque esse tema, além de fascinante, gera múltiplos desdobramentos. Portanto, para não tornar-se um ensaio gigantesco, encerro por aqui, mas voltarei ao tema em matérias futuras, por que é um assunto vasto.
Por enquanto, deixo a constatação : a MPB quando era Hippie e "desbundada", era sensacional !
Matéria escrita inicialmente para a revista impressa Gatos & Alfaces, nº 5, de abril de 2015